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Incompatibilidade

Ciência e religião são realmente incompatíveis, mesmo quando ambas apontam para a mesma verdade. A religião se ocupa com o “porquê”, e a ciência com o “como”. Entretanto, a ciência precisa de método, enquanto a religião apenas fé. A ciência precisa ser falsificável, a religião não. A ciência não aceita dogmas, a religião se baseia neles. São incompatíveis porque seu objeto e seu caminho são distintos, mesmo quando encontram o mesmo fenômeno – ou a mesma Verdade. São incompatíveis pois tem objetos diferentes e caminhos distintos, mesmo quando chegam à mesma conclusão.

Exemplo: o espiritualismo crê na existência do Espírito, ou seja, na pré-existência e na sobrevivência da alma. Isso não tem respaldo na ciência, pelo menos até agora. Entretanto, com o progresso da técnica, seria possível imaginar no futuro um aparelho capaz de captar vozes, mensagens e imagens que atestassem esse fato, e desta forma a vida após a morte seria comprovável. O espiritismo e a ciência estariam apontando para o mesmo fato, mas por caminhos diversos, porque uma simplesmente acreditou, fez uso da fé, enquanto a outra só pôde aceitar tal informação após se render às necessárias evidências.

Quando os religiosos mostram que suas crenças estão baseadas em “revelações” estão provando meu ponto. Em ciência, como bem o sabemos, isso é um absurdo total. Imaginem Einstein explicando o espaço-tempo aos seus pares e afirmando: “Não se faz necessária qualquer lei ou equação que o explique. Acreditem em mim; trago-vos a revelação”. Ora, isso não faz sentido algum.

Mas essa é a lógica das religiões. Todas.

Athaide de Vermon, “Manuscritos”, Ed. Veritá, pág. 135

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Experiência

“Sem que você tenha trabalhado nesta área durante 30 anos, em três turnos, não terá direito de me criticar”

Não é verdade. Você pode opinar sobre o trabalho de alguém mesmo sem ter trabalhado dessa forma e com essa intensidade. Esse tipo de postura é prejudicial para o progresso e serve apenas para calar a boca dos críticos e permitir que um mau profissional continue fazendo um trabalho ruim apenas porque é velho (ou experiente) e trabalhou demais. Quando Galileu Galilei expôs sua teoria heliocêntrica contrapôs inúmeros pensadores da época com muito mais experiência que ele. Deveria se curvar à autoridade destes? Ou a própria ciência é produzida e criada através da ousadia de alguns pensadores munidos de sua criatividade?

Não é justo se blindar das críticas selecionando quem pode lhe questionar. A todos é garantido o exercício necessário da crítica, mas é verdade também que estas serão levadas em consideração – com maior ou menor crédito – a partir do lugar de onde são emitidas. Por certo que um sujeito com ampla experiência terá mais condições de questionar, mas isso não impede que esteja por vezes (muito) errado. A ninguém parece justo ser impedido de criticar Bolsonaro com a desculpa “seja parlamentar da direita por 30 anos e só depois venha me criticar”. Não, isso seria indecente. 

Por fim, experiência não é tudo, apesar de ser importantíssimo. É perfeitamente plausível que alguém tenha formas melhores de realizar um trabalho ainda que não tenha dispensado o mesmo tempo que outro sujeito mais experiente. Se isso fosse verdade, e pudéssemos silenciar a voz daqueles que cuja opinião não nos agrada, quase ninguém teria condições de criticar a qualidade do trabalho alheio, e seríamos prisioneiros de uma gerontocracia que só atrapalha a renovação das ideias. Assim, não estou afirmando que a experiência é inútil; apenas afirmo que ela não pode ser o escudo perfeito para a incompetência e a blindagem definitiva para as críticas.

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Serjão dos Foguetes

Sabe qual o drama do Serjão dos Foguetes? O mesmo de quase todos os “produtores de conteúdo” do YouTube: a tirania do papel em branco, o mais terrível dos opressores para quem está conectado ao mundo do entretenimento.

