Arquivo da tag: extrema direita

Censura e silenciamento

Como a história cansa de nos dar lições, censurar para esconder as contradições da realidade jamais será solução para nada. Na questão dos algoritmos e do bloqueio de fake news todo mundo acerta no diagnóstico, mas quando é para apontar a solução, continuam apostando na velha alternativa do silenciamento, na supressão e na proposta de não permitir que os “fascistas” (no nosso caso) e os “comunistas” (no caso deles) tenham vez e voz. No fundo, essa proposta é o que classifico como o velho “modelo materno”, que se aplica quando a mantemos os protegidos (as crianças) num estrato onde não têm autonomia por não possuírem ainda condições para se defender. É o que as professoras fazem na escola primária: protegem os alunos do bullying e das brincadeiras maldosas, como uma mãe o faria, porque sabem que são crianças indefesas. O problema dessa proteção é que os protegidos se tornam o objeto do nosso controle. Em nome da sua segurança, impedimos que se tornem sujeitos independentes, evitando que o mal chegue a deles Fazemos isso porque acreditamos na sua incapacidade de lidar com as agressões e ofensas. De novo, como qualquer mãe amorosa faria.

Todavia, chega um momento em que as crianças pedem que as mães não cheguem à porta da escola. O cuidado e o controle que elas recebem das mães (e aqui “mãe” é a função, não a “pessoa”) torna-se um fardo. Não querem mais proteção; querem liberdade. Nesse momento é que entra o “modelo paterno” que, ao invés de impedir a chegada do mal, reforça as qualidades intrínsecas do sujeito para que ele possa, por si, se defender. Assim, ao invés de proibir as piadas com gays, pretos, gordos ou narigudos, o esforço será em reforçar o orgulho de pertencer a qualquer uma dessas identidades. Da mesma forma, ao invés de proibir conteúdo de extrema-direita, a solução seria estimular a perspectiva de mundo do sujeito socialista, internacionalista e fraterno, na construção de uma nova sociedade, assim como mostrar o ridículo das posições fascistas, racistas, sexistas e todas as expressões do fascismo. Entretanto, sem calar, sem cercear, sem proibir, pois nossa experiência com os preconceitos – todos – e mesmo o próprio nazismo deixam claro que as proibições são inúteis.

Isso não significa que não se pode proibir nada. É proibido violar a lei, e para isso as leis são criadas. Entretanto, opinião não é crime, mesmo aquelas perspectivas mais abjetas, como as racistas ou anti-LGBT. Se as proibições motivadas pela sensibilidade do ofendido forem tomadas como lei, chegaremos rapidamente a 1984 de Orwell, onde um Xandão qualquer pode dizer que ser a favor de parto normal (ou ser comunista) pode levar à morte de pessoas (ou ao “genocídio stalinista”). Para se configurar o crime não se exige mais um ato; basta pensar em voz alta e emitir opiniões. Se estas manifestações – repito, mesmo as bizarras – forem passíveis de silenciamento a delicada tessitura da democracia e do livre pensar desaba, pois que a expressão das ideias vai acabar dependendo do humor e dos valores de um títere qualquer que detenha o poder de discriminar o bom do mau, o certo do errado.

Boa parte das pessoas (a maioria?) ainda acredita que “calar os maus” faz sentido. São os mesmos que acham que linchar um criminoso na rua em flagrante é justo, pois, afinal, por que esperar por toda a burocracia da justiça se podemos fazer um “atalho”? Acreditam ser possível combater o crime com mais crime – como fizeram Moro e a Lava Jato. Estes acreditam que, quando calarmos à força quem de nós discorda, estamos corretos, pois o silêncio que se segue nos dá a ilusão do sucesso. “Veja como acabou o racismo, ninguém mais fala mal de negros!!”, quando em verdade este e outros preconceitos continuam na alma dos sujeitos, e seu preconceito se expressa apenas em sussurros, nos cantos, nas surdida, mas vivo e atuante. Repito: de que adiantou calar os comunistas? Que ocorreu com a proibição do nazismo? Olhem a Alemanha de hoje e o sucesso da AFD (Alternativa para a Alemanha)!! Vejam o bolsonarismo, vivo e forte. Analisem a vitória do Milei e de Trump!!

