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Denúncias

Em 2003, há quase 20 anos, fiz uma palestra num hospital de Cleveland em Ohio sobre uma novidade que estava surgindo no Brasil, da qual eu era – e ainda sou – um grande entusiasta: as Doulas. Minha amiga Robbie convidou para a conferência um médico já avançado em idade que foi humildemente escutar minhas palavras. Era nada menos do que o prof. John Kennell, aquele que, junto com Marshall e Phyllys Klauss, trouxe para o século XXI a ancestral figura das Doulas. Na palestra mostrei para o criador como estava sua criatura: o movimento de Doulas no Brasil. Ele a tudo escutou atentamente e mostrou um vívido interesse nas repercussões dessa “velha novidade” no país do seu amigo Moyses Paciornik. Entretanto, houve um único momento de tensão, e foi quando uma assistente – provavelmente uma doula – ergueu o braço e me perguntou:

– Dr, como agir no momento em que se testemunha um erro ou uma condução equivocada de um médico durante um trabalho de parto com uma paciente sob nossos cuidados?

Eu imaginava que esse tipo de questão ocorreria, visto que se iniciava no mundo inteiro um debate cada vez mais acirrado sobre algo que, desde aquela época, passou a ser chamado de “violência obstétrica”, entendida como uma variante da violência de gênero. Minha resposta poderia ser resumida assim:

– Não lhe cabe fazer nada. Doulas não tem competência para fiscalizar trabalho médico. Mesmo que você – por estudo ou experiência – perceba estar diante de um erro ou atitude maliciosa, não lhe cabe acusar ou apontar dedos para ninguém, pois você não foi contratada para esta função. Se a sua cliente lhe perguntar diretamente, transfira a questão ao médico responsável. Não atue sobre algo que não lhe diz respeito.

Achei que que havia sido suficientemente claro mas, para minha angústia, após dizer as últimas palavras o Dr. John Kennell levantou sua mão miúda e pediu a palavra. Congelei. Todavia, suas palavras foram simples e diretas:

– Concordo com o Dr. Ric, mas deixo claro que ainda há mais um aspecto. As Doulas são personagens novas na cena do parto. Pela perspectiva de médicos e enfermeiras elas são ‘invasoras’. Se uma doula resolve denunciar médicos, hospitais e enfermeiras não só a sua porta estará fechada, mas a de todas as suas outras colegas, pelo medo que os profissionais terão de alguém que age para além do cuidado e do bem estar da gestante, atuando em verdade como uma inoportuna espiã.

Percebi nas palavras do mestre uma preocupação nítida com a sobrevivência de um novo paradigma que precisava ser lentamente aceito pela comunidade de atendentes de parto, mais do que com a justiça a ser feita em casos pontuais. Havia sabedoria em suas palavras e ficou claro para mim, já passadas quase duas décadas, que a indignação e o sentimento de justiça devem ser controlados por quem se encontra nessa posição. Faz-se necessário ter em mente um bem maior. Aceitar denúncias de Doulas produziria o fim prematuro de um movimento, o que impediria milhões de mulheres de usufruírem do benefício que elas trazem ao nascimento. Assim, sempre que surgem Doulas envoltas em indignação por casos que testemunharam, eu acho justo que tenham noção da real função que elas desempenham na história e no futuro do parto, para que uma atitude intempestiva não coloque tanto esforço a perder

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Doulas e Trabalho Interdisciplinar

CURSO DE HUMANIZAÇÃO DO NASCIMENTO

Ric Jones

I. Introdução

Nos tempos ancestrais era corriqueira a cena de uma futura mãe sendo assistida durante o trabalho de parto por outras mulheres da comunidade. Estas eram mulheres mais experientes, vizinhas, parentes, em especial aquelas que já haviam passado pelo mesmo especial momento. O suporte feminino oferecido pelas outras mulheres foi um padrão social, repetido indefinidamente através dos séculos. A socialização do parto foi impulsionada pelas próprias características mais complexas do nascimento humano, determinando como fator evolucionário a presença de outras mulheres no auxílio daquela que estava parindo. Este fator agregador provavelmente está nas origens do sucesso de nossa espécie, por fortalecer os laços sociais entre seus componentes.

O termo “doula” vem do grego, e significa “serva de mulher”, indicando aquela função social de quem oferece suporte físico e emocional à parturiente. A partir dos trabalhos iniciais de Klauss & Kennell a denominação tornou-se popular, sendo usada no mundo inteiro para descrever a atuação de mulheres que oferecem este tipo de atenção às grávidas, durante e após o trabalho de parto.

Conforme o parto foi se tornando uma questão essencialmente médica, ocorrendo em hospitais e maternidades, tornou-se uma atividade multidisciplinar. No mundo ocidental, as equipes de atenção ao parto são formadas pelo médico obstetra, a enfermeira, as auxiliares de enfermagem e o pediatra. Cada um com sua função bastante definida.

Entretanto, aparte os cuidados de ordem técnica relacionados com o nascimento, realizados pela equipe multidisciplinar, quem cuida do bem-estar físico e emocional daquela mãe que está dando à luz em um modelo centrado na tecnologia e no controle de equipamentos? Essa lacuna pode ser preenchida pela doula ou acompanhante do parto.

Apesar de ser uma função antiga, é exatamente pelo afastamento de nossas origens que, hoje em dia, uma acompanhante de parto se torna imprescindível. O ambiente mecanizado dos grandes hospitais e a presença de pessoas desconhecidas tende a incrementar o medo, a dor e a ansiedade na hora do parto. Se o parto é também um evento emocional e afetivo, é igualmente de apoio emocional e afetivo que uma mulher tem necessidade neste momento. É nas fissuras do atendimento frio e tecnocrático do modelo médico contemporâneo que brota a necessidade de uma mulher que ofereça suporte e atenção à gestante. Essa mulher é a doula..

II. Humanização do Nascimento – História 

A redescoberta das doulas se encontra na esteira de modificações culturais que se processam continuamente na história da humanidade. A tarefa de tomar conta das gestantes durante o trabalho de parto sempre foi considerada como uma função das mulheres do grupo. Na Bíblia descrevem-se mulheres tendo seus filhos acompanhadas por parteiras. A civilização hebréia via nelas uma importante função social. Nas sociedades menos complexas de antigamente, os médicos consideravam a atenção ao parto como algo abaixo de sua dignidade e recusavam-se a participar de um nascimento, a não ser em casos excepcionais em que eram chamados para resolver situações extremas.

Durante a idade média o evento da parturição continuaria sendo um assunto restrito ao mundo feminino. O acesso de homens era vedado. Existe até a história apócrifa de um tal Dr. Wertt, de Hamburgo, que em 1522 vestiu-se de mulher para ter acesso a um parto, sendo posteriormente queimado na fogueira da Inquisição por esta atitude. De qualquer maneira, a assistência ao nascimento humano era um assunto de mulheres, e aos homens só restava o medo e o encantamento.

Os homens acabaram adentrando no cenário do nascimento a partir do fim do século XVII, junto com uma série de outros avanços na ciência médica, como a circulação do sangue, as novas abordagens da anatomia, etc. A obstetrícia passaria a ser também foco de atenção dos médicos, e os especialistas em partos e doenças de mulheres começaram a surgir. Os instrumentos para o auxílio no parto também apareceram, sendo o fórceps dos irmãos Chamberlen o instrumento “inaugurador” de um novo modelo de assistência, que paulatinamente se afastava da natureza e procurava as luzes da razão científica. Estava se iniciando o reinado da “Obstetrícia Masculina”, onde os pressupostos filosóficos de abordagem do nascimento eram regulados pela objetividade e racionalidade dos homens.

