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Realidade paralela

É sempre curiosa a reação da direita sobre este tipo de notícia. Parece que, para as pessoas ligadas ao conservadorismo nacional, estes fatos escandalosos não fazem qualquer diferença para o conceito que guardam desses políticos. Na cabeça do direitista padrão, o feminicídio, a corrupção, o parlamentar abusador, o deputado que deu tiros na namorada, a incompetência, a tragédia por descuido com a coisa pública ou a simples falta de resultados positivos no governo são irrelevantes; parecem não causar qualquer efeito negativo. Aposto como o Governador Caiado, mesmo que seu braço direito esteja envolvido em um caso de tamanha gravidade, não vai sofrer queda na sua popularidade. Não importa o tamanho do escândalo; para os seguidores da direita o que conta é combater o comunismo, atacar falta de Jesus na esquerda, defender a família e questionar os banheiros neutros.

Ou seja, para esta franja à direita da própria direita, os resultados positivos do governo Lula são desimportantes – ou falsos. O que conta é sempre uma versão fantasiosa e moralista da realidade, onde os comunistas (ou seja, qualquer coisa que possa se encaixar nesse conceito) são sempre seres malignos que desejam destruir a estrutura da sociedade ocidental. A crítica, como sempre é moral, tenta atingir a honra e o caráter de qualquer sujeito à esquerda. Para estes moralistas uma realidade paralela é construída; neste mundo criado, qualquer ação social dos governos da esquerda (como o programa Pé de Meia, que objetiva manter as crianças na escola), existe sempre um interesse malévolo e maligno, cujo único interesse é criar currais eleitorais, comprar votos, ideologizar a escola, etc.

Com esse nível de irracionalidade, é impossível estabelecer qualquer debate decente. A pressão precisa vir da população, extirpando estes oportunistas do cenário político brasileiro.

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Império em queda

Hoje assisti um vídeo exaltando os Estados Unidos mediante uma estratégia conhecida: o preço mais baixo de produtos como carros, televisores, aparelhos eletrônicos, etc. comparando o poder de compra do trabalhador de lá com os salários pagos aqui no Brasil. O articulista analisava esses valores como se não houvesse um sistema internacional que privilegia a transferência de riqueza para o centro do Império, tornando os produtos lá mais baratos e o salário dos técnicos mais altos. Reduzia a sua análise ao conhecido “o liberalismo produz bem-estar”. Esquecia que a dolarização é o imposto que o mundo inteiro paga para que o cidadão comum americano tenha um poder de compra maior.

É impressionante a incapacidade da nossa classe média de desenvolver consciência de classe. Continuam achando que estão próximos da burguesia e longe dos assalariados e proletários, quando a realidade é o oposto. Enquanto isso, acreditam que os problemas brasileiros, e de resto de todo o sul global, são os impostos excessivos ou os “maus políticos”, como se nos Estados Unidos não estivessem reunidos os políticos mais corruptos do mundo – basta ver o perdão ao filho do presidente Biden, corrupto condenado e que recebeu um indulto imoral e injusto, mostrando que as pessoas não são julgadas de forma equilibrada. As pessoas aqui ao sul do equador não conseguem ver que o valor pago para um trabalhador da construção civil ou para um atendente do Mac Donald’s tem a ver com o dinheiro que circula no país e a transferência de renda para a centralidade do capitalismo, e não com o sistema político ou o valor baixo dos impostos embutidos nos produtos, como carros, televisores, computadores e lanchas. Isso não é sinal de equilíbrio, mas de opulência.