As proibições e o punitivismo são tão sedutores quanto inúteis. Os Estados Unidos – à mais bem sucedida ditadura burguesa do planeta – têm 2 milhões de encarcerados. Se o silenciamento social desses indivíduos tivesse algum sucesso, era de se esperar a diminuição dos níveis de criminalidade e violência, não? Pois o que se vê é o oposto; a tendência no mundo inteiro é o incremento da violência pelo fracasso das promessas do capitalismo. Da mesma forma, o silenciamento da livre expressão de teses contrárias ao nosso entendimento jamais teve sucesso. O proibicionismo sempre fracassou como instrumento pedagógico. Mas cabe lembrar que “Vamos matar o presidente!!não é uma opinião, mas um claro incitamento ao crime. Confundir isso é uma constante naqueles que não gostam da liberdade de expressão. Estes são os mesmo que dizem que gritar “fogo!!!” em um cinema lotado deveria ser proibido, pois colocaria todos em risco, mas sem compreender que “fogo” não é opinião e não expressa uma perspectiva subjetiva e particular do mundo. Essa metáfora é usada até hoje por juristas que desejam limitar a liberdade de expressão, dizendo que ela não pode ser “absoluta”, mas falhando em determinar a quem cabe a decisão final.

Estes que aceitam a “censura do bem” acreditam que ela é justa porque partem da crença que possuem a perspectiva correta do mundo e por isso não haveria problema em silenciar os “errados”. Isso muda de figura quando alguém, um poderoso, um ditador ou um ministro direitista consegue impedi-lo de expressar suas ideias “corretas”.

Aí talvez aí resolva voltar às ruas para exigir liberdade.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Política

Santa Ceia*

“Ahhh, eu a-do-rei da abertura das Olimpíadas, principalmente porque a extrema direita está furiosa!!”

Sério? Não podemos mais cometer o crime da ingenuidade. A extrema-direita do mundo inteiro está dando gargalhadas com a abertura das Olimpíadas. Claro, não todos, mas em especial aqueles da direita que são responsáveis pela manipulação dos fatos e pela propaganda dos valores conservadores (e aqui defino conservador como aquele que conserva a dor daqueles a quem oprime). Precisa ser muito tolo para não entender que este clamor identitário, e essa manifestação de “diversidade” são esforços gigantescos da direita e dos liberais para domesticar a esquerda, retirando dela qualquer característica de enfrentamento aos modelos econômicos vigentes. É preciso enganar essa franja imensa de “esquerdistas” que se dedicam a temas que não afetam a estrutura política e econômica das sociedades, mas que nos oferecem a ilusão da transgressão, do avanço e do progresso. Para essa direita, a esquerda ideal é aquela que perde tempo discutindo pronomes e “paradas gay”.

Ora, quanta ingenuidade. Aliás, o mesmo tipo de propaganda mentirosa que tentará identificar a feroz direitista Kamala Harris (casada com um ferrenho sionista) com a “esquerda”, apenas por ser mulher e não-branca. “Vamos entupi-los com discussões estéreis sobre “life style”, liberdade sexual, pronomes, releitura da história, derrubada de estátuas, orientação e identidade sexuais, e impedi-los de debater a obscenidade da distribuição de renda no planeta, a miséria crescente, a concentração indecente de riqueza, as guerras imperialistas, as 200 mil pessoas mortas em Gaza, a guerra absurda da OTAN na Ucrânia e o declínio político, moral e econômico do capitalismo“.

Um sujeito de direita minimamente inteligente, esperto e maquiavélico perceberá a genialidade da manobra diversionista do identitarismo, e o esforço que foi feito pela França para que esta fosse a questão debatida por todos, e não a decadência da antiga potência imperial e o fracasso do governo Macron. Este sujeito de direita com algum discernimento agora está rindo sozinho e pensando: “Conseguimos enganar todos esses tolos. Agora eles pensam que a verdadeira luta é por gays, travestis, transexuais e costumes em geral e deixarão de nos atacar por um bom tempo em nosso ponto fraco: a luta de classes. Vencemos, pelo menos por enquanto, até que a esquerda venha a acordar do seu delírio liberal. Mas, de minha parte, continuarei a fazer cara de bravo com a tal da “Santa Ceia” para que ninguém perceba o meu alívio!!” 