Já no século XX, por volta dos anos 40, os progressos na quimioterapia nos trouxeram o “Twighlight Sleep”, uma combinação medicamentosa de escopolamina com outras drogas, que colocavam a mulher em um estado alterado de consciência e com comportamento muitas vezes animalesco e bizarro. As parturientes perdiam o controle sobre si mesmas, e não foram poucas as que tiveram de ser amarradas ao leito para evitar que se machucassem.  Os companheiros eram inúteis neste tipo de situação, e seu lugar continuava sendo do lado de fora das salas de parto.

Em 1944, Dr. Grantley Dick-Read lançou o livro “Parto sem Medo” (“Childbirth Without Fear”). Nesta publicação ele descreveu pela primeira vez o círculo vicioso de “medo-tensão-dor” como sendo o responsável pela grande maioria dos transtornos disfuncionais do parto. Suas conclusões foram baseadas na observação de parteiras e na atenção oferecida por elas às gestantes, e a consequente diminuição na necessidade de medicamentos para o combate à dor em função das técnicas de relaxamento utilizadas.

No ano de 1953 o obstetra francês Fernand Lamaze publicou seus estudos baseados em partos observados na Rússia. Sua metodologia era totalmente inspirada nos estudos de fisiologistas daquele país, que estudaram o “reflexo condicionado”. O mais importante deles foi Pavlov, de quem Lamaze adaptou as descobertas em animais de laboratório (como o reflexo de salivação dos cães) para o nascimento humano. Lamaze inspirou a “Psicoprofilaxia do Parto”, que foi amplamente aceita por muitos hospitais na medida em que os instrutores “ensinavam” os casais a se acomodarem às práticas hospitalares, ao invés de escutarem suas próprias necessidades e desejos. As pacientes recebiam um “condicionamento” psicológico para moldar em seu neocórtex (sede da racionalidade) a ideia, transmitida pelo seu “instrutor“ (coach) de que o nascimento poderia ocorrer isento de dor. Apesar de ser contestado hoje em dia, seu trabalho serviu de porta de entrada para os cursos de “Educação Perinatal”, e auxiliou na admissão do pai no cenário do nascimento.

Um pouco depois, o médico americano Robert Bradley introduziu no debate da assistência ao nascimento sua filosofia do “marido-instrutor”. Ele encorajava a participação dos companheiros na gravidez, no parto e nos cuidados com o recém-nascido. Foi um batalhador por gravidezes instruídas, naturais e não medicalizadas, além de lutar pelo aleitamento materno e pelos cuidados compartilhados do bebê.

Em 1968 o obstetra francês Frederick Leboyer publica “Nascer Sorrindo” (“Birth Without Violence”), e abre uma nova janela para a humanização do nascimento ao descrever o parto do ponto de vista do bebê, reivindicando para estes uma acolhida suave e não-violenta ao mundo. Suas idéias ganharam grande popularidade, e ainda hoje os partos tratados com mais cuidado e menos estímulos visuais e sonoros são chamados de “Partos Leboyer”, mesmo que a atenção principal do mestre francês não fosse centrada na mulher, e sim nas necessidades do nascituro. Foi um grande marco nos movimentos de humanização por trazer à discussão as necessidades de afeto e suporte dos pequenos através de uma abordagem não agressiva do nascimento.

Nos anos 70 Michel Odent, obstetra francês, iniciou um trabalho numa pequena cidade chamada Pithiviers, nos arredores de Paris. Lá ele introduziu novidades que se mostraram revolucionárias, como o conceito de intimidade na hora do nascimento, os partos aquáticos e a idéia do nascimento humano sendo controlado por uma ancestral “dança hormonal” que se formou a partir dos processos adaptativos produzidos durante milênios. Os hormônios existentes no parto normal foram desenvolvidos pelo processo evolutivo para acomodar as necessidades de afeto e carinho do recém-nascido “altricial” no processo de vinculação (bonding) com sua mãe.

A partir destes achados iniciou o estudo da fisiologia “alargada” do nascimento, desenvolvendo inúmeros estudos sobre a inter-relação entre ocitocina – que chamou de “hormônio do amor” – com a adrenalina e as endorfinas. Através do balanço adequado destes elementos durante um trabalho de parto não-medicalizado e harmonioso estaríamos aptos a ter um ambiente adequado para a recepção de um bebê.  Michel Odent escreveu vários livros, desde “Nascimento Renascido”, “Parto e Sexualidade”, “A Cientificação do Amor”, “A parteira e o Camponês” e “A Cesariana”.

Seguindo esse caminho integrativo na abordagem do parto, a da antropóloga Wenda Trevathan expressa seu reconhecimento da importância de utilizar uma mulher experiente para oferecer suporte físico, emocional, psicológico, espiritual e não-médico às parturientes durante seu período transicional – entre a gestação e a maternidade – pois este ato, conjugado com o avanço tecnológico, seria capaz de oferecer uma qualidade até então não encontrada na humanidade:

“Se nós aceitarmos os estudos demonstrando os efeitos positivos de ter alguém presente durante o nascimento para providenciar suporte emocional, parece que poderemos ter o melhor de ambos os mundos: a redução da mortalidade promovida por muitos procedimentos obstétricos modernos, e o aumento de sentimentos positivos acarretados pelas práticas ancestrais de manter um suporte emocional através da presença constante de uma outra mulher”.(Human Birth – An Evolutionary Perspective)

Em 1992 a antropóloga americana Robbie Davis-Floyd escreve um livro (baseado em sua tese de doutorado na Universidade do Texas) logo após sua experiência marcante com a maternidade. O livro chama-se “Birth as na American Rite of Passage”, que logo se tornou um best seller no universo da humanização do nascimento. Nessa publicação ela abordou uma nova e instigante faceta da atenção ao parto. Para ela, as rotinas e protocolos hospitalares na atenção ao parto ocidental são encenações inconscientes de valores culturais profundos e basilares em nossa cultura. Assim, a tricotomia (corte dos pelos pubianos das gestantes), praticada de rotina nos hospitais naquela época, nada mais era do que uma atitude movida por elementos não racionais no sentido de infantilizar a gestante, retirar-lhe a expressão de sua maturidade sexual e uniformizá-la, retirando-lhes a subjetividade.

A intenção destas atitudes era diminuir o poder decisório das mulheres para que fossem mais facilmente controladas pela equipe de atenção. O mesmo tipo de raciocínio pode ser aplicado para qualquer rotina que possa ser entendida como ritual; isto é, que seja um procedimento repetitivo, padronizado e simbólico de um valor cultura, seja ele operacional ou não. Robbie trouxe à tona, com este e outros de seus livros, as características ritualísticas dos procedimentos médicos à luz dos rituais, encenados cotidianamente por milhões de profissionais no mundo inteiro, sem que estes tenham conhecimento das conexões de suas atitudes com as bases estruturais que sustenta a sociedade patriarcal.