Vamos combinar que existe muito material para falar de astronomia e geofísica – esta última é a área na qual ele tem formação. Há como falar dos achados incríveis do James Webb, das descobertas de exoplanetas, da Lua, de Marte, da viagem interplanetária, de Vênus, do furacão de Júpiter, da vida fora da Terra, de visitantes alienígenas, das teorias sobre o Oumuamua, etc., mas a gente sabe que existem tormentos para quem quer continuar a falar indefinidamente. O primeiro é que, apesar de vasto, estes temas não são infinitos; não há como repetir 4 ou 5 vezes um programa sobre a Lua ou sobre os satélites de Saturno. Desta forma, uma solução encontrada é sucumbir à “síndrome de Caetano”, que é a tendência a dar opinião sobre coisas sobre as quais não tem muito conhecimento. Aqueles que se deixam contaminar por ela acabam falando demais por terem atingido um grau de notoriedade que faz com que jornalistas fiquem insistindo em obter sua opinião sobre temas aleatórios. Eu sei o quanto é difícil ser humilde nessas horas e dizer: “não tenho opinião formada sobre isso”, e ter a grandeza de uma Glória Pires na premiação do Oscar. A maioria sucumbe a ideia ilusória de que sua opinião é indispensável.

Serjão era quase uma unanimidade entre aqueles que gostam de ciência popular. Com seu jeito de nerd, gordão, sorridente, brincalhão, e muito comunicativo, ele explica a astrofísica como se fosse um professor bonachão das séries iniciais de um colégio público. Não se furtava a brincar com o “mundial inexistente do Palmeiras”, com as teses amalucadas dos terraplanistas e com as descrições de visitantes extraterrestres a visitar nosso planetinha. Tudo ia muito bem, e seu canal já havia passado alguns muitos milhares de inscritos e, direi eu, de forma merecida, até porque sou um dos fãs dos seus programas.

O problema começou a ocorrer quando Sérgio Sacani – seu verdadeiro nome – começou a dar mostras de que, além de ser um excelente comunicador e divulgador científico, estava alinhado com as correntes mais conservadoras do pensamento político contemporâneo, flertando com a extrema direita e o bolsonarismo. Quando sua biografia foi exposta surgiram manifestações no mínimo comprometedoras, em especial quando sugeriu a morte do presidente Lula, mesmo que em forma de brincadeira. A partir daí, ficou claro que sua posição no espectro político estava situada muito mais à direita do que gostaríamos, em especial por ele ser um propagador do conhecimento científico. Serjão apoia a ciência ao mesmo tempo em que se aproxima dos grupos que mais a atacam. Também é notória a sua vinculação com figuras icônicas da extrema direita mundial, em especial Elon Musk. Sua defesa se baseava em uma Fake News: um fantasioso diálogo entre o herói bilionário e a “ONU” a respeito de uma doação de 6 bilhões de dólares para acabar com a fome, para a qual ele exigia a “nota” dos gastos para, só então, investir nessa iniciativa. Tudo indica que o diálogo e as exigências do dono da Tesla eram apenas uma forma de propaganda.

A privatização da Petrobrás, que ele defende, é uma das suas opiniões mais controversas. Para ele, “a Petrobrás está cheia de pessoas que não fazem nada, está inchada“. Assim, uma empresa nas mãos de investidores, entregue pelo governo à iniciativa privada, seria uma forma de deixar a empresa mais saudável, usando o velho argumento de que as empresas privadas são mais “honestas” e mais “enxutas”. Para ele, a importância estratégica de ter o petróleo sob o controle do governo é menos importante do que se livrar de funcionários que, segundo ele, pouco ou nada produzem. Também é pródigo em atacar a China, tratando sua ciência como se fosse inferior à americana, o padrão de excelência.