Em Nova York, a média salarial de um engenheiro civil é de 97 mil dólares por ano, enquanto na China comunista é de 108 mil anuais; lembrem que no comunismo chinês os cidadãos também pagam impostos, e não esqueçam que a China se tornou uma nação rica e poderosa apenas nos últimos 30 anos. Além disso, as pessoas que apontam a inexistência de um sistema de saúde universal como o SUS nos Estados Unidos estão corretas. Neste ano de 2024, 500 mil famílias pediram insolvência jurídica pela incapacidade de pagar as contas médicas. Meio milhão de famílias faliram devido ao valor absurdo de suas contas de hospital!! Pessoas morrem por falta de remédios e muitas preferem se arrastar acidentadas até um táxi do que chamar uma ambulância quando ocorre um acidente, pois a viagem com uma ambulância particular pode custar a totalidade do seu salário. Não é por acaso que Brian Thompson, CEO de uma das maiores empresas de saúde do mundo, foi assassinado por um jovem que teve benefícios negados por sua empresa. A companhia UnitedHealthcare, a unidade de seguros do provedor de serviços de saúde UnitedHealth Group, é a maior seguradora dos EUA, mas o cidadão médio americano odeia as empresas que lucram com a saúde, e por isso o suspeito do crime está sendo tratado como herói pelas redes sociais.

De acordo com registros do ano passado, mais de 650 mil pessoas não tinham moradia nos Estados Unidos, morando em barracas, em especial nas ruas das grandes cidades americanas, como Los Angeles. Com o estresse constante pelas guerras infinitas e pela estrutura competitiva da sociedade, a epidemia de opiáceos mata mais de 80 mil pessoas por ano. Enquanto um engenheiro civil nos Estados Unidos pode ganhar 9 mil dólares mensais, milhares de trabalhadores regulares não conseguem ganhar o suficiente para pagar um aluguel e moram em seus carros. No país mais rico do mundo, 400 mil pessoas vivem em seus veículos, muitos deles com contrato de trabalho regular. Essa exaltação do “American way of life” é anacrônica, datada, velha e equivocada. A disparidade de riqueza atingiu seus limites mais altos da história. Com o fim da dolarização que se acelera e deverá ocorrer nos próximos anos, a crise será incontornável e o cenário mais óbvio será a guerra civil – que só não ocorreu ainda porque Trump venceu as eleições.

É triste ver tanta gente tola achando que a solução é cortar impostos e ter menos políticos. Sabem onde não há impostos? Coreia Popular. Sabem onde político trabalha totalmente de graça, sem receber nenhum salário? Em Cuba. Enquanto perdemos tempo debatendo preço de carro, como se isso fosse um indicador de felicidade, esquecemos que 20 mil pessoas morreram assassinadas nos Estados Unidos em 2023. No “Brasil capitalista” houve 45 mil homicídios em 2021, enquanto na China, menos de 7 mil, para uma população de 1 bilhão de habitantes. No Japão menos de 300 pessoas pereceram dessa forma. Que sociedade de opulência, felicidade e valorização de trabalhadores é essa em que tanta gente mata?

E a drogadição? O que dizer da dependência de remédios – em especial os estupefacientes – da sociedade americana? O que dizer de uma sociedade cujos programas na TV tem propaganda de drogas e advogados o dia inteiro? Metanfetamina, crack, cocaína, Fentanil, etc. são problemas de saúde pública gravíssimos. Os Estados Unidos são uma sociedade que tem 4 milhões de usuários de cocaína, e as mortes pelo uso de drogas batem recordes todos os anos. É essa sociedade que desejam mostrar como exemplo? Só porque os carros – que matam 40 mil todos os anos nas estradas americanas – são mais baratos? Isso significa uma sociedade mais equilibrada, mais progressista e onde existe a valorização do trabalho?

O capitalismo e o imperialismo são sistemas moribundos, cadáveres insepultos, mas ainda é possível ver aplausos para um modelo que não consegue resolver suas contradições, como a concentração acelerada de riquezas e a criação de uma legião de miseráveis distribuídos pelo mundo. Há, sem dúvida, valores e virtudes naquele país – como a defesa da liberdade de expressão – mas é um modelo de sociedade que não conseguiu resolver os problemas centrais da economia capitalista, conforme previu Marx ainda no século XIX, e precisa ser substituído por um sistema mais justo e que ofereça qualidade de vida para a maioria da população, e não para uma minoria de capitalistas cada vez mais concentrada.