Os anos 80 e 90 produziram uma grande proliferação de organizações preocupadas com a intensa, ameaçante e perigosa medicalização do nascimento. Ao lado do crescimento vertiginoso da intervenção médica no parto a sociedade iniciou um lento processo de reação, visando preservar a normalidade do parto. A reivindicação era menos intervenção e mais proximidade, ou como diriam os ativistas americanos, um combate ao “High Tech, Low Touch” da modernidade. Nesse período as sociedades ocidentais viram os índices de cesarianas triplicarem, sem uma concomitante melhoria dos índices de mortalidade materna e perinatal diretamente relacionada com esta intervenção cirúrgica. A partir dessa grave e profunda modificação cultural percebemos o surgimento dos movimentos pela, a partir de então chamada, “Humanização do Nascimento”.

Em 1993 foi criada no Brasil a ReHuNa (Rede pela Humanização do Parto e Nascimento). Na América Latina criou-se a Relacahupan (Rede Latino Americana e do Caribe para a Humanização do Parto e Nascimento). Nos Estados Unidos vimos a proliferação de inúmeras organizações de proteção ao aleitamento materno, ao parto natural, às parteiras tradicionais, aos partos domiciliares e uma confederação de todas estas, o CIMS (Coalition for Improving Maternity Services). Entre as organizações participantes do CIMS estava a DONA (Doulas of North America) núcleo do ativismo das doulas americanas, criado em 1992 por Marshall Klauss, Phillys Klauss, John Kennell, Annie Kennedy e Penny Simkin. No Brasil a ANDO (Associação Nacional de Doulas) foi criada em 2004.

III. Doulas – As pesquisas inaugurais

Dana Raphael no livro “Um Presente Delicado” (“A Tender Gift”), descrevia “Doula” como “o título empregado para as pessoas que envolvem, interagem, e auxiliam a mãe em qualquer momento dentro do período perinatal” A partir da publicação deste livro o termo doula foi popularizado para descrever a pessoa que produz este tipo de contato com a mulher durante o trabalho de parto e após o nascimento de bebê.

Hoje em dia é amplamente reconhecido que ter uma mulher oferecendo suporte durante o trabalho de parto para uma parturiente ou um casal pode diminuir a duração do trabalho de parto, diminuir a severidade da dor percebida, a necessidade de anestesia ou analgesia e pode auxiliar na prevenção de cesarianas. Uma boa vivência de nascimento pode melhorar o período de pós-parto por acelerar os processos de recuperação e facilitar a amamentação, assim como assegurar a satisfação do casal com a experiência. Mas estas descobertas tiveram seu marco inicial cientificamente comprovado há relativamente pouco tempo.

Em “Mothering the Mother”, Marshall Klauss, Phyllis Klauss e John Kennell – os médicos que fizeram do termo “vínculo” uma palavra usada por todos os profissionais que trabalham com recém-nascidos – descrevem as evidências cruciais que apoiam o uso das doulas nos atendimentos contemporâneos.

Seis trabalhos randomizados e controlados oferecem o embasamento científico inicial da atuação das doulas. Dois na Guatemala, com o auxílio do professor Sosa; um com 136 mulheres e outro com 465 participantes. Um estudo foi realizado em Houston (Texas), com 416 pacientes e outro em Johannesburgo, África do Sul, com 192 parturientes. O quinto e sexto estudos foram realizados respectivamente em Helsinki (Finlândia) e no Canadá. Todas as participantes do estudo eram primíparas, saudáveis e tinham tido gravidezes sem qualquer problema médico. Foram selecionadas a participar do estudo quando da admissão no hospital, já em trabalho de parto. A partir destes trabalhos pioneiros muitos outros se somaram para criar o consenso de que o trabalho das doulas é positivo e capaz de produzir mudanças claras em variados parâmetros de avaliação da qualidade da assistência.

As doulas da Guatemala foram treinadas em um curso de três semanas, mas as da África do Sul eram mulheres simples e sem treinamento. Todas foram orientadas a permanecer constantemente ao lado das grávidas, usando verbalizações e toque. Igualmente foram chamadas a atender três elementos primordiais: conforto, confiança e reforço das capacidades. Todas as doulas deste estudo haviam tido a experiência prévia de trabalhos de parto normais e partos vaginais.

Palavras suaves, toque, encorajamento, orientação sobre os procedimentos médicos, e explicação do que provavelmente aconteceria a seguir foram as atitudes mais comuns nos grupos estudados. Elas igualmente traduziram alguns termos médicos para linguagem coloquial e fizeram algumas anotações, como o número de pessoas da equipe hospitalar que entraram em contato com as pacientes, e as intervenções realizadas por estas.

Os resultados do estudo foram impressionantes:

  • 50% de redução nas cesarianas,
  • 25% de redução na duração do trabalho de parto,
  • 30% de redução no uso do fórceps,
  • 40% de redução no uso de ocitocina,
  • 60% de redução no uso de analgesias peridurais,
  • 30% de redução no uso de medicação para dor (narcóticos).

Além disso, outros resultados positivos foram acrescentados, a saber:

  • Aumento nas taxas de amamentação
  • Diminuição na Depressão Pós-Parto
  • Aumento da satisfação materna
  • Melhora na interação mãe-bebê

O decréscimo na produção de catecolaminas, como a adrenalina, durante o trabalho de parto está na gênese dos resultados altamente expressivos do uso das doulas no parto. Este resultado está em consonância com as ideias de Michel Odent a respeito das necessidades de suporte durante o trabalho de parto para a adequada liberação do “coquetel hormonal” que vai facilitar a ligação mãe-bebê. Novamente a visão antropológica e evolucionista de Wenda Trevathan, antropóloga americana que estudou a trilha evolutiva do parto humano em um dos capítulos do livro “Evolutionary Medicine”, nos esclarece que:

“(…) as raízes do suporte emocional e social às mulheres durante o trabalho de parto são tão antigas quanto a própria humanidade, e a crescente insatisfação com o modo como conduzimos o nascimento humano em muitos países industrializados está baseada na falha do sistema médico em reconhecer e trabalhar com as necessidades afetivas relacionadas com este evento (…)”.

A partir destes trabalhos observacionais e dos resultados obtidos, as principais funções da doula são:

  • Reconhecer o nascimento como uma experiência chave que a mãe se recordará para o resto de sua vida;
  • Compreender a fisiologia do nascimento e as necessidades emocionais de uma mulher em trabalho de parto;
  • Assistir a mulher e seu parceiro no preparo de seu “Plano de Parto”;
  • Prover suporte emocional, conforto físico, medidas gerais, um ponto de vista objetivo e assistir a mulher em obter as informações que necessita para tomar decisões adequadas;
  • Facilitar a comunicação entre a mulher em trabalho de parto e os cuidadores clínicos;
  • Entender seu papel como alguém que cuida e protege a memória da parturiente sobre sua experiência de parto;

A Biblioteca Cochrane de Medicina baseada em Evidências deixa muito clara a importância das doulas para a melhoria dos resultados obstétricos, demonstrando que a assistência oferecida pelas doulas é sustentada por evidências claras e inquestionáveis:

“Levando-se em consideração os claros benefícios e a ausência de riscos associados com o suporte durante o parto, todos os esforços devem ser feitos para assegurar que qualquer mulher em trabalho de parto receba suporte contínuo, não apenas daqueles próximos a ela, mas também de profissionais treinados. Esse suporte deve incluir presença contínua, conforto pelo toque e encorajamento”.