Assim, o que vemos com Sérgio Sacani, longe de ser um desvio na curva, é um padrão no comportamento dos divulgadores de conhecimento nas redes sociais. Assim que ele começou a falar de assuntos como geopolítica, capitalismo, sociedade, privatizações, socialismo, China, Coreia Popular e o significado dos bilionários na sociedade capitalista ficou evidente sua verdadeira essência conservadora. A exaltação do bilionário Elon Musk, visto com ele como um “gênio” e mecenas da ciência, e a de Lula, visto como alguém que poderíamos eliminar, deixa muito clara sua perspectiva de mundo. Porém, não é certo culpá-lo por estas opiniões fora do seu métier; ele na verdade sucumbe à tentação irresistível de ficar tratando de assuntos que desconhece; na maioria das vezes “ouviu o galo cantar mas não sabe onde”. Muito do que ele fala de política, do PT, do Lula, de Elon Musk, da China, da Coreia Popular é suco de senso comum, um amontoado de informações sem fonte e sem qualquer comprovação científica. Essa adesão oportunista aos cânones científicos é o que existe de mais censurável; quando é para criticar os terraplanistas a vinculação à ciência é mandatória; afinal, como tratar destes assuntos e ao mesmo tempo desprezar toda a ciência que sustenta nossa visão do cosmos? Todavia, quando critica os “vagabundos da Petrobrás” não é necessário mostrar nenhuma comprovação de que os funcionários da nossa maior estatal são relapsos – sua percepção pessoal e isolada é suficiente. Ou seja: ciência para quem precisa de ciência; senso comum quando interessa.

Entretanto, eu ainda prefiro esquecer as mancadas do Serjão dos Foguetes e escutar apenas as coisas interessantes que ele apresenta. Acho que é razoável e justo distanciar o autor da obra, o divulgador científico da sua posição política. Por outro lado, que isso fique como ensinamento: o fato de um sujeito ter uma vida acadêmica abundante, rica e ter acumulado conhecimento sobre um tema específico, não garante que tenha informações suficientes para tratar com profundidade outros temas. A compartimentalização do conhecimento nos permite que sejamos doutos em determinada especialidade e totalmente ignorantes em muitas outras. Nosso erro é valorizar as opiniões dessas pessoas fora dos seus domínios, onde eles possuem a mesma profundidade de saber do que qualquer um de nós.

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Ciência

Como já dizia Albert Einstein, “nem tudo que conta se conta e nem tudo que se conta, conta”. Portanto, nem todas as coisas passam a ser valiosas apenas a partir do momento em que podem ser contabilizadas, mensuradas e aquilatadas. O amor, a saudade, os afetos, as tristezas são bons exemplos de emoções que não cabem nas perspectivas experimentais. Entretanto, sem surpresa recebi nos últimos dias a notícia de que uma pesquisadora (cuja fama foi catapultada durante a pandemia de Covid) escreveu um livro denunciando “pseudociências”, entre as quais estavam incluídas duas vertentes de saberes que conheço de perto: a psicanálise e a homeopatia.

Escuto esse tipo de visão positivista sobre o conhecimento científico há mais de 30 anos e acho cansativo contra-argumentar; na maioria das vezes os acusadores agem como cruzados furiosos, montados em seus conceitos rígidos sobre ciência experimental e não aceitam escutar o idioma confuso e sem respostas exatas da linguagem do simbólico e do subjetivo. É simples entender que a ninguém parece viável analisar uma neurose “in vitro”, ou entender uma fobia despregada da história de quem a produziu; também não há como entender as diáteses homeopáticas fora dos conceitos de unicidade e suscetibilidade. Portanto, os limites da pesquisa experimental não são complexos para entender, e a ideia de analisar a realidade apenas pela metodologia que existe – desprezando aquilo que ainda não entendemos – se mostra sempre como uma forma muito arrogante de decodificá-la. No fundo esta propensão a “achar feio o que não é espelho” esconde o medo do novo, do não sabido e o pânico de relativizar o conhecimento que julgam ter conquistado. É mais fácil limitar o universo ao nosso entorno próximo do que admitir que somos apenas poeira de algo infinitamente maior.