* Sim, a encenação da abertura das Olimpíadas Paris 2024 não se refere à Santa ceia, mas a “Festa dos Deuses”, de Jan Harmensz van Biljert, pintada no século XVII, por volta de 1635, e que está exposta no museu Magnin na cidade de Dijon. Não é Jesus Cristo quem está no centro da imagem (a moça gordinha), mas Apolo sendo coroado, e em primeiro plano está Dionísio, pintado de azul. Entretanto, para a análise acima isso não faz diferença alguma, pois o objetivo do artista foi chocar através da exposição da diversidade. O objetivo dessa análise é apontar que este tipo de narrativa interessa à direita, como manobra de diversionismo, para evitar que a esquerda se posicione de forma propositiva no combate ao capitalismo, origem primeira dos males da humanidade.

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Bibi

Creio que as críticas à Netanyahu como primeiro ministro de Israel seguem há décadas o mesmo roteiro repetitivo, para posteriormente serem disseminadas através do sionismo de esquerda que se espalhou pelo mundo. A ideia de construir uma disputa fulanizada onde, de um lado está um líder corrupto e assassino e do outro uma organização terrorista, sempre é usada para nos impedir de ver a realidade do colonialismo na Palestina e seu sistema de opressão. No caso de Benjamin Netanyahu ele é sempre a desculpa perfeita para os sionistas diante da barbárie cotidiana contra a população de Gaza e da Cisjordânia, mas está na hora de olharmos este personagem de uma maneira mais realista para entender as verdadeiras origens de sua ascensão ao poder.

Em primeiro lugar, é possível que Netanyahu seja o mais moderado entre os chacais fascistas que o acompanham no Knesset. Basta escutar e ler as declarações de alguns ministros e membros do Likud para ver o nível de barbárie racista e genocida que são capazes de expressar. Portanto, dizer que o problema de Israel é o seu líder inconsequente e a extrema direita que tomou conta do país há muitos anos, e afirmar que a queda de Netanyahu seria mandatória, é no mínimo uma proposta ingênua. Imaginar que um outro primeiro ministro teria uma atitude mais humana, condescendente e que objetivasse a paz com a Palestina não encontra respaldo algum na história recente. Nunca houve um representante de Israel que aceitasse a paz com os palestinos, seja através da constituição de uma nação plurinacional seja através da combalida proposta dos “dois Estados”. Os acordos de Camp David (1978) e Oslo (1993) demonstram de forma inequívoca que nunca houve real interesse em Israel para negociar. Assim sendo, a simples retirada de Netanyahu do poder não deveria nos oferecer qualquer esperança de mudança. Talvez até o pior viesse a acontecer: seu substituto poderia apoiar a “solução final”, que está na boca de muitos israelenses desde há muitos anos.

O que é preciso entender sobre o Estado Sionista de Israel é de que essa “rogue nation” está assentada sobre a criação de um “Estado Judeu“. Ou seja, foram muito mais adiante do que até a própria África do Sul se aventurou a fazer, criando um país artificial para uma única etnia. Seria como se o Brasil criasse um país cristão onde todas as outras religiões não teriam acesso à plena cidadania; ou se nosso país se tornasse a nação para apenas uma cor de pele, a qual teria direito exclusivo à moradia ou a postos no governo. Todavia, ao contrário do que a farsa da esquerda sionista tenta nos convencer, esta não é uma proposta do governo de extrema direita que governa o país, mas um projeto de Estado, um modelo excludente e racista que vai se manter inobstante o governo que estiver à frente dos cidadãos israelenses. O sionismo que apregoa a exclusão dos habitantes da Palestina e que nega a própria existência do povo palestino, é a espinha dorsal da sociedade de Israel, e nenhum governante chegaria ao topo da escala de poder sem respeitar suas premissas. Como dizem muitas autoridades israelenses, para o cidadão Palestino só restariam 3 opções: 1- emigrar, 2- submeter-se aos israelenses como serviçais e 3- morrer.