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Os idosos

A maioria das pessoas da minha idade são conservadoras na política e nos costumes; isso é um fato que não é difícil de constatar. “Eu gosto desse político porque ele não é radical”, dizem. Ou, em contrapartida, “não gosto do fulano; ele é um radical, e os extremos são sempre ruins”. Quando elogiam uma personalidade pública fica nítido que se deixam ofuscar pela imagem de mídia que é produzida sobre ela, na maioria das vezes fantasiosa, produzida nos laboratórios de imagem das empresas que se ocupam da vida de celebridades. “Ahh, o fulaninho é uma pessoa super simples. Sabe que ele doou 1 milhão para os flagelados?”. Nessa fase da vida é muito comum que os “maduros” comecem a se interessar pela religião, pela morte, pelo cristianismo e coisas afins. Também os coroas se tornam céticos em sua visão política, alguns no nível do negacionismo; tornam-se ranzinzas, rabugentos e não acreditam haver possibilidade de que suas utopias da juventude possam se materializar.

“É sempre a mesma coisa, os políticos são todos iguais, é a roubalheira de sempre”. Via de regra, colocam os problemas políticos como afecções de caráter, máculas morais, não estruturais. Muitos acreditam na ideia de um “messias” no governo, no “bom ditador”, na “censura do bem”, “na ação enérgica da polícia”. Para estes, as pessoas que chegam ao poder político são corruptas, egoístas, espertas e desonestas. Curiosamente, não dizem o mesmo dos banqueiros, dos mega empresários, dos herdeiros, dos rentistas e nem sequer do próprio empresário que corrompeu o político. “Ahh, mas ele só fez isso para sobreviver e manter o emprego dos seus empregados”. Os políticos são sempre os que mais apanham: “Não sobra um, é preciso acabar com tudo isso que está aí, e colocar pessoas técnicas em posição de comando”. Assim, o Ministério da Indústria seria de…. um industrial, o da saúde deveria estar na mão de um médico, o ministério da agricultura, controlado por um latifundiário, etc., mas os coroas não pensam que estas posições sejam ocupadas por um operário, uma técnica de enfermagem ou um agricultor familiar, por certo. Seria radical demais.

Na maturidade o vigor das utopias e o colorido dos sonhos de uma sociedade mais igualitária vão desbotando paulatinamente. Não passa um dia sequer que eu não veja um colega de escola ou faculdade fazendo coro às manifestações mais reacionárias do momento, agindo de uma forma absolutamente individualista, falando de seus interesses próprios e sem qualquer perspectiva para a sociedade. Seu pensamento parece ser “Bem, já que meus sonhos de igualdade não vão acontecer, melhor que eu garanta um pouco de conforto na minha velhice; afinal, quem mais do que eu merece um descanso digno?”

Os antigos já diziam que o grande avaliador da honestidade é ter em mãos a possibilidade de efetuar o delito e mesmo assim recusar (ou recuar), o que me parece justo. Afinal, denunciar o suborno de alguém quando nunca teve sua honestidade realmente colocada à prova é sempre tarefa muito fácil. Da mesma forma eu digo que a grande prova do idealista e do sonhador é envelhecer mantendo jovens e vibrantes os seus ideais, sem deixar-se sucumbir pelo negativismo, pelo derrotismo e pelo cinismo. Manter suas ideias joviais, nutridas pela esperança e pela visão positiva do mundo é o que nos mantém jovens, mesmo quando a carroceria já não tem mais o vigor dos anos dourados. Por isso eu aceito ser comunista, espirita laico, internacionalista, anti-imperialista e ativista pelo parto normal, mesmo tendo plena consciência de que não estarei aqui para ver nenhum dos meus sonhos de adolescência se tornarem realidade.