Sempre é bom ter a mente aberta para entender as questões da saúde e da doença de forma complexa e criativa. Para algumas práticas – como a psicanálise e a homeopatia, entre outras – imaginar que é possível analisar a efetividade de uma terapêutica sem levar em conta a subjetividade e a suscetibilidade individual é desmerecer o fato de que somos seres de linguagem e vivemos envoltos em um campo simbólico que diante dos mesmos “inputs” estabelece “outputs” muito mais sofisticados e diversos.

Para além desse debate não conheço nenhum analista que tenha o real interesse de chamar psicanálise de “ciência”; a castração envolvida no processo de análise bloqueia em parte o pedantismo de enxergar-se de forma superlativa. Todavia, fica muito claro que o cientificismo contemporâneo trata tudo que não considera ciência (pelos seus critérios) como conhecimento menor. Para alguns pensadores da homeopatia, ela ainda se reivindica como ciência (por suas históricas conexões com a medicina institucional), mas não vejo muito sentido em tratá-la assim. Para mim ela se aproxima muito mais da psicanálise e suas investigações de caráter pessoal e único, por sua vinculação inexorável com a subjetividade e pelas manifestações raras, estranhas e peculiares do processo mórbido no sujeito.

Para finalizar vamos esclarecer algo que me parece importante: a autora dessa publicação foi tratada como sumidade da área médica (apesar de ser bióloga) durante o período da pandemia. Essa notoriedade foi resultado dos ataques que fez às teses bolsonaristas relacionadas à emergência da pandemia da Covid. Dissipada a nuvem que nos obliterava a percepção mais clara dos personagens da crise de saúde, hoje já é possível perceber que se trata de uma fundamentalista que está surfando na fama para levar adiante seu ideário. É também importante ressaltar que ela é consultora de uma gigante multinacional de drogas, a Janssen-Cilag, conforme consta em seu currículo. Isso deixa claro o quanto existe de interesses econômicos muito fortes por trás dessa personagem. Para além disso, trata-se de um clichê muito conhecido na área médica: o “cientista soldado da Verdade que combate a pseudociência”. Na realidade são tão somente clérigos de uma religião positivista, carentes da mais essencial virtude de um cientista: a imaginação criativa. No fundo temem descobrir a imensidão do que desconhecem, e como todos os religiosos, mais do que exaltar sua crença, sentem que é preciso destruir tudo que a questiona e desafia.

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Ciência

Vamos combinar que as pessoas não questionam a “ciência”, mas questionam o uso que algumas pessoas fazem dela. Aliás, é da essência da ciência ser questionada, seus fatos analisados e suas conclusões desafiadas. O racismo já foi científico, o geocentrismo também; Talidomida, raios x em grávidas e Vioxx, idem.

Eu prefiro dizer que só os tolos tem “fé na ciência”, e a minha relação com ela sempre foi de justificada desconfiança. A ciência é a busca do conhecimento, mas é uma criação humana e, portanto, imperfeita e enviesada. Dentro do capitalismo os achados da ciência serão sempre tendenciosos, constrangidos pelo poder econômico e, por isso, precisam sofrer de nós uma legítima e sistemática contestação.

Porém, ao dizer isso, não afirmo que a contestação às ciência produzidas se fará pela irracionalidade ou pelo misticismo, mas com mais ciência, resolvendo as falhas que porventura ocorrem nas pesquisas e estudos produzidos com intenções espúrias.

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Misoneísmo

Existe um preconceito que, apesar de ser bastante prevalente, muitas vezes é escamoteado no discurso cotidiano. Ele se refere às pessoas que produzem uma rejeição ao novo, às novas propostas, ideias, conceitos e perspectivas. A isto chama-se “misoneísmo”, palavra de raiz grega que provém de “mysos” (aversão) e “neos” (novo). Pode ser chamado também de “neofobia”.