Gritar “Fora Netanyahu” é um ato diversionista, incapaz de produzir qualquer solução em médio prazo. Esta não passa de uma tentativa desesperada de maquiar a estrutura apodrecida de Israel, ao conectar os dramas atuais à contingência política, como se o governo de Netanyahu fosse diferente dos demais. Na perspectiva dos palestinos todos os governos sionistas são idênticos. É preciso entender, de uma vez por todas, que esse primeiro ministro é tão somente a consequência de uma estrutura colonial e opressora sobre a região, e não sua causa. Afastá-lo do poder sem entender as forças que o conduziram para lá apenas retira o tirano da ocasião, sem estabelecer um novo paradigma. Tanto quanto Bolsonaro, Trump ou Milei, estes sujeitos são construções sociais que obedecem à demanda de um sociedade que os comanda, e é esse povo que precisa ser transformado – ou vencido.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Palestina, Política

Reflexões pós 1º turno

Claro que o primeiro turno foi decepcionante. A direita brasileira também fracassou de forma retumbante, mas estamos vendo o fortalecimento da extrema direita fascista, se fortaleceu no Senado e no Congresso. O Brasil ruma para se transformar em um evangelistão atrasado e violento. Metade da Câmara será de extrema direita, e praticamente todo o Senado da República. Entretanto ainda é tempo de conquistar o governo federal fortalecendo Lula para o segundo turno.

Porém…

Precisamos conversar sobre a esquerda identitária, a “esquerda” do amor e da diversidade. Precisamos voltar a ter uma esquerda dos trabalhadores, do proletariado, dos homens e mulheres pobres do Brasil. Enquanto tivermos uma esquerda do “amor”, da paz, sem luta, sem porta de fábrica, sem enfrentamento, sem peitar as forças repressoras do Estado, sem greve e sem povo na rua estaremos perdidos e o Brasil vai rumar para seu destino catastrófico: será uma grande fazenda controlada pelo capitalismo internacional.

Eu sei que não está tudo perdido. Precisamos manter o queixo erguido.

Nesta eleição, em especial, mas repetindo o que fizera em 2018, Ciro alio-se à corrente do atraso que cresceu na reta final da eleição. Ao ser “linha auxiliar” de Bolsonaro ele foi o principal responsável por não vencermos no primeiro turno. O voto útil foi usado, mas para Bolsonaro usando os votos de Ciro, que foi o maior apoiador de Bolsonaro durante os debates. Espero que ele desapareça da política.

A grande votação da extrema direita reflete a decadência moral e econômica do capitalismo. Aconteceu o mesmo na Europa. Estejamos preparados para o pior. Agora eu me sinto como se estivesse em janeiro de 1933 na Alemanha, vendo o meu país às vésperas de tomar uma decisão desastrosa para milhões de pessoas, a maioria delas com os olhos vidrados, acreditando nas palavras sedutoras do fascismo, saudando um líder fanático e com total desprezo pela vida humana. Pior ainda é perceber que estamos caminhando para um desastre ambiental, social e ético de proporções catastróficas, e não saber o que pode ser feito.

Viramos isso mesmo, um evangelistão. Seremos governados por pastores degenerados que controlam multidões de cordeiros, que por sua vez vão assistir o Brasil virar um enorme pasto para os interesses dos ricos e do capital internacional. o Brasil continuará a ser visto no mundo inteiro como o pais da miséria e da exploração perversa.

Todavia, enquanto aguardamos pelo segundo turno, é o momento de reunir os cacos, lutar por Lula e começar a pensar em um futuro para o Brasil. Precisamos mudar nossas estratégias e nossa retórica. Precisamos voltar a ser uma esquerda OPERÁRIA, de luta, de base e revolucionária.

O passo inicial é eliminar as pautas identitárias. Exterminar o discurso do “amor vencendo o ódio”. Abandonar os símbolos do amor e da paz e admitir que é preciso LUTAR será imperioso. Jogar fora toda a nossa carga de identitarismo é algo que precisa ser feito a partir de hoje. Isso significa abrir mão de figuras deletérias da esquerda, “esquerdistas” identitários de universidade, com suas pautas divisionistas, anti-operariado, que sabotam a destinação libertadora e anti sistema da esquerda. É preciso colocar a esquerda universitária no seu lugar, voltar para as fábricas, para as vilas e para as comunidades periféricas.

Afinal, que Jesus é esse que os bolsonaristas seguem? Benedita também pode ser incluída entre os evangélicos engolidos pela onda conservadora. Na verdade esse cristianismo bolsonarista não tem nada a ver com o Cristo, com seus valores morais do perdão e da solidariedade e nem mesmo com os ensinamentos contidos no Evangelho. O Jesus dos bolsonaristas tem arma na cintura e não tem apóstolos; formou sua milícia. O cristianismo dessa extrema direita é apenas uma identidade que perdeu suas raízes e hoje prega o oposto do que um dia foi seu ideário.

