BDSM

O acrônimo B D S M significa Bondage, Discipline, Sadism and Masochism. Parecem palavras retiradas do lema de uma milícia de extrema direita, mas na verdade são práticas sexuais que incluem algum nível de violência consentida. Gente amarrada, humilhada, castigada, uso de sadismo e masoquismo. Não faço nenhuma crítica de ordem moral quanto a isso, em absoluto. Todos devem saber onde amarrar seu desejo, e se responsabilizar por ele. O limite? A lei. Em verdade creio que estas práticas tem o mesmo valor de fetiche quanto casar virgem, frequentar a igreja e ter 10 filhos. Cada um com sua fantasia; aliás, gosto da tese de que o pudor é a mais sofisticada das perversões. Afinal, como bem dizia Caetano:

A gente não sabe o lugar certo
De colocar o desejo
Todo beijo, todo medo
Todo corpo em movimento
Está cheio de inferno e céu
Todo santo, todo canto
Todo pranto, todo manto
Está cheio de inferno e céu
O que fazer com o que DEUS nos deu?
O que foi que nos aconteceu?
Todo homem sabe que essa fome
É mesmo grande
Até maior que o medo de morrer
Mas a gente nunca sabe mesmo
O que quer uma mulher

Aliás, grande tema para debater. Nos congressos de BDSM uma das questões mais debatidas é a importância dos “passwords” ou “safewords”. Tipo: numa encenação sadomasoquista como saber se o sujeito está atuando, ao estilo “ai, ai, ai, não aguento mais, não me bata”, ou quando REALMENTE está sufocando ou sofrendo demasiado com a dor pelo castigo imposto (e até então consentido)?

Esse debate, por distante que possa parecer, eu lancei no universo do parto. Afinal quando um “não aguento mais” é uma atuação e um simples pedido de ajuda diante das incertezas do processo de parir e quando é um real limite para o sofrimento, e a consequente desistência de um projeto de parto normal? Como saber se devemos entender o valor contextualizado do pedido ou o valor bruto da palavra? Exatamente porque os domínios de expressão podem ser confusos eu dizia que, para partos também deveriam existir “palavras passe”, senhas, sinalizadores de que “agora é prá valer”, ou “chega dessa brincadeira”. Isso poderia criar mais garantias para as mães e mais segurança para os cuidadores.

Mas se “parto faz parte da vida sexual normal de uma mulher”, que dizer dos outros aspectos na vida sexual onde um “não” poderia querer significar outra coisa, muitas vezes até o oposto? Bem… nesse caso perdemos a oportunidade de estabelecer qualquer debate; o mundo de hoje fechou essa porta. Eu sempre digo que nesse caso – nos prolegômenos do ato, no chiaroscuro do apagamento neocortical – o “não” deveria ser desnecessário.

Aos homens eu digo: se houver qualquer hesitação, por mais sutil que seja…. fuja. Não vale a pena arriscar. Para as meninas digo: respire fundo e diga com todas as letras o que (não) quer; não espere que os homens entendam racionalmente negativas gemidas quando seu cérebro está quase apagado diante da afluência de hormônios. Isso fará com que na área sexual, contrariamente à toda linguagem humana, os valores das palavras venham a perder seu simbolismo e terão sentido exclusivamente denotativo. No atual cenário das fricções de gênero, não vale a pena correr qualquer risco.

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Aos mestres com carinho

Meu sonho sempre foi ser professor, como meu pai. Sempre achei esta a profissão mais charmosa, mais desafiante, mais complexa. As vezes vejo pessoas escrevendo sobre as agruras dos seus ofícios e o quanto são difíceis, complexos, profundos e desafiadores. Quando me descrevem seus desafios eu sempre vejo minha imagem de menino, sentado na sala de aula com outros 40 alunos enquanto assistia uma aula sobre assuntos que não me interessavam – como matemática, por exemplo. Na minha frente uma professora, lutando contra o desinteresse de uma multidão, tentando provar o quanto aquele conteúdo poderia ser útil em suas vidas. Aquelas cenas ficaram marcadas na minha mente como a mais fidedigna descrição de um cavaleiro andante solitário enfrentando moinhos de vento ranhentos e inconvenientes. A sua coragem e força de vontade hoje me impressionam.

Somente muitos anos depois da minha experiência escolar eu tive a oportunidade de me colocar na posição de professor. Em todas as vezes que recebi elogios eu respondi de forma direta: “Eu estou dando um curso para adultos, ávidos por um conhecimento específico, pelo qual pagaram e que vai lhes abrir portas na vida profissional. Desta forma, 80% do trabalho – o interesse – já está feito por quem assiste a aula. Como acha que me sairia com crianças ou adolescentes, sem interesse nesse tema, garotos e garotas que naquele momento gostariam de estar conversando ou namorando? Como acha que eu me sairia se o conteúdo que eu ofereço não fosse capaz de abrir portas para alguma vantagem na vida?”