Ultimamente eu tenho testemunhado muitas manifestações desta natureza, mas me espanta sempre quando elas surgem de pessoas que se consideram progressistas. Uma das características desse preconceito na área da medicina é a crítica violenta – e até persecutória – contra formas alternativas de pensar e agir com relação a diagnósticos e tratamentos. Estas pessoas – na maioria das vezes integrantes da Academia – gastam um tempo enorme no ataque às medicinas complementares ou mesmo de algumas novidades nos tratamentos de doenças crônicas. Mais do que alertar para a falta de provas consistentes de sua eficácia (quando elas são frágeis ou inexistentes), travestem-se de cruzados da “medicina certa” a atacar os “inimigos” que usam métodos heterodoxos para a cura de seus pacientes.

É curioso este tipo de manifestação porque todos os conhecimentos que hoje consideramos verdades inquestionáveis já foram, em seu tempo de aparição, considerados heresias. Muitos homens de gênio já foram acusados pelos mais variados tribunais, ou condenados à morte por várias formas, apenas por mostrar seu pensamento, o qual diferia da ortodoxia hegemônica de seu tempo. Basta lembrar de Galileu (i pur si muove), de Freud e os ataques que sofreu da Ordem Médica, de Darwin e sua vida reclusa pela violência eclesiástica, entre tantos outros pioneiros para entender que os desafios de enfrentar uma “verdade estabelecida” são tão complexos e sacrificiais quanto absolutamente necessários para o progresso das ideias.

Também é útil lembrar dos inúmeros profissionais da humanização do nascimento no mundo inteiro que lutaram pelos direitos das gestantes e por práticas simples – que hoje são corriqueiras – como a abolição das episiotomias de rotina, presença do pai e/ou do acompanhante, trabalho das doulas, contato pele a pele, amamentação na hora dourada, parto de cócoras, parto domiciliar etc., ações que há poucos anos eram consideradas anátemas e atitudes criminosas, levando muitos destes profissionais ao ostracismo e aos tribunais.

Causa espanto que tal sanha “oficialista” ocorra entre profissionais da saúde que se consideram “humanizados”, os quais se empenham na destruição de linhas de pensamento, filosofias e estratégias de tratamento que são diversas da forma com a qual se associam. Os ataques são inclusive de ordem moral, tentando reforçar a suposta imoralidade dos criadores de uma determinada terapêutica, usando o conhecido “linchamento de reputação”, “ad hominem” e “cancelamentos” de sujeitos “não alinhados”, o que é uma verdadeiro absurdo. Seria como descobrir que Fleming teve uma amante (só um exemplo, nem sei se Fleming um dia foi casado) e abandonou os filhos e, por isso, seria necessário “cancelar” o uso da penicilina.

Lembro bem de uma aula no meu curso de preparação de oficiais, logo após o fim da ditadura, quando um oficial veio nos dar uma “aula” sobre comunismo. Suas palavras iniciais foram “Marx foi um homem muito inteligente, não há como negar, mas foi um péssimo pai de família”. A ideia – que o bolsonarismo elevou à máxima potência – é fazer as versões fantasiosas da moralidade eclipsarem o trabalho, o brilho e a luta de um adversário no campo ideológico.

De certo temos que a necessidade premente de desmerecer as propostas alternativas no campo da saúde demonstram a imensa fragilidade que algumas pessoas têm nas suas crenças sobre a superioridade do modelo hegemônico da medicina intervencionista, medicamentosa, exógena e bioquímica. Sua visão sobre a teleologia da medicina – o sujeito à mercê dos tratamentos médicos e a intervenção drogal e cirúrgica como ferramentas por excelência de cura – não pode ser questionada, e os contraditórios a ela precisam ser violentamente atacados.

Guardadas as proporções, é o mesmo movimento das pessoas que atacam as “formas alternativas de expressão sexual”. Não basta apenas exercer sua sexualidade da forma como deseja; é preciso atacar a ideia de que a sexualidade tem uma gama infinita de manifestações, gozos e prazeres diferentes do padrão social. É preciso destruir as outras formas de encontro como “ameaças” à sexualidade “correta”. Na verdade, esse ataque na maioria das vezes é a tentativa desesperada de destruir as dúvidas que o sujeito nutre sobre sua própria sexualidade, frágil, insegura e cambaleante.