IV. Doulas – Projeto de resgate da feminilidade no nascimento

Não apenas os resultados que brotam dos estudos se mostraram incríveis, como também são capazes de reduzir tremendamente os custos na assistência hospitalar ao parto. Certamente que estes valores são menos importantes que os resultados positivos na qualidade da assistência às mães e bebês, mas em um mundo com valores estratosféricos relacionados aos cuidados de saúde, não é mais possível negligenciar as iniciativas que se propõe a produzir benefícios ao mesmo tempo em que economizam os escassos recursos aplicados na atenção à saúde de grandes populações. O acesso a um serviço de doulas é capaz de produzir uma melhoria nas condições físicas, psicológicas e emocionais do nascimento. Pode também oferecer segurança e bem-estar, além de diminuir significativamente os custos relacionados com as internações de pacientes obstétricas. Nenhum governo do mundo, por mais rico que seja, pode desconsiderar a possibilidade de racionalizar gastos e, desta forma, poder drenar recursos para outras áreas mais carentes.

As doulas oferecem a possibilidade de conquistar o ideal mais nobre da humanização do nascimento: a síntese entre os paradigmas digladiantes da medicina ocidental. Se de um lado temos o “naturalismo” e a confiança extremada nas forças da natureza, do outro lado temos a “tecnocracia”, que conjuga uma alienação crescente do ser humano dos processos de saúde com custos crescentes e inatingíveis. As doulas, por oferecerem a qualidade humana da proximidade e do afeto, podem criar a ponte que produz a ligação entre estes dois pontos de vista.

“A Humanização do Nascimento vem propor a síntese entre as conquistas recentes da ciência, que nos oferecem segurança, com as forças evolutivas e adaptativas dos milênios que nos antecederam. Esta releitura do nascimento humano se faz necessária para acomodar as necessidades afetivas, psicológicas e espirituais das mulheres e seus filhos com as conquistas que o conhecimento nos traz através da aquisição crescente de tecnologia”. (Ric Jones)

O pediatra americano John Kennell dizia que “se as doulas fossem uma droga, seria antiético não as utilizar”. Mas, “infelizmente”, as doulas são apenas seres humanos, e num ambiente cultural tecnocrático os aspectos humanos fica em plano secundário, muitas vezes esquecidos e menosprezados. Qualquer equipamento que grosseiramente reproduzisse uma pequena fração do que as doulas são capazes de oferecer seria o maior sucesso de vendas na história da medicina. Entretanto, as vantagens oferecidas por estas “mulheres que cuidam de mulheres” só serão plenamente compreendidas quando houver um entendimento mais completo do fenômeno do nascimento. Enquanto parto e nascimento forem entendidos apenas como uma sequência de processos físicos intercalados e sem conexão com as questões emocionais e afetivas, nunca conseguiremos apreender todas as suas múltiplas facetas. Para além disso, o papel da mulher na sociedade moderna precisa ser revisto, pois sem uma nova compreensão – e mantendo-se sobre elas o mesmo conceito de “defectividade essencial” – jamais teremos a justa e completa noção do espaço que o feminino ocupa na cultura.

Bibliografia

  1. Trevathan, W.R. (1987) “Human Birth: An Evolutionary Perspective”. Hawthorne, NY: Aldine de Gruyter.
  2. Trevathan, W.R., Smith, E.O., McKenna, J.J. “Evolutionary Medicine” (1999) Oxford University Press
  3. Jones, R.H. “Memórias do Homem de Vidro – Reminiscências de Um Obstetra Humanista” (2004) Editora Idéias a Granel
  4. Ministério da Saúde Brasil.  Parto, Aborto e Puerpério” – Assistência Humanizada à Mulher –  MS 2001
  5. Enkin M. & Cols, “Guia para Atenção Efetiva na Gravidez e no Parto”. 3a Edição – Guanabara Koogan 2000
  6. Davis-Floyd, R. “Birth as an American Rite of Passage”. 2a Edição (2005) Ed University of California
  7. Hodnett, Ellen D., and Richard W. Osborn. “A Randomized Trial of the Effects of Monitrice Support During Labor: Mothers’ View of Two to Four Weeks Postpartum.” Birth. 16:4, December 1989
  8. Hofmyer, G.J. et al. “Companionship to Modify the Clinical Birth Environment: Effects on Progress and Perceptions of Labor and Breastfeeding.” British Journal of Obstetrics and Gynecology. 98: 756-764, 1991
  9. Kennell, J., Klaus, M., et al. “Continuous Emotional Support During Labor in a US Hospital.” Journal of the American Medical Association. 265: 2197-2201, May 1, 1990
  10. Simkin, P. “Just Another Day in a Woman’s Life? Women’s Long-Term Perceptions of Their First Birth Experience. Part 1.” Birth. 18:4, December, 1991, and “Part 2.” Birth. 19:2, June 1992.
  11. Sosa, Klaus, Kennell, et al. “The Effects of a Supportive Companion on Perinatal Problems, Length of Labor and Mother-Infant Interaction.” New England Journal of Medicine. 303: 597-600, 1980.
  12. Wolman, Wendy-Lynne, et al. “Postpartum Depression and Companionship in the Clinical Birth Environment: A Randomized, Controlled Study.” American Journal of Obstetrics and Gynecology. May 1993.
  13. Kennell, J., Klaus, M., et al “The Doula Book”. 2005
  14. Kennell, J., Klaus, M., et al “Mothering the Mother”, 1993

Sites

  1. Amigas do Parto  –  www.amigasdoparto.com.br
  2. Parto do Princípio  –  www.partodoprincípio.com.br
  3. REHUNA –  www.rehuna.org.br
  4. GAMA – www.mternidadeativa.com.br
  5. Robbie Davis-Floyd – www.davis-floyd.com
  6. DONA – www.dona.org
  7. ANDO (Associação Nacional de Doulas) – www.ando.org
  8. Doulas do Brasil – www.doulas.com.br

Exercícios sobre o Texto (Módulo 2)

Estude cuidadosamente o texto “Doulas e Trabalho Interdisciplinar” e responda as questões que seguem de modo objetivo e procurando dar exemplos práticos sobre os assuntos a que elas se referem. Preferencialmente, não utilize mais do que duas páginas para todas as respostas solicitadas neste exercício.

  1. Qual a origem do termo “doula” e de onde surgiu?
  2. Quais as principais funções da doula e quais as repercussões práticas e verificáveis da utilização de doulas por hospitais num contexto de tecnocracia?
  3. Porque a utilização de doulas é capaz de produzir efeitos positivos na condução de um trabalho de parto? Qual o mecanismo fisiológico pode ser responsabilizado?
  4. Quais as principais vantagens do uso de doulas durante o trabalho de parto?

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Corporação

Sobre brigas na corporação…

Uma coisa sempre me chamou a atenção no comportamento dos médicos: nunca encontrei neles qualquer superioridade (ou inferioridade) moral ou intelectual quando comparados a qualquer outra profissão, mesmo as mais “humildes”. Médicos são humanamente imperfeitos como qualquer sujeito.

Isso me marcou desde o tempo de faculdade quando vi famosos professores da minha área fazendo fofocas mordazes para grupinhos de residentes atacando seus colegas de cátedra. Eu pensava: “mas… a vida na Academia é assim mesmo, como um recreio de escola?