Um bom professor lhe oferece insegurança e angústia; não lhe garante a paz, e sim a espada. O mestre lhe oferece a certeza das incertezas, a compulsão pelo pensamento crítico e segurança para não aceitar respostas fáceis ou definitivas. Um mau professor carrega você para onde desejar, enquanto o bom professor lhe mostra o caminho. Já o mestre lhe descortina a vastidão à frente, aponta para o horizonte e diz: “faça seu caminho”. O mestre Freud já nos ensinava que “as certezas absolutas nos cegam perante novos horizontes; nunca tenha certeza de nada, porque a sabedoria começa com a dúvida”. Desta forma sua pedagogia nos afastava da sedução das convicções inamovíveis e do alívio que elas proporcionam. Pelo contrário: sua sabedoria nos apontava que o crescimento se dá exatamente pelo enfrentamento da angústia de nada saber.

Aos mestres minha reverência e minhas desculpas. Fui um aluno chato, irritante, conversador e irreverente. Desafiava constantemente a autoridade que os pobres professores tinham diante da turma. Fui muitas vezes chamado à atenção, e todas de forma merecida. Essa minha relação de atrito com todas as formas de poder transformou-se, com o passar dos anos, em genuína admiração, a ponto de que agora vejo os professores como os profissionais mais sofisticados. Da mesma maneira, hoje vejo a arte de curar como sendo, em essência, uma pedagogia, e não uma intervenção mecânica sobre organismos disfuncionais. Quanto mais o médico se aperfeiçoa, mas se parece com um professor: ao invés de intervir auxilia o paciente a encontrar dentro de si mesmo a cura que tanto necessita.

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A Realidade da Educação: Entre a Severidade e a Permissividade

“Eu achava que meus pais eram muito rígidos, mas vendo essa geração de hoje eu acho que eles me salvaram”.

Uma afirmação no mínimo arriscada. Se a “rigidez” se refere a firmeza de princípios, então estamos juntos. Caso ela esteja lançando uma tese saudosista sobre os castigos e o uso dos “corretivos”, que eram comuns na minha época, então estamos bem distantes. Talvez os pais de ontem – que agora são bisavós – pensem desta forma, exaltando a educação dura que receberam, mas eu creio que esta postura serve como uma excelente desculpa para espancamentos, surras e demonstrações de violência que ocorriam em tempos passados. Tipo “Sim, bati nos meus filhos e dei a eles castigos degradantes e humilhantes, mas os salvei do destino terrível da permissividade”. Fácil, não?

Não há dúvida que existe um clima de “laisser faire” na educação, e uma crença de que os filhos são máquinas de desejo a quem não convém frustrar. Por certo que existe um enfraquecimento da figura paterna, tanto pela ausência física dos pais em função da fragilidade dos casamentos, quanto por uma cobrança crescente e intensa sobre a severidade e a brutalidade dos métodos de educação aplicados pelos pais do passado. Entretanto, o questionamento sobre os métodos “frouxos” de educação doméstica não pode permitir a crença de que o modelo de surras e castigos seja justo ou adequado. Se existem crianças “sem limites” e abusivas também é verdade que os traumas causados pelas práticas violentas de outrora não podem ser negligenciados. Temos uma legião de homens e mulheres velhos cuja infância foi marcada pela violência doméstica, socialmente validada, mas que causa neles sintomas tanto visíveis quanto silenciosos até hoje.

Não devemos cair na sedução fácil de um falso dilema. “Ahh, no meu tempo é que era bom!!”, normalmente é uma frase dita por alguém que não entendeu como foi terrível a criação das crianças no passado. “Apanhei, mas sobrevivi”, o que é verdade, mas a que preço? O que dizer dos medos, das angústias, da falta de confiança e das mágoas que até agora lhe atormentam? Portanto, é razoável imaginar que ambos os modelos são ruins, e que não é necessário escolher entre duas perspectivas – violência ou permissividade – como se fossem as únicas alternativas possíveis. Não; é possível educar os filhos com firmeza e autoridade sem cair na tentação fácil da violência física e moral que oferece respostas imediatas, mas que deixa marcas indeléveis na alma das crianças.

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Pós eleições

Muitos dos que agora criticam o PT por abandonar as ruas são responsáveis pelo afastamento das raízes operárias do partido. Falo daqueles que, da posição de formadores de opinião, agora criticam o Partido dos Trabalhadores mas que há poucos anos aceitavam que a melhor estratégia era apostar no reformismo. Entre eles um professor de sociologia de Brasília, cuja postura sempre foi de apoio a uma esquerda “moderada” e reformista. Lembro bem quando da grande vitória do Talibã sobre as forças imperialistas de ocupação de ver o professor choramingando pelas “meninas que não iriam às aulas”, sem levar em conta a barbárie do imperialismo, a rede de prostituição das crianças afegãs patrocinada pelo exército americano, a destruição da infraestrutura do país, o lucro com a Papoula e as milhares de mortes dos cidadãos do país, enquanto sua preocupação mais firme era com as questões identitárias. Sua vinculação e seu apoio a Guilherme Boulos é a prova definitiva de que ele não tem – e e nunca teve – uma postura de esquerda raiz. Jamais se importou com as vinculações de Boulos com o IREE e com think tanks imperialistas. Curiosamente, agora quer cobrar isso do PT. Essa postura de muitos de “ahhh, o PT esqueceu suas bases”, apesar de estar correta, permite esconder as opções pessoais que durante anos tiveram em favor de uma política de conciliação.