Tomem aí, meus netos, a semente que vos deixo…

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Teias

No século XV, um padre no norte de Portugal chamado Francisco da Costa, teve 299 filhos de 53 mulheres diferentes, entre elas várias parentes diretas. Por causa dessa vida pecaminosa e recheada de escândalos, ele foi condenado pela igreja de forma exemplar. Sua sentença foi “Francisco da Costa será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou”.

Entretanto, não foi tão ruim o final de vida do padre devasso. “El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou pôr em liberdade aos 17 dias do mês de março de 1487 com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo”. Ou seja, os mesmos atos de devassidão poderiam ser vistos como criminosos, indecentes, brutais e inconsequentes, ou como acões positivas para um bem maior, ou seja, o povoamento da região desértica daquela parte do reino de Portugal.

É dito que Napoleão Bonaparte falava que “são tantas as leis que qualquer cidadão corre o risco de ser guilhotinado”. Ou seja, dependendo da interpretação de um magistrado, sua cabeça poderia não valer nada, bastando para isso variar o humor com o qual ele lhe julgaria. Se ele tivesse acordado com constipação pela manhã, sua cabeça poderia estar numa cesta, à noite. Uma ação comezinha e banal poderia ser interpretada como grave, bastando para isso os interesses envolvidos.

Balzac dizia que a lei é uma “teia de aranhas curiosa, que deixa passar os grandes insetos e aprisiona os pequenos”. A sentenças que inocentam figuras nefastas da política brasileira servem para mostrar que a boa vontade dos que julgam é muito mais importante e determinante do que os fatos concretos e a própria lei. Para quem é um inseto minúsculo – o cidadão comum – é forçoso aceitar que uma justiça dos poderosos jamais vai produzir equidade. A devassidão e a imoralidade das práticas de um juiz corrompido pela vaidade e pelo poder não receberam – e não acredito que venham a receber algum dia – qualquer punição ou mesmo reprimenda. Para estes insetos gordos, as teias da lei são frágeis e inoperantes.

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Imprensa

Eu costumava escutar rádio pela manhã, ao dirigir para o consultório. Sempre ligava num programa de informação e entrevistas de uma estação filiada à Globo da minha cidade. Em uma dessas manhãs, próximo do impeachment da presidente Dilma, o programa matutino entrevistou o então promotor do MP Federal Deltan Dalanhol, que naquele momento desfrutava a condição de celebridade, e estava no auge da fama. Acumulava palestras e viagens, inclusive nos mais importantes “talk shows” da TV brasileira. Logo após a entrevista, que descrevia com entusiasmo mais uma das operações midiáticas da Lava Jato, o âncora da estação de rádio fez uma declaração apaixonada para o “garoto de bochechas rosadas”, deixando clara sua admiração pelo “grande brasileiro” que estava acabando com a corrupção e os corruptos, colocando a impunidade dos poderosos em nocaute. Nada poderia ser mais explícito do que a admiração daquele jornalista ao justiceiro da Lava Jato.

No horário do almoço, no intervalo das consultas, eu escutava o programa mais longevo do rádio do meu estado: o Sala de Redação, uma resenha de futebol, cotidiano e costumes que ocorre todos os dias de semana a partir das 13h há mais de 40 anos. No dia em que o ex-juiz Sérgio Moro assumiu o Ministério da Justiça o debate (sobre futebol) foi interrompido para transmitir seu discurso de posse. Quando ele terminou sua “elegia ao punitivismo”, o programa foi retomado com aplausos e elogios rasgados ao ex-juiz por parte de toda a bancada, tratando-o como um herói nacional, um ícone da justiça, que estava diante da chance de colocar seu nome na galeria de grandes personagens históricas da República. “Ele é a nossa grande esperança”, disseram alguns. Por “nossa” eles, por certo, falava em nome da classe média ressentida, aquela franja da população que sempre foi o suporte para o bolsonarismo.