“Segundo o Ministério da Saúde do Brasil as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.” Destaco aqui a ênfase no “vínculo terapêutico” e na visão “integrativa” do sujeito, corpo e alma. Esse é o espírito da maioria dessas modalidades que, afastando-se do rigor cartesiano, escapam da concepção de máquina para buscar o tratamento do organismo complexo que adoece.

Nunca tive dúvida alguma que o progresso da medicina só poderia ocorrer através das visões que se distanciassem da “humani corporis fábrica” vesaliana para uma visão do adoecimento que compreenda o ser humano como uma unidade reagente bio, psico, social e espiritual. Portanto, as terapias que buscam esta perspectiva integrativa deveriam ser estimuladas, jamais atacadas, pois é delas que poderá surgir uma nova forma de pensar medicina.

Ainda segundo o Ministério da Saúde, o número de municípios que ofertaram atendimentos individuais em PICS (práticas integrativas e complementares) é de 3.024, estando presente em 100% das capitais. Já houve 2 milhões de atendimentos em UBS, sendo 1 milhão em medicina tradicional chinesa, 85 mil em fitoterapia, 13 mil em homeopatia e 926 mil em outras formas de atenção que ainda não haviam sido catalogadas. A atenção Básica teve 78%. desses atendimentos, mas 18% ocorreram em casos de média complexidade e 4% naqueles de alta complexidade.

Andreas Vesalius

Para concluir, eu creio que atacar as novidades na área da medicina de forma violenta, acusatória e irracional desnuda muito mais os medos e temores de quem faz tais ataques do que as propensas fragilidades dos tratamentos alvos de críticas. Não se faz ciência com o fígado. O verdadeiro cientista é respeitoso com as visões discordantes e está sempre aberto para o que é novo. As certezas, sejam positivas ou negativas, são elementos necessários nas religiões, jamais no espírito científico, o qual se nutre essencialmente da dúvida. Manter o espírito aberto e a cabeça arejada nos oferece uma janela maravilhosa para o descobrimento, a surpresa e a esperança das novidades.

(Capa de “De Humanis Corporis Fabrica” do médico belga Andreas Vesalius, publicado em 1543, considerado um dos livros científicos mais influentes da história da humanidade, em especial pelas suas ilustrações, xilogravuras de altíssima qualidade. Aliás, Andreas Vesalius também foi duramente perseguido por ousar desafiar as ideias correntes e oferecer uma nova forma de abordagem da medicina à humanidade. Ele foi condenado à morte pela Inquisição sob a alegação de que tinha dissecado corpos humanos. Para escapar à fogueira, sua pena foi substituída por uma peregrinação à Jerusalém. Na viagem de volta, adoeceu e morreu na ilha de Zante (ou Zacyn) na então República de Veneza, na costa da Grécia).

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Joe Rogan

Essa pandemia está colocando em perspectiva muitas coisas. Parece que era mesmo necessário ocorrer uma situação limite pra gente saber quem mantém seus princípios mesmo na adversidade e quem se refugia na censura e no arbítrio.

Pense nas questões abaixo:

* Se há alguns meses você dissesse que alguém poderia contrair a doença e continuar transmitindo o vírus mesmo após se vacinar seria imediatamente vítima de “cancelamento”;

* Há poucas semanas se você dissesse que máscaras de pano eram pouco efetivas ou inúteis seria chamado de “negacionista”;

* Se no ano passado você dissesse que os Estados Unidos e Fauci estavam envolvidos em estudos sobre “gain of function” de vírus em Wuhan – e que isto estaria implicado na origem da pandemia – seria chamado de “conspiracionista”.