Quanto a Porto Alegre, muitos (como ele) dizem que a escolha por Maria do Rosário foi equivocada, mas todos se negam a dizer qual teria sido a escolha certa. Ou seja: criticam sem apontar a alternativa. Mello ganhou porque tinha a máquina municipal, por ser apoiado pelas grandes empreiteiras, pela especulação imobiliária, por causa da campanha antipetista feroz que se faz há duas décadas na cidade, pelo sentimento anticomunista propagado pela direita nacional, e também por não termos nomes fortes para a majoritária. Colocar a culpa em Maria do Rosário é uma postura errada, cruel e que serve aos interesses da direita. Não esqueçam que o candidato para a câmara de vereadores mais votado da capital foi um sujeito cujo slogan é “direita de verdade”. Também reelegemos uma comandante da PM, uma notória fascista que vai às seções legislativas fardada, e agora a cereja do bolo: elegemos o “Comandante Ustra”, primo do mais famoso torturador da ditadura, ídolo de Bolsonaro, que fez campanha exaltando o que existe de mais abjeto em um ser humano. Ou seja: essa cidade mergulhou de cabeça no obscurantismo, na violência, no punitivismo e nas soluções cosméticas. Ainda teremos muito trabalho de base pela frente para mostrar a este povo como as alternativas à direita são mais do mesmo, e que não apresentarão jamais bons resultados em médio e longo prazo. É preciso, como eu já disse, limpar a esquerda do discurso identitário e voltar a fazer campanha política no chão de fábrica e nas ruas.

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Espiritismo é Religião?

O espiritismo enquanto sistema de crenças institucionalizado foi criado por um homem, Allan Kardec (ou o pedagogo Hippolyte Leon), baseado em manifestações de espíritos acerca de fenômenos muito comuns na França do século XIX. Não é uma “revelação”, porque este tipo de modelo só pode produzir doutrinas dogmáticas, e também não é uma doutrina ditada por espíritos. Ela foi criada por Kardec, que lhe ofereceu todas as virtudes e todas os seus defeitos. Como principal virtude a ideia de que não é uma religião, não se comporta como seita, não aceita personalismo, não tem caráter sectário e está vinculada à ciência, de maneira que pode ser modificada indefinidamente caso seja comprovado um erro em seus pressupostos.

Como principal defeito o evidente eurocentrismo, a ideia construída de Cristo como espírito guia da humanidade, desprezando outros personagens religiosos de igual relevância e importância histórica. Faltou ao espiritismo nascente este caráter de universalidade. A ideia de uma doutrina de consequências morais também me parece bastante equivocada, pois que a moral se molda e se transmuta com o tempo. Ver espíritas adotando a moral conservadora cristã e as perspectivas políticas mais alienantes são os resultados óbvios dessa escolha. O espiritismo deveria se ocupar da pesquisa científica e filosófica da sobrevivência da alma, a manutenção do princípio espiritual e a reencarnação como processos depurativos do sujeito, e muito menos com os costumes e a moral vigente, elementos que apenas atrasam sua circulação no ambiente acadêmico.

Não se trata de “conhecer”, mas de interpretar os fatos. Não acredito que o espiritismo seja uma doutrina “ditada” por espíritos, mas criada por Kardec a partir de mensagens esparsas e sem a devida conexão recebidas por médiuns de sua época. Kardec sempre foi a figura central e unificadora do processo, pois é dele a sistematização, a divisão dos temas, a escolha das perguntas e a formatação final. Desta forma, o Livro dos Espíritos é tão humano e tão centrado na figura do seu criador quanto a teoria evolucionista de Darwin. A ideia de que ele seria apenas o “codificador” (seja lá o que isso quer dizer) não me parece justa. Os méritos são de Kardec, assim como os terríveis defeitos encontrados nas obras, causados pelo contexto em que foram escritos aqui na Terra.

E quanto a “espírito perfeito” essa é outra tolice. Jesus é uma criação humana, criado e moldado pelas nossas necessidades e interesses geopolíticos. O Jesus real foi basicamente um judeu reformista, cujo principal interesse era reformular a religião judaica. Nunca conversou com alguém que não fosse judeu e sempre se dirigiu apenas ao seu povo. Era basicamente um autoproclamado “messias” – assim como outros 400 daquela época – alguém destinado a livrar os judeus do jugo Romano. Tinha portanto uma missão política, aliás, para criar um “reino deste mundo”. Falhou em seu intento, e por esta singela razão jamais foi reconhecido como “ungido” por seus iguais. Entretanto, sua mensagem aos humildes e pobres cativou a periferia do Império Romano, graças ao apóstolo dos gentios (não judeus), Paulo de Tarso, que a levou a “gregos e baianos”.