Lembro com detalhes dessas datas porque estes foram os últimos programas de notícias e opinião que escutei no rádio. Deixei de ouvi-los ao notar que a imprensa estava totalmente cooptada, agindo em sintonia para dar apoio a um governo de absurdos, capturada pela propaganda anti-esquerda, anti-Lula e em ataque constante ao PT, que fechou os olhos durante vários anos para o despreparo de Bolsonaro, sua incompetência e sua desonestidade, assim como para os abusos evidentes do Ministério Público Federal e do juiz Sérgio Moro. A mesma imprensa que fez livros exaltando o juiz Moro e a Operação Lava-Jato e que jamais empreendeu uma mea-culpa, jamais se desculpou das mentiras e dos “canos de esgoto“, e que nunca realizou a necessária autocrítica sobre o desastre de sua cobertura jornalística, das jornadas de junho até a prisão de Lula.

Quando na noite de domingo de 9 de junho de 2019 foram divulgadas as provas do “hacker de Araraquara” – Walter Delgatti – inicialmente pelo Intercept na figura do seu antigo representante, o jornalista americano Glenn Greenwald, o Brasil parou. Daquele momento em diante os caçadores se tornaram caça, e o mundo de fantasias criado para elevar à condição de heróis nacionais um juiz parcial e procuradores alucinados do Ministério Público começou a se desmanchar como um castelo de areia com a chegada da maré alta. Essa foi a primeira etapa de um longo processo de desconstrução, e que agora joga os personagens Moro e Dalanhol no fundo do poço. Pessoalmente, senti alívio ao constatar que estivera certo o tempo todo, e que não errei ao abandonar a audiência das empresas do jornalismo corporativo que deram o suporte para os golpes em sucessão que se abateram sobre nosso país, jogando na lama sua credibilidade. Não sinto falta alguma da manipulação a que todos somos submetidos cotidianamente pelo jornalismo burguês e hoje posso dizer que perdi a confiança em qualquer empresa jornalística cujos compromissos com quem a financia impede a emergência da verdade. Jornalismo só existe se for livre; sem isso temos apenas propaganda e jogo de interesses travestidos de notícia.

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Jornadas, uma década depois

Estive com a minha família nas jornadas de junho em 2013, mais por curiosidade do que por interesse em participar de algum ato político. Eu já tinha iniciado meu rompimento definitivo com o reformismo e com a esquerda liberal, portanto não trazia comigo muita fé nas manifestações limpinhas da classe média. Chegando ao lado do Palácio do Governo a população se aglomerava enquanto se ouviam os gritos de “chega”, “abaixo a corrupção”, “não é pelos 20 centavos” entre outros bordões, que se tornaram famosos à época. Havia um nítido entusiasmo juvenil, parecido com o movimento surgido poucos anos depois que defendia o uso de shorts curtos pelas meninas de uma escola burguesa da capital do Estado. Confundíamos a puerilidade das liberdades burguesas com exercício da cidadania.

Na rua estava a classe média. Não havia operários serventes, trabalhadores, empregadas ou faxineiras. Claro, havia pobres, mas estes aproveitavam para vender refrigerante e cachorro quente para os jovens da pequena burguesia. Entrementes, algo me chamou a atenção logo que cheguei ao evento: percebi uma estrutura organizada para receber os inflamados discursos, o que deixava claro a existência de uma fonte de recursos que promovia o evento. “Quem paga?” perguntei retoricamente, recebendo de todos o silêncio como resposta.