Sim, sem tirar nem por. Esses personagens podem ser tão violentos e agressivos nas críticas quanto os piores políticos do baixo clero. Não havia nenhuma sofisticação neste grupo, o que foi um choque de realidade que agradeço por me alertar para a natureza humana. Entretanto, apesar de achar natural que haja lados e perspectivas distintas a defender, eu acho curioso esse ataque à legalização do aborto por parte de setores da corporação. Sério que existem facções na AMB, no CFM e até na FEBRASGO contrárias à legalização do aborto? Agora a moda é atacar candidatos por serem favoráveis ao aborto seguro, “lenientes” com a “invasão” das doulas e por reconhecerem a existência de violência obstétrica. Mesmo?

Pois vejamos; ser contra as doulas é uma bobagem. Elas já ganharam o jogo, estão presentes em todo os lugares. Legislações municipais e estaduais se multiplicam. Lutar contra elas é perda de tempo, e a atitude correta é essa mesma: adaptar-se a essa nova realidade, firmar parcerias, regulamentar e assimilar. As doulas representam um avanço com embasamento científico e aceitação popular, uma viagem que não tem volta. Quanto à violência obstétrica, o mesmo. Fingir que não existe é estupidez. Uma atitude sábia é reconhecer e, pelo menos, se comprometer em combatê-la. Negar é suicídio, tolice, burrice.

Ser a favor da descriminalização e posterior legalização do aborto não é uma questão moral, mas de saúde pública. Ponto. Os médicos deveriam estar na linha de frente da defesa desse DIREITO.

É triste ver como as organizações médicas frequentemente andam a reboque da história. Há alguns anos apoiaram descaradamente a candidatura de Aécio. Depois disso foram parceiros no golpe de 2016 e ainda agora associam-se ao bolsonarismo, assumem posturas anacrônicas como o combate à liberalização do aborto, a exaltação da Cloroquina, o desmonte do SUS e o apoio à um genocida na presidência. Não acredito que a saúde do Brasil pode se fortalecer sem a presença de médicos comprometidos com o oposto destas posturas, que alguns integrantes de relevância nas suas entidades abraçam. Por enquanto a medicina brasileira está tristemente parecida com o pior de sua política.

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ACOG e doulas

“Dados publicados mostram que uma das mais efetivas ferramentas para melhorar os resultados de trabalho de parto e parto é a presença contínua de uma pessoa de apoio, como a Doula” American College of Obstetricians nas Gynecologists.

Durante 20 anos a comunidade do médica e o pessoal hospitalar (com notáveis e maravilhosas exceções) boicotou a presença de doulas, mesmo quando os dados já estavam presentes mostrando a efetividade destas na atenção ao parto. Para essa negativa, nunca houve uma real preocupação com a proteção da gestante, a qualidade do atendimento ou a preservação do espaço hospitalar. Jamais a preocupação foi a experiência subjetiva da gestante ou sua proteção. Não era esse o medo…

A REAL questão em jogo era o poder, o domínio inquestionável e sem obstáculos sobre o corpo da gestante. A presença da doulas – por mais silente e reservada que fosse – representava a vigilância da sociedade sobre esta apropriação. A presença doulas inibe abusos, impõe que o consentimento informado seja obedecido e exige respeito dos profissionais sobre direitos reprodutivos e sexuais. Para além disso, elas usam técnicas de conforto, alívio da dor e reasseguramento emocional que muitas vezes são a grande diferença na experiência subjetiva de parto da mulher. Algumas que conheci eram verdadeiras rochas de confiança e segurança para os momentos de fraqueza (até dos profissionais).

O reconhecimento público do valor das Doulas feito por uma instituição de caráter conservador e fortemente corporativista como a ACOG mostra que não era mais possível esconder (como fizeram por mais de 20 anos) a qualidade superior do atendimento que se alcança com o trabalho das doulas. Isso coloca as doulas em outro patamar, próximo das palavras proféticas de John Kennell:

“Se doulas fosse uma medicação, seria antiético não utilizá-las”.

Agora, qualquer obstaculização ao livre trabalho destas auxiliares nos hospitais deve ser denunciado ao Ministério Público da mesma forma como se denuncia uma injustificável negativa de socorro.

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Desafios

Não me venha falar de de desafios

O movimento de humanização do nascimento no Brasil sempre foi movido pela chama do impossível. Nossa história, que se iniciou há 27 anos, sempre foi marcada por grandes batalhas para a garantia dos direitos de gestantes, parturientes, puérperas e sua família. Estivemos presentes quando o direito aos acompanhantes foi sacramentado na lei. Discutíamos o trabalho da enfermagem obstétrica na atenção ao parto quando esse trabalho era inacessível a elas. Reforçamos com nosso ativismo a criação da escola de obstetrizes na universidade. Lutamos pelo reconhecimento do trabalho das doulas quando essa função era um mistério até para os próprios atendentes do hospital. Debatemos a escolha do local de parto desde que esse tema tomou conta das discussões na esfera popular e acadêmica. Desbravamos o parto domiciliar planejado e a abertura das Casas de Parto no Brasil carregando em uma das mãos as evidências científicas e na outra o sagrado direito das mulheres escolherem onde parir. Continuamos a enfrentar forças poderosas, mas nos mantivemos fiéis no combate à opressão e violência de gênero que ainda ocorrem nas instituições – e fora delas.

Para tudo isso contamos sempre com nossa fé inabalável na capacidade humana de se transformar e evoluir, tendo como norte a equidade, a justiça, o bem comum e a segurança aplicados ao nascimento humano.

Para quem teve que enfrentar tantas dificuldades não é surpresa alguma para nós o desafio do COVID-19. Sabemos que os princípios de proteção ao binômio mãebebê se mantém intocados, mas também estamos cientes de que a nossa união, como ferramenta de proteção aos direitos da gestante, precisa ser assegurada.

Existem diversas abordagens e vários pontos de vista, visto que essa pandemia pegou a comunidade científica de surpresa pelas suas características específicas e pela sua extensão. Ninguém imaginaria que o mundo inteiro estaria privado do toque, da proximidade e do conforto que a presença de alguém pode nos produzir no momento do parto, exatamente aquilo que é o centro ideológico da humanização do nascimento. Exatamente pelo ineditismo de uma restrição global ao contato é natural que haja, mesmo entre os humanistas do nascimento, opiniões divergentes, e por vezes até antagônicas na forma como tratar a situação dramática da pandemia.

Se por um lado conquistas históricas – como a presença de doulas e o acompanhante – não podem se esvair por entre nossos dedos, também é certo que a emergência de agora – a pandemia do Corona vírus – demanda um cuidado especial, diferente do que aconteceria em situações corriqueiras. Por esta razão, é preciso desarmar os espíritos e manter a cabeça fria. Acalmar nossa alma, respirar fundo, pensar lentamente e tomar cuidado com a rudeza das palavras. Precisamos estar unidos para pensar soluções novas, criativas e adequadas. Como sempre fizemos.

Unidos somos fortes; desunidos somos presa fácil para todos os que não aceitam os avanços nos direitos humanos que conquistamos nas últimas três décadas.

Paz para todos.