Por outro lado, essa é apenas a história criada sobre um personagem mitológico ocidental, que ganhou sucesso graças a uma decisão de gabinete de Constantino. Que dizer dos outros líderes espirituais, como Buda, Lao Tsé, Zoroastro, Confúcio etc. Por que seriam eles “inferiores” ao “sujeito perfeito” nascido no fim do mundo, num lugar miserável e desimportante do Império Romano chamado Palestina e cuja mensagem não trazia nenhuma grande verdade oculta (a não ser parte das bem-aventuranças)? Ora… 200 anos depois de Kardec e continuamos com o mesmo eurocentrismo cafona, achando que nosso Jesus branco é um “ser de luz” com faroletes mais luminosos que do que aqueles dos seus concorrentes. Por que haveria de ser? E por que deveria o espiritismo, em sua proposta universalista, escolher o líder ocidental como paradigma de perfeição? Não faz nenhum sentido, e o espiritismo deveria abandonar essa perspectiva racista e sectária para se tornar a verdadeira voz de unificação de uma proposta espiritualista.

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Sentido da Vida

No dia seguinte à minha morte o sol vai nascer e se pôr sobre esta colina, pequena Neesha, inobstante o fato de que eu não estarei mais aqui para admirar sua curva graciosa na abóbada celeste e seu mergulho glorioso no horizonte. Este será, sem dúvida, o maior ensinamento que o universo dará à minha arrogância: as coisas não precisam de mim, e tudo continuará girando sem que eu perceba.

Joseph Blaszczykowski, “Za górami słońce nie zachodzi” (Além da Montanha o Sol nunca se Põe), Ed. Zvedia, pág. 135

Joseph “Blatsch”, como assinava suas obras, nasceu na Breslávia em 1926 e morreu na mesma cidade em agosto de 2024 aos 98 anos. Na juventude lutou na União da Luta Armada (posteriormente Exército da Pátria) em ações de sabotagem contra as forças nazistas. Nesse período, junto com seus irmãos, auxiliou na interrupção das linhas de abastecimento alemãs para a Frente Oriental, danificando significativamente os transportes ferroviários das tropas alemãs. Com apenas 16 anos ficou conhecido como um forte e destemido guerrilheiro antinazista. Foi um dos homens mais procurados pelo exército de Hitler no período da ocupação, ficando conhecido por muitos como o “Lobo da Cracóvia”. Quando a guerra terminou, voltou para sua cidade natal Breslávia, onde ingressou no curso de história, graduando como mestre em história europeia. Seu primeiro livro foi sobre a formação do povo polonês. Neste livro “Formacja narodu polskiego” (A formação do povo polaco) ele explica que os germânicos migraram da área por volta do ano 500 da nossa era, durante a chamada idade das trevas. As áreas com florestas mais densas situadas ao norte foram ocupadas pelas populações bálticas. De acordo com estudos arqueológicos, os grupamentos de origem eslava ocupam a região da atual Polônia por mais de 1500 anos. Em 1952 ele escreve seu primeiro livro de ficção histórica, “Buty Führera” (As Botas do Führer) onde relata o encontro e a longa conversa de um sapateiro de Varsóvia com Adolf Hitler, durante a ocupação da Polônia, na ocasião em que este foi chamado para consertar as botas do chefe do III Reich. O livro alcançou um grande sucesso e foi vertido para o teatro em 1960. Seguiram-se vários livros de ficção sobre a temática da guerra, mas também da solidão, da pobreza, da ascensão da direita polonesa com Walesa, sobre a decadência capitalista, a guerra e por fim seu canto do cisne, “Além da Montanha o sol nunca se põe”, onde o tema é a velhice, a senectude e a morte. Neste livro ele conta a história de um velho vendedor de livros usados chamado Krzysztof Goralski que compra um livro antigo de uma garota indiana chamada Neesha. Folheando suas páginas ele encontra uma nota manuscrita, e a partir deste momento, profundamente impactado por seu conteúdo, ele fecha sua loja e empreende uma busca insana e obsessiva para reencontrar a garota. O conteúdo da nota jamais é revelado em todo o transcorrer da epopeia, mas fica claro que a busca de Krzysztof é pelo sentido de si mesmo, de sua vida e seu significado mais profundo. O livro, apesar de ter sido escrito a partir de 1980, foi publicado somente em 2023 a pedido do autor, para que esta fosse sua derradeira obra, e para que pudesse acrescentar ao personagem central da trama, o livreiro Krzysztof, os detalhes do espírito e a visão de mundo de um idoso, algo que só o trânsito pela velhice lhe garantiria. Joseph Blaszczykowski era viúvo de Maria Kristeva e teve 3 filhos: Piotr, Fiódor e Pavlev e 7 netos. Está enterrado em Cmentarz Grabiszynski, na Breslávia.