Todas essas hipóteses hoje são aceitas por estudiosos e pesquisadores. Todas elas vieram à tona porque cientistas teimosos e contra-hegemônicos continuaram a debater e questionar a versão oficial mesmo sofrendo perseguições. Ciência é curiosidade, método e dúvida; as certezas são prêmios de consolação que o Criador oferece para os tolos e os dotados de mentes frágeis.

Marx já dizia que “A estrada para o inferno está pavimentada pelas boas intenções”. Um cientista não pode justificar seus preconceitos com a desculpa dos “nobres interesses”. Quem não suporta o contraditório procure um lugar que aceite os dogmatismos para se expressar. Quem acha que ciência é profissão de fé e que a censura de vozes dissidentes tem justificativa na democracia, deveria buscar abrigo na religião, e não no conhecimento científico. 

Pergunto: as pessoas que hoje cancelam Spotify e Joe Rogan por serem articuladores do “negacionismo” por acaso cancelaram Neil Young quando ele disse que não aceitaria receber um pacote de batatas de um caixa de supermercado gay, por medo de contrair AIDS?

Bidu…. eu avisei.

Spotify publica uma carta de apoio ao Joe Rogan e à plena liberdade de expressão do seu programa, literalmente mandando Neil Young e demais canceladores se lixarem. Que assim seja feito com todos os negacionistas da liberdade de expressão e do livre debate sobre temas espinhosos, em especial quando essa censura tende a favorecer impérios econômicos transnacionais.

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Religiões

Não creio…

Quem acha que as religiões podem acabar pelas luzes da ciência não entendeu nada de religião e nada de ciência. A ciência investiga o que é conhecível enquanto a religião questiona o possível. Todos os avanços científicos dos séculos XIX e XX não arranharam em nada o significado cultural das religiões, e só se surpreende com isso quem pensa que religião é “ciência ruim”. As religiões continuam firmes e fortes, e no mundo inteiro.

As religiões são compilações de valores de uma cultura num determinado tempo. Elas investigam os sentidos últimos do universo, algo que a ciência não se importa, pois não é o foco de sua atenção. Por isso, posso garantir que dentro de mil anos ainda haverá perguntas sem respostas e, apesar dos avanços da ciência, precisaremos das religiões, idiomas comuns que continuarão a nos oferecer possibilidades, perspectivas e caminhos.

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Sommelier de Vacina

Por que nos ensinam a ler o rótulo da margarina e aprender sobre os tóxicos contidos nos alimentos embutidos mas passou a ser CRIME e ato de estupidez questionar-se sobre os elementos constitutivos de uma vacina? E veja: criticar as vacinas – produtos das indústrias mais criminosas do planeta – passou a ser visto como negacionismo. Fazer PERGUNTAS passou a ser um ato terrorista. No mundo inteiro milhares de pessoas relatam transtornos graves em relação ao uso de vacinas, pessoas estas absolutamente hígidas previamente ao seu uso. Por que seria inadequado questionar-se sobre isso?

Muitos dirão que essas fatalidades são matematicamente irrelevantes diante dos benefícios possíveis da vacina. Seria assim como os riscos normais da vida: andar de carro, de avião, atravessar uma rua, etc. Pode ser verdade, mas o que é questionável é a propaganda que tenta silenciar qualquer grupo ou pesquisador que pretenda investigar a fundo a efetividade e a segurança de tais drogas. Isso pode ser qualquer coisa, menos ciência.

Minha postura sempre foi claramente crítica à indústria farmacêutica. Sigo a linha de grandes personalidades como Marcia Angell e Peter Gotzsche que denunciam estas indústrias como “máfias” e “indústrias da morte”. Não tenho uma posição antivacinista (aliás, até já me vacinei), mas exijo que os mesmos critérios de segurança e efetividade que foram usados para riscar do “mapa da boa conduta” drogas como Hidroxicloroquina e Ivermectina (até aqui consideradas ineficazes por diversas instituições importantes) sejam utilizados para avaliar a segurança e a efetividade de drogas usadas em pessoas sãs – como são as vacinas aplicadas nessas epidemia.