Hoje só tenho pensamentos tristes. Elegemos um senado ultra reacionário. Premiamos notórios bandidos como o ex juiz e o procurador da LavaJato. Colocamos um militar no Senado do RS e um astronauta fake em SP. Um chefe de milícias é o governador do RJ. Nossos representantes espelham o que existe de pior no Brasil. No fundo do buraco do bolsonarismo havia um alçapão, e lá dentro está a sombra de um futuro terrível. E os pobres? E a fome? E desemprego? E a devastação ambiental? Se tudo isso que vimos nesses últimos 6 anos de neoliberalismo não foi o suficiente para entendermos a rota suicida do país, o que nos fará acordar? Um hecatombe social?

Ainda temos o segundo turno. Nossa esperança é ter Lula como contrapeso para o desastre que o sul e o sudeste determinaram para a imagem do país. Vamos nos agarrar com todas as forças nessa esperança.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos, Política

Futebol e Política

É evidente que manifestações de jogadores de futebol relativas à política são raras e a imensa maioria dos jogadores e clubes não se posiciona politicamente, por desinteresse, ignorância ou pura alienação.

Entretanto cabe ressaltar 4 episódios recentes que demonstram as relações de personagens do futebol com a política:

  1. Os apoios de Neymar e Ronaldo Fenômeno à campanha de Aécio Neves;
  2. A intenção de Ronaldinho Gaúcho de concorrer ao senado no mesmo partido do candidato da direita mais reacionária;
  3. A frase gritada de cima do caminhão de bombeiro, por Renato Portaluppi, em apoio ao “juiz” da Lava Jato, nas comemorações do campeonato da América;
  4. Os jogadores Felipe Melo, Jadson e Roger declaram apoio a um candidato de extrema direita à presidência, cujas posições incluem racismo, misoginia, ditadura, apoio a torturadores, penas capitais e ataque aos homossexuais

Existem, mesmo que de forma tímida, manifestações de caráter político circulando no mundo futebol. Entretanto é evidentemente um setor dominado pelos conservadores e pelas posições à direita no espectro político-partidário. A esquerda é uma expressão bissexta na cultura do futebol. Os clubes são controlados desde sempre pela burguesia empresarial, advogados, membros do MP e magistrados aposentados. Na CBF quem manda é o dinheiro e as ligações com as empresas de TV, material esportivo, etc. Isto é: o futebol está ligado de forma umbilical à nata das classes altas. São estes atores que puxam os cordéis dos marionetes de chuteira, enquanto manipulam a paixão do povo pelo ludopédio. Berlusconi e Macri são os ícones máximos dessa realidade.

Não é difícil de entender as razões para este divórcio entre os jogadores de periferia pobre e o mundo de significantes que deixam para trás. Ao ascender socialmente eles entram no mundo da fama e do consumo e, via de regra, assumem os valores da cultura que os recebe. Esquecem rápido de onde vieram e olham deslumbrados para o mundo de luzes que os recebe. Muitos, como Ronaldo Fenômeno, chegam a mudar de cor e assumem o tom de pele que mais representa suas aspirações.

Assim, o que é mesmo raro não é a adoção de posições política ativas e explícitas, mas que estas sejam relacionadas com o desejo de transformar o mundo do qual os jogadores são egressos. As posições progressistas e de esquerda podem ser contadas nos dedos; já as conservadoras se multiplicam na mídia. Na contramão do conservadorismo chamou atenção o apoio do técnico Wanderley Luxemburgo ao presidente Lula durante o cerco ao Sindicato dos Metalúrgicos, uma ilha de legalismo de esquerda num oceano de punitivismo, conservadorismo e o mais escancarado reacionarismo. As posições de Casagrande, sobrevivente da democracia do mito Sócrates, são notáveis exceções no universo da bola.

Há política no futebol, mas o que nos falta são personagens verdadeiramente engajados numa postura de esquerda, pelas minorias, pela democracia e, principalmente, pelos pobres, exatamente o que eles tentam de toda forma esquecer que um dia foram.

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Função paterna

Só incautos se assustam com a proximidade ideológica entre boleiros e extrema direita. Eu posso apostar que a maioria dos jogadores estão desse lado. Não é muito difícil entender as razões para esta escolha.