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Sonho

Meu sonho é estar vivo para ver a queda de Tel Aviv para reviver alegria que tive ao testemunhar a queda de Saigon.

Quem acha que o império romano desapareceria sem a queda de Roma, que o nazismo terminaria sem a queda de Berlim, que as monarquias absolutistas teriam um golpe fatal sem a queda da Bastilha e que o sionismo não vai ruir sem a queda de Tel Aviv, então é melhor acordar, porque a história do mundo necessita dessas destruições simbólicas para que seja possível a renovação e o progresso. E por “queda” não falo destruição, não falo de mortes ou catástrofes, mas do caráter revolucionário deste ato. Falo da saída dos sionistas desta terra, a exemplo do que ocorreu no Afeganistão quando os invasores ianques lotaram aviões para abandonar o país após o fracasso asso colonialista. Sim, eu desejo a expulsão de todos aqueles ligados ao sionismo maldito, a retomada do país pelos democratas e a construção de uma Palestina por todos aqueles que desejam uma nação multiétnica. Quero a entrada triunfal das forças Palestinas unidas, da mesma forma como entraram os bravos vietcongs na queda de Saigon, libertando o país de séculos de exploração.

Eu entendo todos aqueles que nutrem um desejo de paz. Durante décadas também sonhei com o entendimento, a conciliação, a paz e até distribuí pelas redes sociais imagens cafonas de crianças palestinas segurando a mão de crianças judias, sem me dar conta que não passavam de um estratagema pérfido criado para nos fazer acreditar que na região os embates eram produzidas por diferenças de fé. A idade me fez perceber que não há mais espaço para a ingenuidade. Os 70 anos de massacres contínuos de Israel sobre a população palestina nos mostram que não há – e nunca houve – qualquer disposição para negociação por parte dos sionistas, muito menos para o reconhecimento de uma pátria palestina autônoma, livre, independente e multiétnica nas bases da partilha da ONU. Portanto, a ideia de vitória da democracia e contra o apartheid sem a queda da capital e símbolo da presença sionista me parece uma ilusão.

Não há mais espaço para negociação; os sionistas estão pelo “tudo ou nada”. Por isso a opção pelo terror, por isso atacam a população civil da palestina, suas mulheres e crianças. Por isso também o bombardeio aos bairros densamente populosos do Líbano e o ataque a uma base russa na Síria; é puro desespero de causa, na tentativa de atrair os americanos para a guerra, nem que com isso o planeta venha a explodir. Entretanto, pela primeira vez nos últimos 80 anos, existe uma sinalização de paz no horizonte, e ela foi iniciada pelo levante palestino de 7 de outubro 2023 e pela consequente solidariedade mundial com sua causa. A história do futuro contará esse episódio como o dia que se iniciou a libertação da Palestina, assim como descrevem a vitória vermelha na segunda guerra mundial a partir da resistência ao cerco de Leningrado.

Não vejo nenhuma razão para perder a esperança. Eu achei que não veria nesta vida muitas coisas que acabei vendo, porque não veria a paz brotando no solo da Palestina? Há poucos meses Netanyahu estava jantando com o Rei Mohammad Bin Salman da Arábia Saudita, na tentativa de normalizar relações com seus desafetos históricos, estabelecendo negociações com países árabes e com isso relegando a causa dos palestinos ao absoluto esquecimento. Parecia o fim da Palestina Livre e do sonho de colocar um fim ao racismo pútrido e supremacista do sionismo. Pois em alguns poucos meses, graças à ofensiva genial das forças de resistência, o jogo virou. Os árabes se uniram contra os colonizadores, Tel Aviv pela primeira vez em 70 anos arde em chamas, o planeta inteiro se coloca ao lado do povo oprimido da Palestina e o exército de Israel se desmancha. Não há como ser pessimista diante de tantas notícias boas, depois de 70 anos de torturas, massacres, violências e mortes. Não será agora que perderei as esperanças e ninguém vai me tirar o direito de me manter otimista.

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Materialidade

Tenho um querido amigo que nasceu na Turquia mas é grego. Explico: existe um bairro grego em Istambul (creio que é o bairro Fener) no qual os habitantes tem cidadania grega, mesmo tendo nascido em solo turco, porque as reivindicações gregas sobre sua capital Constantinopla nunca cessaram. Assim, não se pode chamá-lo de “turco” nem de brincadeira. Pois esse amigo grego, ainda bem pequeno, mudou de país e foi criado na Suiça desde tenra idade. Fez formação em TI e uma vez resolveu visitar o Rio de Janeiro. Lá conheceu uma gaúcha que estava de férias e logo se apaixonaram. Essa amiga era uma paciente e querida amiga minha. Passado algum tempo se casaram e tiveram uma filha, cujo parto eu atendi, o qual, por si só, é uma história espetacular sobre parto e tecnologia – ou o quanto a tecnologia tem a possibilidade de atrapalhar a fisiologa de um parto. Porém, esta história eu contarei em outra oportunidade.