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Doula é Conexão

Percebam que os grandes estudos envolvendo o trabalho de doulas, como na África do Sul e nos Estados Unidos, utilizaram amigas, tias, irmãs, parceiras, mães e sogras sem qualquer tipo de preparo ou formação específica. O “efeito doula” ocorria a despeito de qualquer conhecimento técnico operacional. Não há nenhuma obrigatoriedade – pelo menos no que diz respeito às evidências científicas – de que doulas tenham formação na área da saúde, que conheçam ciclos femininos, entendam da anatomia envolvida, aprendam a fisiologia do parto ou mesmo que tenham educação formal. Doulas podem ser (e muitas são) analfabetas, e mesmo assim serem doulas maravilhosas .

O efeito positivo das doulas não se dá pela via técnica ou cognitiva. Seu efeito ocorre majoritariamente como apaziguadoras de tensões, pela identificação com a mulher e sua crise vital e através do suporte incondicional que oferecem. Todo o resto – as massagens, posturas, posicionamentos, técnicas de alívio da dor, acupressura etc. – são o verniz intelectual, uma fachada racional que pode ser extremamente útil, mas que jamais será o centro da ação das doulas ou a razão essencial para o sucesso obtido com o auxílio que prestam.

Um médico pode ter todos os equipamentos e as técnicas, mas se não tiver o conceito de “fraternidade instrumentalizada” como norte de sua atuação jamais deixará de ser um “técnico em medicina”. O mesmo ocorre com as doulas; sem a vinculação emocional, afetiva, psicológica e espiritual as doulas não passam de “auxiliares técnicas”, cuja eficiência sempre poderá ser barrada pelos corpos que se fecham pela falta de sintonia.

O segredo da doula está nessa vinculação emocional, profundamente feminina. Toda técnica será meramente acessória e poderá até ser inútil caso não venha acompanhada da conexão psíquica e íntima que ocorre no parto entre uma doula e a mulher em suas dores.

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Argumento suicida

Uma das coisas que mais me irrita é quando vejo uma pessoa que está do meu lado em uma causa (antirracismo, anti-machismo, anarco socialismo, abolicionismo penal, doulas, homeopatia, luta antimanicomial, parteria, palestina livre, direitos gays, direitos humanos, anticonsumismo, infância sem violência, desadultização de crianças, etc…) apresentando um argumento absolutamente suicida. Chamo de “argumento suicida” aquele que é capaz de produzir uma “lacração” momentânea, uma ilusão de vitória contra um oponente, o qual parece nos levar à derrota de uma perversidade social, mas que por sua incongruência profunda abre um flanco gigantesco em sua retaguarda que – em médio e longo prazos – oferecerá munição inesgotável para nossos oponentes.

Exemplos? Dizer que a fascista gay tem mais é que apanhar. Soltar rojão quando fascistas são mortos. Apoiar pena de morte (ou pena de prisão abusiva) contra nossos oponentes. Acreditar cegamente em qualquer relato apenas porque a vítima está do nosso lado. Apoiar qualquer atitude de vingança que literalmente nos nivela aos criminosos que tanto criticamos. Em suma: agir da mesma maneira que nossos adversários, o que retira toda a legitimidade do nosso discurso. Alias, como diria o genial energúmeno, “Sem uma educação libertadora o sonho do oprimido é virar opressor“.

Quando vejo isso acontecer fico realmente furioso…

Não se passaram 24h e acabei encontrando um belo exemplo: descobriu-se através dos vídeos que a menina Karol não foi vítima de homofobia como muita gente acreditou, mas foi, em verdade, a agressora de um rapaz em um quiosque na praia. Ao que tudo indica estava sob efeito de drogas. Usou a arma da namorada (que é policial) para fazer ameaças, tentou se passar por policial federal e ainda agrediu a namorada.

Nenhuma violência pode ser justificada, seja contra negros, brancos, mulheres e homens. É o que diz a lei. O fato dessa moça ter chutado, cuspido, atacado a socos e humilhado com palavras a este rapaz não pode ser perdoado apenas porque ela faz parte de uma minoria que sofre agressões e humilhações constantes. Não dá para passar pano para agressor….

Pois hoje eu li alguém argumentando que o homem era o “verdadeiro” agressor porque, sendo maior do que a Karol, deveria “se conter”. Em outras palavras, a culpa é dele, a vítima da agressão física, porque errou ao não se controlar e revidou aos ataques.

Sabe o que significaria aceitar esse como um argumento válido? Que os argumentos dos machistas passariam a ter valor quando culpam a vítima por suas agressões. “Se estivesse na Igreja não seria ofendida“, “Se controlasse melhor sua forma de vestir não receberia cantadas sujas“, “Se não tivesse esse decote não seria abusada“, ou ainda “Se tivesse medido as palavras o marido não perderia o controle“. Quem ainda consegue admitir como válida essa argumentação machista e oportunista?

Esse é o maior exemplo de argumento suicida. Nesse caso se tenta colocar a culpa na vítima – que por acaso foi um homem – ao invés de reconhecer que sua agressão é que iniciou toda a confusão. E lembrem: o fato de ela ter se machucado não a torna vítima, assim como um homem que quebra a mão ao agredir alguém também não se torna. Os ferimentos da Youtuber foram consequência direta de suas agressões e do seu destempero. Não há porque culpar ninguém mais.

Nesse caso o melhor é fazer o que as mulheres tanto aconselham os homens – e com justiça: “Não fique dando desculpas ou jogando a responsabilidade para a vítima. Aceite o erro e mantenha um silêncio respeitoso“.

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Renovação

Minha nora entrou no centro obstétrico com contrações esparsas, bolsa rota, aumento de temperatura e uma ansiedade que compartilhava com todos ao redor. Dos atingidos pela angústia eu era o mais aflito – e o mais dissimulado. Por trás de uma máscara de tranquilidade, dúvidas e perguntas. Por que não desce? O que está havendo? Por que a temperatura subiu? Por que eu?

Não era para estar ali. Sempre deixei isso claro. Pedi a todos o direito de ser apenas avô, mas não foi possível. A gestação de mais de 42 semanas e as férias da obstetra que aceitou atender um parto normal nessas condições me colocavam como única esperança. Senti vergonha pela minha cidade, incompetente para produzir parteiros. Mais de 39 anos depois de “Nascer Sorrindo” de Leboyer e o cenário obstétrico continuava praticamente inalterado, com as mesmas visões anacrônicas dos anos 40. Um atraso que ainda levaremos décadas para recuperar.

Quando ela chegou ao centro obstétrico eu já estava lá esperando, como sempre fazia. Avisei algumas técnicas de enfermagem “amigas da causa” que a esposa do meu filho chegaria carregando meu neto, ainda no ventre. Foram elas que, com ingênua euforia, deixaram que a informação chegasse aos ouvidos da enfermeira chefe.

Sobrinha de uma das diretoras-freiras do hospital ela fazia o papel das antigas “enfermeironas” dos anos 50. Tinha uma política muito clara: favorecia os médicos que não “atrapalhavam” o serviço (os cesaristas). Era simpática e cordial com eles mas guardava todo seu azedume e ressentimento para os profissionais que trabalhavam fora do paradigma tecnocrático, aqueles que ousavam investir na condução natural (fisiológica) dos partos a despeito do tempo despendido para tal.

Nunca escondeu sua desaprovação por mim e pelas teses da humanização. Foi a primeira enfermeira a me dizer claramente que não aceitava o trabalho das doulas e durante os anos que trabalhamos no mesmo serviço sempre deixou explícito seu desprezo pela humanização do nascimento. “Vamos acabar com a farra das doulas“, me disse certa vez.