Boa parte dos jogadores emergem de bolsões de pobreza e até miséria. Qual a maior carência relacionada à pobreza? Para além das necessidades de sobrevivência podem ter certeza que não é nenhum brinquedo, roupa ou aparelho eletrônico. O que estes meninos mais carecem é de pai.

Uma recente estatística mostra que 70% dos encarcerados no Brasil não tinham essa figura em casa. Um pai é mais do que um provedor; ele é o melhor e mais tradicional representante de uma instância psíquica que oferece à criança a noção de “lei”. Depois de ultrapassada a fase de “castração” os meninos buscam – desde que a castração tenha sido eficaz – a identificação com essa figura com quem dividem o amor da mãe. Essa aproximação é extremamente estruturante para o sujeito e vai construir sua futura relação com a sociedade. Na ausência dessa figura real o menino buscará a função em outros lugares: na escola, nos vizinhos, nos parentes, em ídolos, no exército etc…

O que é Bolsonaro senão uma grande figura paterna tentando instituir a “lei”, doa a quem doer? Que figura de poder, autoridade, força, arbítrio e dureza ele representa? Ora…. não é difícil entender que ele atrai para perto de si aqueles jovens (ou nem tanto) sequiosos por ouvir uma voz de autoridade inquestionável que preencha a lacuna da figura paterna ausente em suas vidas. São os mesmos jovens que adoravam Hitler e cujos pais haviam morrido na primeira guerra, ou que haviam saído da Alemanha despedaçada para conseguir emprego longe de casa. São os despossuídos do capitalismo que sonham com o cavaleiro salvador que vai resgatá-los da solidão, o herói que seu pai não pôde ser.

Figuras como Felipão tiveram enorme sucesso no futebol porque sabiam usar esse poder. Os jogadores o enxergava como pai. Nas palavras de um atleta que jogou com ele “Nós jogávamos POR ele e PARA ele.” Entender essa dinâmica deixa mais fácil perceber o sentido de usar “Família Scolari” na Copa do Mundo. Felipão era o pai para quem os meninos faziam gols e venciam adversários.

Ronaldinho Gaúcho não foi o primeiro a declarar amor a Bolsonaro. Antes dele houve várias manifestações de jogadores (Felipe Melo, Aluízio…) a favor do representante da extrema-direita. Para entender essa escolha é preciso mergulhar na infância desses jovens e entender o que essa escolha representa em suas vidas. A própria vida do craque do Barcelona nos ensina o quanto a morte precoce e trágica de um pai pode trazer de consequências.

Entender a sutileza de uma sociedade complexa, com suas contradições e tensões é muito difícil. Entender autoridade, força e poder é simples. Qualquer brucutu entende e dá gargalhadas com as prisões arbitrárias feitas por juízes megalomaníacos que posam com metralhadora no Instagram. Precisa sofisticação intelectual para entender a importância de garantias constitucionais e respeito aos direitos humanos, mesmo que isso, ocasionalmente, livre criminosos de penas pelos seus delitos. Não é a toa que Hitler, com esse exato discurso, seduziu tanta gente na Alemanha e fora dela.

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Armário aberto

images-37

Durante a minha infância eu fui educado no cultivo de valores morais e espirituais cristãos, como a honestidade, o perdão, a fraternidade e uma visão teleológica de “evolução espiritual”. Poderia ter sido Rock n’ Roll, Elvis ou Stones, mas foi Allan Kardec. Nada contra nenhuma das possibilidades, mas isso tem um pouco de responsabilidade pelo que eu me tornei.

Em 1973 estávamos em plena ditadura militar e nessa época eu contava 13 anos de idade. Foi nesse período que moldei o meu coração vermelho, mesmo mantendo minha camiseta azul, preto e branco. A falta de liberdade e a sensação de constrição social começavam a gritar mais alto do que a visão perseverante, cristã, patriarcal e claramente conservadora que as vertentes religiosas – todas – ensinam nas entrelinhas dos versículos bíblicos e mensagens de Chico Xavier. Minha adolescência, que coincidiu com a entrada na escola médica, produziu esta guinada à esquerda aliada a uma visão social, já na própria medicina, que me acompanha até hoje.