O casal resolveu morar no Brasil. Meu amigo até que tentou viver aqui; adorava o país, gostava de Porto Alegre, tinha uma profissão para a qual havia demanda, etc. Porém, a diferença de pagamento do quanto ganhava na Suiça para o que conseguia aqui era enorme, talvez na ordem de dez vezes para menos em terras tupiniquins. Depois de algum tempo resolveram se mudar para a Suiça – de mala e cuia. Minha paciente até hoje trabalha como fisioterapeuta, falam suiço-alemão, tiveram uma outra filha e estão lá felizes há mais de 20 anos. Meu amigo grego trabalha numa gigantesca instituição bancária suiça. Há alguns anos vieram visitar familiares em Porto Alegre na época das férias e nos ligaram para encontrá-los em um restaurante – eu e Zeza. Passamos uma noite maravilhosa contando histórias de cá e de lá, falando de filhos, adaptação primeiro mundo, confortos, saudades, etc. Num determinado momento, meu amigo me disse:

– Ricardo, vocês nem imaginam o quanto eu invejo vocês e o trabalho que fazem atendendo partos. É realmente sensacional. Eu adoraria ter esse privilégio.

Isso me pareceu super bizarro. Aquele sujeito deveria ganhar – muito por baixo – umas dez vezes mais do que eu poderia ganhar aqui acordando de madrugada, perdendo aniversário de filho, dormindo mal, sendo atacado pela máfia da cesariana, tendo férias cortadas ao meio etc. Disse isso do alto de um emprego espetacular, atendendo numa sala com ar condicionado, 6 horas por dia, férias remuneradas, cafezinho, benefícios de primeiro mundo, chocolate suiço (que lá se chama só “chocolate”), estabilidade, e tudo mais que a centralidade do capitalismo é capaz de oferecer a estas profissões mais sofisticadas.

– Mas por que dizes isso? Que te faz pensar assim? Não consigo entender a razão para isso…

Ele sorriu e respondeu, como se estivesse me falando de algo muito óbvio:

– Ora, Ricardo: a materialidade do trabalho de vocês!!! Vocês atendem as gestantes, enxergam a barriga crescendo, avaliam a qualidade dos exames, enxergam o bebê se mexendo e escutam o coração dele batendo pela primeira vez. Estão presentes quando o bebê nasce e acompanham por vários meses a adaptação da mãe ao novo mundo da maternidade. Podem testemunhar a alegria da família ao receber um novo bebê. Estão presentes desde o início do processo, acompanhando todas as etapas. São responsáveis por cada detalhe e pelo sucesso do projeto. Agora compare com o que eu faço: sou um operário de uma longa esteira de montagem de uma instituição. Trabalho com uma parte – a informática – e não vejo de forma palpável o resultado final do meu trabalho. Não posso chegar em casa e contar para as minhas filhas uma história maravilhosa que aconteceu comigo no meu emprego, quando “salvei uma rede” que estava encalhada, ou coloquei vários “sistemas em série”, ou consegui fazer o “roteador central” voltar a funcionar. Sou uma minúscula peça, mesmo que importante e até essencial, porém não tenho a oportunidade de ver de forma clara à minha frente a materialidade do que fiz, o resultado prático da minha dedicação, o objeto construído por mim para que possa ser mostrado orgulhosamente aos outros. Vocês, por outro lado, enxergam isso todos os dias, em todos os trabalhos que fazem.

Respirou mais um pouco e continuou:

– Pode não parecer, mas quando vi o nascimento da minha filha, no qual vocês estiveram presentes, pude sentir o quanto é importante essa sensação de poder ver o resultado objetivo do que se faz. O sistema de produção em série, o fordismo no qual estamos todos inseridos, nos impede de ter essa noção ampla da participação no resultado final de qualquer tarefa humana. Vocês, por terem a oportunidade de enxergar isso, são abençoados. Acredite, é o que sinto.

Sua explicação foi contundente e muito clara. Pude, pela primeira vez, ter noção do significado mais amplo do trabalho que fazíamos e do privilégio de participar efetivamente no resultado final daquilo que trazíamos como ofício. Neste mundo de funções fragmentadas eu fico impressionado com o trabalho de eletricistas, encanadores, pedreiros, marceneiros e gente que trabalha com a terra pois ele podem ver o resultado objetivo do seu trabalho em uma parede, uma cadeira, uma água escorrendo num tubo, uma fruta que nasce e uma lâmpada que se acende. Isso é capaz de oferecer uma satisfação enorme para o profissional envolvido.

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Substâncias Mágicas

Estou iniciando o terço final de um processo respiratório agudo. “Grips”, como se diz. Estou saindo da fase “astênica” e entrando na fase “estênica”. A primeira se refere ao quadro inflamatório inicial, com tosse seca, febre, suores, mal estar, inapetência, fraqueza, cansaço, sono etc. Já a segunda se caracteriza como a fase resolutiva: desaparecem a febre e surgem os fenômenos catarrais, com secreção brônquica, febre ausente, reaparecendo lentamente o vigor físico e a fome. Comentei o fato com algumas amigas da Internet que não são da área médica e todas me fizeram as mesmas perguntas, com algumas minúsculas variações:

– Você já foi ao médico? O que está tomando?