Quando viu minha nora entrar no centro obstétrico – segurando sua barriga entre as contrações – imediatamente barrou a entrada da doula. Inventou uma mentira ao insinuar que esta teria dito “se eu não entrar a paciente também não entra“. Usou de uma inverdade absurda para justificar sua atitude autoritária e vingativa. Precisei negociar a entrada dela e do meu filho, fazendo um enorme exercício de apaziguamento – exatamente no meio de uma brutal crise existencial.

Acabamos optando pela cesariana, por razões múltiplas, mas essencialmente por uma parada de progressão de várias horas. Depois da cirurgia a enfermeira chefe cruzou comigo pelo corredor do hospital e disse “Não sabia que era sua nora; se soubesse abriria uma exceção“.

Essa frase me deixou ainda mais furioso, mas nada disse para ela. Engoli em seco, como me acostumei a fazer durante 30 anos de bullying. Ela não só agiu de forma cruel tentando impedir o trabalho valioso da doula como confessou que teria se comportado diferente caso soubesse que era meu neto que estava por nascer. Eu pergunto: o que me faria merecer esta deferência? Por acaso neto de médico é diferente dos outros humanos?

Passados quase 7 anos desta cena, ainda guardo muita mágoa e culpa pelo silêncio que me impus – minha condição frágil no hospital não me permitia confrontações. Hoje fiquei sabendo que esta enfermeira-chefe saiu do hospital. Não sei as razões, mas espero que estejam relacionadas à discordância dos seus superiores com sua incapacidade de reconhecer a transcendência dos partos na história de tantos personagens: mãe, pai, bebê e família.

Em seu lugar assume uma enfermeira que sempre guardava um sorriso para receber bebês e recém mães. Que a história desse hospital possa mudar e uma página nova possa ser escrita. Que os pressupostos da humanização possam, finalmente, florescer.

Apesar de tudo, meu neto está aí, mostrando que o clima ruim construído ao redor de um nascimento pode ser revertido.

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Entrevista Juiz de Fora

1- Como a equipe interdisciplinar pode contribuir com assistência ao parto e nascimento?

A ideia de equipe interdisciplinar foi criada a partir da própria institucionalização do parto. No passado, estas atribuições de atenção à mulher e ao recém-nascido eram assumidas pela parteira e suas auxiliares, mas uma série de mudanças na estrutura básica da atenção ao parto forçaram a diversificação destas funções. Nosso modelo passou a ser centrado no médico, e não mais na parteira. O local do nascimento passou a ser o hospital, um local construído para manter e tratar pacientes extremamente incapacitados, até para deambular (os mais saudáveis iam para “ambulatórios”) e a própria forma como encaramos o nascimento humano modificou-se profundamente. – de um processo natural para um evento médico. Os médicos são formados por 6 a 9 anos dentro da universidade para tratar doenças e oferecer intervenções que possam tratá-las, mas fica claro para qualquer observador que as gestantes NÃO são doentes e sequer precisam de quaisquer intervenções na maioria das vezes. Assim, o modelo “iatrocêntrico” (centrado na figura do médico) coloca no centro da cena do parto um técnico em intervenções que, via de regra, tem pouca ou nenhuma conexão emocional e afetiva com as pacientes a quem atende. Mais ainda, seus conhecimentos são relacionados à intervenção – que deveria ser a exceção e não a regra – e suas habilidades para lidar com as questões emocionais e psicológicas do parto estão ausentes ou são muito frágeis. Nesse contexto, percebeu-se a necessidade de que aparecesse no cenário da humanização um novo-velho personagem que pudesse oferecer os aspectos mais femininos e acolhedores que a institucionalização e a medicalização do parto nos sonegaram. Com isso surgiram as doulas em meados dos anos 80 nos Estados Unidos, e inundaram o mundo com suas habilidades de contornar os desafios emocionais que o parto reserva. Para além disso, se inicia no mundo ocidental a migração do modelo de atenção ao parto centrado no médico para as enfermeiras e obstetrizes, mas ainda assim uma atenção transdisciplinar terá sempre que contar com a presença do médico para tratar os desvios da fisiologia e a sombra da patologia.

2- Há um novo movimento que aborda a descentralização do modelo centrado no médico para dar força ao modelo de equipe interdisciplinar. Como funciona? Quais benefícios traz para o momento do parto?

Existem vários modelos aparecendo no mundo baseados na mesma premissa: a desmedicalização do parto, mudando a lógica da intervenção para a lógica do cuidado. Podemos também dizer que o que se pretende é a troca de um paradigma assistencial, deste modelo tecnocrático a que estamos sujeitos para o modelo humanizado, que se baseia em três elementos constitutivos:

  1. O protagonismo garantido à mulher, sem o qual teremos apenas um humanismo de fachada, sem profundidade;
  2. Uma visão abrangente e interdisciplinar, retirando da assistência ao parto da condição de “procedimento médico” para evento humano, sobre o qual vão incidir múltiplos pensamentos e propostas, vindas da psicologia, psicanálise, sociologia, antropologia, medicina, enfermagem e qualquer outro aspecto do conhecimento humano que se depare com as questões de nascer;
  3. Uma vinculação “umbilical”, consistente e dinâmica com a Saúde Baseada em Evidências, demonstrando que as ideias que norteiam este movimento são garantidas pelas descobertas cientificamente determinadas.

As vantagens da adoção desse modelo são inúmeras. Para além da participação efetiva da paciente nas decisões sobre seu corpo – uma questão para além da ciência, e que tem a ver com direitos humanos reprodutivos e sexuais – existem inúmeros indicadores que nos mostram que as intervenções para além da necessidade aumentam a morbimortalidade materna e neonatal. Portanto, regular estas intervenções e colocá-las dentro de limites razoáveis é uma questão que tangencia tanto os direitos humanos quanto a saúde pública.

3- Como você chegou à conclusão que o modelo atual de parto e nascimento está defasado?

Minha trajetória pessoal acabou me colocando em contato com as mulheres que davam assistência às gestantes em trabalho de parto sem serem médicas: as arteiras profissionais e as doulas (fui um dos introdutores do modelo de doulas no Brasil no início deste século). Isso pôde me mostrar o quanto existia de falha na assistência tecnocrática que eu oferecia, e que seria de enorme vantagem trabalhar com parteiras profissionais (enfermeiras ou obstetrizes) juntamente com doulas, para que o trabalho pudesse contemplar não apenas os aspectos médicos e fisiopatológicos, mas também as questões emocionais que afetam o parto. As enfermeiras e as doulas conseguiram, portanto, me mostrar que o parto é muito mais do que um evento medicamente controlado, e que em verdade é bem mais rico e abrangente do que eu jamais supunha. Além disso, meu contato com modelos de assistência ao parto de países tão díspares quanto Uruguai, Argentina, Portugal, Estados Unidos, Bulgária, México, Holanda e recentemente a China me mostrou que o caminho para um nascimento mais seguro e mais satisfatório estava ligado a aplicação de modelos humanizados ligados à garantia de protagonismo às mulheres. O mundo inteiro, na esteira das transformações sociais do final do século XX e no início do atual, nos mostram que não é mais possível tratar as mulheres como contêineres fetais e “bombas relógio” prestes a explodir, e que sua dignidade, assim como sua fisiologia, deveriam ser respeitadas.