Percebam que as tecnologias usadas nas distintas vacinas são completamente diferentes entre si, e por isso mesmo as pessoas PRECISAM ser informadas dos riscos e benefício que a ciência produziu sobre qualquer uma delas. Não é pedagógico tratar os pacientes como “Sommelier de vacina” apenas porque – finalmente!!! – resolveram tomar para si mesmos a conduta de avaliar prós e contras de cada uma das medicações a eles oferecidas.

Chamamos por acaso as gestantes de “Sommelier de Parto” quando elas e seus companheiros decidem – baseados em suas crenças e valores – escolher o tipo de parto que mais se adapta às suas crenças e visões de mundo? Tratamos de maneira jocosa as pessoas que escolhem um estilo de vida mais natural no campo e próximos à natureza como “Sommelier de Oxigênio”?

Então é hora de pararmos com as críticas ao protagonismo das pessoas em relação à sua própria saúde e faz-se necessário que sejamos mais conscientes da propaganda que se espalha descaradamente pelas empresas farmacêuticas, ávidas para que tenhamos uma fé cega e acrítica em seus produtos.

Talidomida e Vioxx mandam lembranças.

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Sobre botes em oceanos revoltos

Vez por outra aparecem matérias – em geral sensacionalistas e com relatos anedóticos – a respeito de partos domiciliares planejados e até episiotomia, com a clara intenção de criticar os primeiros e exaltar a necessidade da segunda.

Não há dúvida de que, procurando bem, você pode encontrar artigos pequenos e sem relevância autoritativa para questionar, criticar ou exaltar qualquer coisa, em especial procedimentos médicos. Pode-se criar e desfazer gráficos de morbidade com relativa facilidade, bastando para isso torturar as estatísticas para que falem o que desejamos ler. O estado da arte, entretanto, é da qualidade e segurança do atendimento domiciliar e da inutilidade – e mais ainda, o efeito deletério – das episiotomias quando aplicadas como procedimento de rotina durante a assistência ao parto. Isso é o que – neste momento da história – nos fala a “Saúde Baseada em Evidências”.

Entretanto, esse debate só faz sentido se tivermos noção de que a ciência não se comporta como um bote que se move em um lago plácido e imóvel usando as evidências e provas como remos. Muito pelo contrário: o bote está em alto mar, sendo jogado para todos os lados pelo vento das energias culturais, equilibrando-se sobre gigantescas correntes oceânicas, as quais são comandadas pelo capitalismo e pelo patriarcado, as duas principais forças a movimentar as águas dos comportamentos, mas também de dados, pesquisas e estudos.

Desta forma, é lícito entender que episiotomia e parto domiciliar NÃO são debates exclusivamente médicos, mesmo que a medicina e a obstetrícia possam fazer ciência com estes eventos. Em verdade, eles são enfrentamentos de ordem FILOSÓFICA, com algum embasamento científico e consequências médicas.

A origem da disputa entre estas vertentes não está nos gráficos de morbimortalidade materna e perinatal, mas na forma como a sociedade enxerga a função social e a autonomia das mulheres sobre seus corpos. Todo o arcabouço científico é produzido A PARTIR das visões filosóficas primordiais que estabelecemos sobre esse tema central, e só depois disso as pesquisas se moldam para atacar ou refutar estas premissas.

A simples pesquisa sobre episiotomia e parto domiciliar já denuncia um preconceito que nos obriga a perguntar: por que é necessário debater sobre a integridade física de uma mulher ou sobre seu direito de ser assistida onde desejar? Por que é claro e nítido que nenhuma pesquisa assim seria feita com homens? Por que achamos justo questionar direitos humanos reprodutivos e sexuais básicos das mulheres, e jamais dos homens?

A medicina jamais será a linha de frente das modificações na atenção, pois que apenas reflete, dissemina e amplifica valores profundamente relacionados à nossa estrutura social.

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