Minha resposta para elas foi:

–  Estas doenças de tipo viral tem seu ciclo bem característico. Duram de 5 a 7 dias. Ou seja, usando ou não drogas, tomando água benta, chá de erva doce ou antibiótico, elas irão embora em uma semana. Acho melhor não usar droga nenhuma que interfira no ajuste autonômico do corpo, obedecendo seus ditames. Sono? Durma. Cansaço? Descanse. Sem fome? Não coma. Sede? Beba água, etc. Acredito que as medicações para melhorar sintomas podem ser úteis, mas somente se eles forem insuportáveis. Penso mesmo que os efeitos adversos dessas drogas são importantes demais para serem negligenciados.

A relação entre medicina e drogas é recente e se incrementou muito no início do século passado com o “Flexner Report” de John Rockefeller e a criação da medicina orientada para a Indústria Farmacêutica nascente. Além disso, ir ao médico é sempre um risco; os médicos hoje em dia, em especial nos atendimentos de urgência, prescrevem sob pressão: de um lado a pressão de seus pares e da indústria de remédios, e do outro lado dos próprios pacientes, que exigem que algo seja prescrito, pois depositam nas drogas a solução mágica para os seus males, o que raramente é o caso. Via de regra não conseguem sair da consulta apenas com conselhos e orientações: é preciso que haja receitas e exames para sacramentar o ato médico. Pergunto: sendo evidente que estou com um quadro respiratório alto (IVAS) o que poderia um médico dizer que eu já não sei? Que poderia ele me prescrever que eu aceitaria tomar? Que conselho útil poderia me dar que eu já não esteja fazendo? Que diferença essa consulta faria no transcurso dessa doença aguda?

Sim, eu me conheço e sei como estas doenças se comportam em mim. Sei também que se o quadro fosse de piora crescente não evitaria uma visita à emergência; porém, não é o caso. Sendo absolutamente racional e usando sempre o bom senso, faço o mesmo há 45 anos: fico em casa, curto a minha gripe, escrevo e leio entre espirros e paroxismos de tosse, fico com a cara inchada, perco litros de catarro pelo nariz, acumulo dores pelo corpo, fico descadeirado e espero pacientemente a tempestade passar. Esse é um excelente exercício para o sistema imunológico, e muito positivo para a economia do corpo. Abster-se das drogas – quando possível – sempre me pareceu uma atitude lúcida.

A réplica de todas teve o mesmo teor, usando quase as mesmas frases:

–  Você não pode ser tão radical. Muitos remédios ajudam pessoas. Deixar de tomar remédio é um erro. Para que esse fanatismo? Tem vergonha de pedir ajuda? Isso não passa de arrogância.

Eu respondi a elas que essa conversa era às avessas. Como era possível que alguém que transitou 40 anos pela Medicina pudesse defender a abstenção das drogas sempre que possível enquanto uma paciente defendia seu uso indiscriminado? Expliquei que não havia nada de “fanatismo” em uma postura pessoal. Não sinto necessidade de usar, por que deveria tomar? Exatamente por conhecer as drogas e seus dilemas prefiro não usá-las, a não ser que seus benefícios ultrapassem – em muito – seus potenciais malefícios.

– Não vou discutir com você. Esta é uma conversa estéril; eu tenho minha opinião e você está encastelado na sua.

Foi o que disse uma delas, evidentemente contrariada e, ao que tudo indica, ofendida com minha postura de evitar o uso de remédios. Foi esta reação indignada que me pareceu digna de um comentário. Houve também o comentário de uma médica: “Sou médica há 36 anos mas minha postura é bem diferente em relação a sua; entretanto tenho a tranquilidade de opinar e não colocar de modo tão enfático posições no mínimo questionáveis. Espero que fiques bem e em paz!! Boa noite!!”

Os médicos também não suportam que se questione o uso irrestrito de drogas. Pergunto: por que questionar o “Império das Drogas” os deixa tão ofendidos, ressentidos e até magoados? É como se o seu conhecimento sobre “qual remédio usar para o quê” fosse o elemento primordial de sua arte, o elemento que sustenta seu significado e importância social; retire-se isso e o seu valor desaparece. Eu as vezes penso que na hecatombe nuclear que se avizinha os médicos – já sem as drogas e sem os hospitais – se tornarão inúteis, pois a perspectiva mais ampla da “ars cvrandi” deu lugar à iatroquimica, deixando pouco espaço para a empatia, o acolhimento e o acoselhamento. Os médicos deixaram de ser sábios para se tornarem técnicos e especialistas. Terá sido uma boa troca?