Subindo pela rua que fica ao lado do fórum em direção à praça da Matriz, eu vi um pequeno grupo de não mais do que meia dizia de jovens tentar desenrolar uma grande bandeira vermelha com duas ferramentas pintadas de amarelo cruzadas ao centro. Foram imediatamente impedidos de fazê-lo por um grupo bem maior de transeuntes que seguiam na mesma direção. O grito deles ecoa até hoje: “Sem partido, sem partido”, gritavam. Para minha surpresa o grito percorria como eco pelas redondezas, chocando-se com as paredes externas da catedral e atingindo com força o Palácio do Governo onde, à frente, erguia-se o palanque. Como assim “sem partido”? Por que haveria a necessidade de bloquear a paixão partidária, a perspectiva política que unia os sonhos de grupos de cidadãos? E por qual razão estávamos todos juntos em manifestação? Contra o quê? Contra quem? Por qual ideal?

Para um bom observador seria fácil entender que a luta era contra a própria política. Foi nessas manifestações que surgiu o MBL, um movimento de direita, que surgiu à margem dos partidos, cuja intenção era expurgar a esquerda do cenário nacional através das redes sociais, das mentiras repetidas “ad nauseam”, das “fake news”, do deboche, do ataque ao feminismo, às liberdades civis e com uma paixão explícita ao neoliberalismo. Apesar de ter surgido fora das organizações partidárias, logo depois seus representantes se uniram aos partidos tradicionais da direita brasileira. “Sem partido, se for de esquerda e popular; se for partido burguês está liberado“. Não só isso; eles foram partícipes diretos do golpe de 2016 emprestando apoio a Eduardo Cunha e aos atos a favor do impeachment fraudulento. O cerne das reivindicações era destruir a própria política, transformando-a em uma prática tecnocrática bem afeita ao “fim da história”.

Os avanços da esquerda com os governos de Lula e Dilma se tornaram insuportáveis à burguesia. Não havia como aceitar o risco de que, findo o governo Dilma, o PT lançasse uma nova candidatura e completasse duas décadas de poder. Havia que se criar um ataque moral à esquerda, pois que era difícil criticar governos que haviam produzido uma melhora significativa em todos os parâmetros da vida nacional. Assim como os ataques à Getúlio, Juscelino e Jango o foco seria a moralidade, o “mar de lama”, a roubalheira, a sujeira ética. Não foi possível com o mensalão, mas seguiria com as “pedaladas” e depois com o Triplex e o sítio de Atibaia. O sucesso dos seguidos ataques nos levou a seis anos de retrocessos com Temer e Bolsonaro, e a destruição de inúmeras conquistas populares.

Existem duas vertentes na esquerda para explicar as jornadas. A primeira diz que as manifestações foram orgânicas, fruto da insatisfação popular, mas que saíram do controle e foram sequestradas pela direita, pelos agentes da burguesia e pelo mercado financeiro. A outra vertente é que as “jornadas” foram desde o início pontas de lança para o golpe, organizadas desde o princípio para tal, assim como as primaveras coloridas, as manifestações na Praça da Paz, o Euromaidan e todas as outras iniciativas imperialistas pelo mundo afora. Ou seja, havia um dedo da CIA nas manifestações, da concepção estratégica à execução.

Eu não tenho mais nenhuma ilusão quanto à capacidade do Império de financiar golpes, por isso acredito que eles estiveram por trás dessas iniciativas desde o seu surgimento. Escolha você em qual perspectiva prefere acreditar. Eu creio, como Lula, que por pior que possa parecer à vista desarmada, não há solução melhor para um país que não passe pela política. Suprimi-la, por seus inquestionáveis defeitos, significa abdicar da própria vida democrática.

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Intocáveis

Eu vi sem surpresa as imagens da carreata fracassada e melancólica protagonizada por Deltan Dalanhol em Curitiba após ser defenestrado do seu mandato de deputado. Vi também a minguada manifestação que contou com ícones do direitismo fascistoide brasileiro convocada para a mesma cidade. Ao ver as cenas constrangedoras eu pensei que esta é a imagem mais completa e definitiva da debacle da Lava Jato. Quem imaginou que haveria milhares de pessoas nas ruas apoiando o líder, outrora poderoso, da Lava Jato também sucumbiu à ilusão que durante anos foi estimulada pela mídia sobre os promotores “intocáveis” do Ministério Público de Curitiba.