Pois em 1973 eu tinha um amigo que morava há poucas quadras de minha casa e com quem conversávamos muito. Filho de uma família austera de alemães (a classe média de Porto Alegre é de “alemães” em sua maioria), seu pai era veterinário e ele tinha apenas uma irmã. Creio que foi por convite dele que fomos assistir o primeiro “filme proibido” no falecido cinema Carlos Gomes. Claro que no meio da sessão de “chanchada” brasileira – e antes de conseguir ver os almejados peitos descobertos da protagonista – a Polícia deu uma batida e todos os “dimenor” foram expulsos do cinema. O que poderia ser uma vergonha para nós foi motivo de orgulho, pois, mais do que uma sessão de cinema, participamos de uma aventura policial. Quem diria que naquela época seriam necessários pequenos crimes como este para ver inocentes mamilos. Pois este amigo, um certo dia, veio conversar sobre política comigo. Não era um assunto comum; era um tabu. Falamos da ditadura, do AI5, da falta de eleições e outros temas dentro da perspectiva de dos meninos entre 13 e 14 anos. O que fez essa conversa se tornar inesquecível é que os argumentos do meu amigo eram muito parecidos com os que a direita brasileira usa até hoje. A meritocracia ingênua, o culto ao “Cidadão de Bem”, a pobreza como escolha, o sucesso reservado aos competentes, a miséria como natural e a reação a este modelo como “ação criminosa”. Entretanto, em dado momento, diante dos meus argumentos de que a educação seria capaz de melhorar as condições de vida e fazer o Brasil alcançar níveis de civilização como na Europa, ele me respondeu:

Isso é inútil, Ricardinho. O filho do ladrão será ladrão e o filho deste também. São valores que se perpetuam nas gerações que se seguem. Não há solução. É como meu pai sempre diz: tem que colocar uma bomba na favela, explodir tudo, acabar com esses vagabundos e começar tudo de novo.

Fiquei por instantes calado e, um pouco tempo depois, ainda chocado, perguntei: “Teu pai disse isso mesmo?” Ele aquiesceu com a cabeça e continuou explicando porque achava que a “solução final” era o único caminho, mas a partir de então eu já não consegui escutar mais nada. Não podia acreditar que as pessoas pensassem assim. Os valores ingênuos de tolerância e amor ao próximo que recebi na infância não me permitiam aceitar um argumento desses sem me espantar. Nos despedimos e acho que nunca mais falamos sobre esses assuntos. Passamos décadas sem nos ver e hoje sei que ele milita em grupos de extrema direita. Nesse ponto ele tinha razão; o filho saiu ao pai, e o filho do filho tem a cama das ideias prontas para se deitar.

O que me fez lembrar essa história foi o fato de que, nos anos 70, uma ideia genocida e preconceituosa era contada apenas na família, com o rádio ligado, no meio do jantar e não saía dali a não ser por uma inconfidência de meninos. Era feio e socialmente condenável ser fascista, ter pensamentos totalitários e sem nenhuma noção sobre a gênese social da pobreza. Eu acho que a proximidade com a II Guerra Mundial e os horrores do nazismo nos ofereciam essa possibilidade de vergonha. Alguns combatentes vivos e seus depoimentos mantinham a história viva entre nós.

images-35

Sobre essa transmissão transgeracional de valores eu lembro da imagem de crianças de 6 anos em Topeka, no Kansas, participantes da Westboro Baptist Church que carregam cartazes tipo “God Hates Fags” (Deus Odeia Gays). Não há como uma criança odiar homossexuais por seus próprios valores ou seu entendimento das “escrituras”. Estas atitudes só podem ter sido geradas através dos pais. Assim o ódio – tanto como o amor – pode ser ensinado para as crianças desde a mais tenra idade.

Entretanto, há alguns anos vi um documentário sobre adolescentes que conseguiram se libertar do torniquete mental do fanatismo fundamentalista da família que controla esta igreja, provando com isso que as duas proposições coexistem: as frutas não caem longe das árvores, mas é possível sair de perto delas através da informação e da ampliação dos horizontes. E isso tudo munido de muita coragem. Hoje em dia essas vergonhas se foram, o horror nazista pode ser “questionado”, o darwinismo social está em alta, a perseguição às minorias está liberada, questiona-se abertamente o estado laico, Bolsonaro é “mito” e o fascismo pode, finalmente, sair da toca depois de 70 anos de hibernação.

Um comentário como o do meu amigo de infância? Sim, ontem de tarde, no bar da esquina, entre uma cerveja e uma gargalhada.

Deixe um comentário

Arquivado em Política