Outra questão me deixou intrigado: por que essa vinculação de “doença ——> drogas químicas” ficou tão naturalizada a ponto de não se conceber um transtorno clínico qualquer sem que ela seja preponderante? Como pudemos criar uma ligação tão violenta entre quadros sintomáticos agudos (dos quais 95% tem resolução espontânea em poucos dias!!) e a necessidade – ou até obrigação!!! – de usar produtos da indústria trilionária de medicamentos?

Por outro lado, sei bem como é o outro lado da moeda: experimente dizer para um paciente “não faça nada, não precisa usar nenhuma medicação” para ver a reação. Muito lançam um olhar de fúria, como a dizer: “paguei, quero receita!!”. Entretanto, em muitas oportunidades esta é a frase mais justa e ética a dizer. Como educar as pessoas a pensar racionalmente sobre estas alternativas se somos bombardeados diuturnamente com a ideia de que “a verdade está lá fora”? Ou seja, para o capitalismo, a cura dos sofrimentos (só) pode ser alcançada através de algo que você acrescenta ao seu corpo, algo que lhe falta, do qual está carente. Seria uma droga, que concentra o poder de lhe devolver a paz perdida, a resposta que aguardamos? Não creio, mas para mudar esse roteiro é necessário, por parte do profissional, muita firmeza, segurança e carisma; por parte do paciente, uma forte transferência. Uma junção bem mais rara de encontrar.

Creio que a razão para tamanha conexão entre doenças e drogas pode estar em uma hipótese que carrego há muitos anos, a qual aponta para a sutil e insidiosa doutrinação que as crianças e seus pais recebem nas primeiras consultas depois do parto e nos primeiros anos de vida. É ali que se planta a semente de que “há remédio para tudo”, fazendo-nos crer que a solução para as dores e as doenças está fora de nós, em pílulas, xaropes, pastilhas e injeções, uma ideia que carregamos pelo resto da vida. Não surpreende que os adolescentes, diante da angústia mordente sobre sua sexualidade, seu futuro, sua capacidade, seu brilho e seu valor, apelem para as soluções exógenas, seja cheirando ou fumando substâncias mágicas para seus sofrimentos físicos e emocionais.

Quando eu tinha apenas 6 anos de idade e era atacado por estas febres infantis minha mãe me dizia: “Você vai ficar com febre, vai tremer e depois vai suar por todo o corpo. Depois vai ficar frio de novo, vai tremer de novo; as sensações vão voltar e desaparecer mais umas vezes e assim por diante. É assim mesmo que o corpo se ajusta. Não se assuste e não tenha medo. Estarei aqui se precisar”. Passei a acreditar na sabedoria destes processos adaptativos desde muito cedo, e fui obrigado a esquecer os abusos da medicina quando me foram ensinados. Minhas conhecidas se despediram e não creio que voltem a falar comigo. Neste instante devem estar falando para as amigas: “não imagina o que tem de fanático anti-remédio por aí

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Renato

Com a provável saída de Renato do Grêmio voltaram às especulações de que ele poderia ser o técnico da nossa combalida e impopular seleção brasileira. Entretanto, corre o boato de que suas opções políticas seriam um empecilho para que assumisse o cargo, já que Renato adotou uma franca posição de apoio a Bolsonaro (e antes para Sérgio Moro e a LavaJato). Entender as razões para esta vinculação em todas as suas nuances é complexo, mas por certo que Bolsonaro sempre agradou as pessoas que ganhavam salários acima de 1 milhão mensais.

Renato é um reacionário bolsonarista, fez inúmeras manifestações explícitas de apoio ao ex-presidente, mas afastá-lo apenas por isso seria um absurdo. A seleção não pode ser regulada por este tipo de perspectiva, até porque no mundo do futebol de ponta, dos jogadores milionários e dos técnicos ricos, poucos se salvam da sedução fascista. Quase todos os jogadores que ficam muito ricos facilmente adotam um pensamento de direita, acham-se burgueses, casam com modelos loiras e queimam seu dinheiro com festas suntuosas, álcool, bacanais, carros e todo tipo de consumismo pueril. Por que deveríamos exigir apenas do técnico uma postura social mais responsável e politicamente coerente?

Quase todos os jogadores exaltam partidos de direita e namoram com posições claramente fascistas, exaltam a polícia e aplaudem ações punitivistas contra a população pobre – e aqui vai a lembrança de Tite, clara exceção. Entre os jogadores famosos muitos (maioria?) são garotos criados sem a presença do pai e enxergam nos políticos populistas de direita, com discurso autoritário e ações conservadoras na moral, a função paterna de que tanto carecem. Renato é um exemplo típico disso, mas ninguém contrata um técnico para ser representante popular, para falar sobre aborto ou distribuição de renda, mas para escolher e treinar seus jogadores com o máximo de profissionalismo e seriedade.

Caso decidam barrar Renato, acaso impedirão Neymar – ainda mais reacionário que Renato – na seleção? Criaremos na seleção brasileira um “vestibular” ideológico para os treinadores? Aliás, quem sobraria numa seleção que tivesse uma postura política progressista?

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