4- Quais atitudes e mudanças devem ser realizadas pela equipe interdisciplinar para que o parto seja mais humanizado?

São muitas ações, mas todas se baseiam em uma ATITUDE diante do parto. Respeito à fisiologia, reconhecimento das necessidades ancestrais de suporte físico, psíquico, emocional, social e espiritual das gestantes. Proporcionar um ambiente adequado para a sacralidade do nascimento. Oferecer à família a possibilidade de participar do evento, quando a mãe assim o desejar. Restringir as intervenções o mais possível, dentro de limites de segurança. Cuidar a ocorrência de “verbose”, que é a doença produzida pelas palavras mal colocadas durante o processo de parto. Criar uma “psicosfera” positiva e criativa no local onde tantas transformações estão ocorrendo. Cuidar do uso exagerado de medicações, todas elas potencialmente perigosas. Respeitar os profissionais da equipe, pois deles também depende o sucesso do atendimento. Respeitar a cultura, as vontades e os desejos de quem vai parir.

5- Em um momento de reflexão você cita que “humanizar o nascimento é garantir o lugar de protagonista à mulher”. Como este ato deve ser realizado?

Sempre, durante todo o caminhar, do diagnóstico da gestação até o nascimento a mulher deve ser respeitada em suas decisões. Esta é em verdade a parte mais difícil para os profissionais que atendem: olhar a parturiente como sujeito e não mais como objeto de nossas intervenções e determinações. Sabemos que existe o que se chama de “humanismo superficial” que trata de elementos locais, arquitetônicos e de palavreado como pintar as paredes do hospital com cores agradáveis, treinar os profissionais em determinados procedimentos – como parto de cócoras ou na água – e evitar a “verbose” de termos inadequados como “mãezinha” e a infantilização do discurso dirigido à futura mãe, cheia de diminutivos e vozes melodiosas. Entretanto, todas estas ações – que são inequivocamente positivas – serão apenas “sofisticação de tutela” caso o protagonismo do nascimento não seja garantido à mulher. Sem que ela possa ser a figura principal de nossas atenções e do nosso cuidado teremos tão somente arranhado a superfície do controle patriarcal sobre o parto. Sem que seus desejos e visões de mundo sejam reconhecidos e respeitados não faremos uma verdadeira revolução no parto e ele continuará a ser o propagador de um modelo social anacrônico. “Mude o nascimento para mudar a humanidade”, já dizia o mestre Michel Odent.

6- Em um dos seus artigos você aborda a banalização da cesariana. Quais riscos as mulheres enfrentam a escolher esta modalidade de parto?

A banalização da cesariana demonstrou ser um risco à saúde das mulheres em todo o mundo, mas em especial nos países em desenvolvimento. Em um recente artigo (de algumas semanas) ficou demonstrado que, as cesarianas realizadas fora dos países desenvolvidos (do primeiro mundo), tem cem vezes mais possibilidade de produzir danos profundos à mãe. Os estudos até hoje publicados demonstram sem sombra de dúvida a potencialidade danosa das intervenções, em especial a mais radical delas: a cesariana; as dúvidas se concentram apenas no quanto de risco é associado ao procedimento. Isso não significa a demonização desta cirurgia, mas um chamado à moderação, para que ela seja somente utilizada quando houver real necessidade. Por isso mesmo é importante que busquemos nos aproximar dos exemplos de países desenvolvidos onde a atenção ao parto é colocada nas mãos de especialistas em parto vaginal: as parteiras profissionais, enfermeiras ou obstetrizes (de entrada direta), e que os partos com complicações sejam reservados aos médicos com pleno treinamento nas intervenções.

7- Quais recomendações você daria para as mulheres que estão grávidas ou pretendem ter filhos algum dia?

Informem-se sobre os seus direitos. Nunca entrem num hospital sem saber exatamente o que é garantido aos pacientes e, em especial, às grávidas e seus companheiros(as). Procurem profissionais que entendam a importância da humanização do nascimento, que conheçam e trabalhem com o suporte essencial das doulas. Investiguem o trabalho dos profissionais para saber se eles respeitam a fisiologia do nascimento – ou não. Não se deixem iludir por consultórios cheios e clínicas luxuosas; a humanização do nascimento está quase sempre vinculada à simplicidade, à sinceridade e a conexão pessoal e afetiva entre profissional e paciente. Procurem hospitais que tenham a humanização como proposta. Pesquisem sobre segurança de partos em casa de parto e domiciliares, para ver se são habilitadas para estas escolhas. Tenham confiança em sua capacidade de gestar e parir, mas mantenham uma porta aberta para a necessidade de uma intervenção. Discutam com seu cuidador, obstetra ou parteira, sobre as alternativas possíveis. Solicitem que todas as ações realizadas sejam explicadas e orientadas antes de serem feitas. Tenham fé, mas tenham cuidado.

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Doulas aqui e lá

 

Poucos dias atrás tive uma conversa interessante e esclarecedora com Zeza, Debra e um maravilhoso grupo de doulas de Austin – Texas. Temas principais: organização das Doulas em grupos para otimizar o trabalho e garantir a elas tempo para suas vidas privadas, trabalho, estudos e filhos. A outra questão fundamental debatida foi o processo de certificação de doulas através de critérios abrangentes e adequados para realidades plurais e – até mesmo – divergentes, evitando a “padronização” do ofício das doulas e mesmo sua vinculação a correntes ideológicas de qualquer natureza. .

Debra ficou espantada com a ideia que eu lhe expus da criação de cursos de 160 horas ou com a proposta de criar a “profissão” de doulas. Aqui nos Estados Unidos a tendência é não aceitar qualquer tipo de “licença” ou profissionalização pelos riscos de submergir na burocracia sufocante das corporações.

Estas idéias me deixaram mais seguro de me contrapor às decisões de um congresso de doulas recentemente realizado que aponta para direções opostas das que foram aqui debatidas. Cursos caros e demorados, curriculum complexo, redundante e ideologicamente direcionados, certificações, conselhos nacionais e todos estes pesos a carregar não me parecem auxiliar as doulas e suas clientes, mas apenas criam uma estrutura de caráter controlador, punitivo e regulador, tirando de suas associadas a liberdade para agir de acordo com seus valores e ideias.

Por outro lado, as doulas de Austin me contaram que nenhuma maternidade da cidade estabelece qualquer constrangimento para o livre exercício das doulas, o que demonstra que os hospitais brasileiros – e suas políticas medievais de ataques e agressões às doulas – são a vanguarda do atraso no que diz respeito à liberdade de escolha.

A menção de que em algumas cidades se insinua que doulas só poderiam atuar se fossem profissionais de saúde (enfermeiras, fisioterapeutas, etc) causou espanto entre elas. A pressão dos consumidores aqui faz com que os hospitais se esforcem para ser “doula friendly” e assim atrair mais clientes.

Não houve em nossa conversa história alguma de médicos rejeitado as doulas ou se negando a atender ao lado delas. Afinal, até a ACOG (a associação dos obstetras) já reconhece oficialmente a excelência do trabalho das “baratinhas”. Isso me dá esperanças de que no futuro tenhamos evoluído nessa direção, mas esse tempo só depende da nossa capacidade de aglutinação e luta.

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