Eu tenho uma perspectiva bem pessoal sobre o fato. Quando vejo Deltan indignado, gritando para ninguém em cima daquele carro de som, eu lembro da pergunta que ele fez ao público do Jô Soares quando convidado ao seu programa, ainda no auge da popularidade da operação. Disse ele, dirigindo-se à plateia: “Quem acredita que a Lava Jato vai mudar o Brasil?”. Quase ninguém levantou o braço, assim como quase ninguém estava na rua a lhe dar suporte depois de sua queda. Deltan é vítima de uma ilusão sobre si mesmo, sobre seu poder e também sobre a transcendência de sua “missão”.

Deltan foi vitimado por um ego inflado que fugiu do controle. Ele se acreditava um mensageiro de Deus, um “messias”, um templário da Ordem de Cristo para combater os monstros da corrupção. Para isso – uma tarefa inquestionavelmente nobre – não seria errado atropelar as regras, descumprir as leis, burlar as normas, fazer acertos espúrios com nações estrangeiras, aceitar bilhões para a criação de um “instituto” de combate à corrupção e atacar inimigos políticos com as armas da lei e o poder que lhes foi delegado – leia-se lawfare. Vejo esse personagem recente do drama polìtico do Brasil como alguém que se acreditava um “intocável” – uma referência ao filme de Brian de Palma de 1987 sobre os promotores que prenderam Al Capone em Chicago. A diferença é que o alvo dos ataques dos intocáveis tupiniquins era o maior estadista do mundo contemporâneo, e os crimes a ele imputados eram criações fraudulentas com motivação política. Não sobrou pedra sobre pedra do PowerPoint mais infame da história recente do Brasil

Não vejo Deltan como um bandido, apesar de acreditar que cometeu vários crimes. Vejo-o principalmente como um fanático, alguém cuja visão em túnel lhe retirou a perspectiva do compromisso com as leis. Entendo-o guiado por uma crença cega em sua Verdade, certo de estar lutando pela limpeza de nossa sociedade das impurezas da corrupção. Desta forma, a imagem que mais me parece adequada para entender sua trajetória é de um Torquemada, um sujeito cuja fixação nos dogmas e no combate ao pecado o levou às maiores crueldades e atrocidades contra seus semelhantes. Assim, quanto mais pretendia lutar contra o Mal e o Erro mais se aproximava deles, da mesma forma que o sujeito puritano se sente atraído e magnetizado pelas obscenidades que acredita combater.

Não tenho nenhuma alegria em ver a destruição pública de ninguém, incluindo esse rapaz de bochechas rosadas. Meu sentimento foi de genuína tristeza ao ver no que se transformou alguém outrora tão poderoso – e, vejam, seu calvário ainda está apenas no início. Por outro lado, jamais haverá uma verdadeira depuração do mal causado pela operação Lava Jato sem que esses promotores e o juiz que estiveram à sua frente sejam devidamente punidos. Também acredito que sem colocar a corrupção da imprensa Corporativa como partícipe ativa nessa fraude não haverá real progresso civilizatório. Por mais triste que seja esta queda não há como seguir em frente sem corrigir o erro e a destruição que estes indivíduos causaram ao país e a tantas pessoas por eles indevidamente atacadas.

Que esta tragédia brasileira sirva de lição a todos nós.

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O caso e a causa

Este é um conceito muito legal, e que vale a pena pensar muito nele. Trata-se da ideia de usar um caso particular como “emblemático”, para usar a força da causa para atacar uma pessoa, envolvida em um caso. Por exemplo: a causa da corrupção usando o caso da Lava Jato e o PT como emblemas desse problema, culpando-os dessa tragédia crônica, para constranger as pessoas a pensarem: “Se você é contra a Lava Jato então só pode ser a favor da corrupção”. O cidadão comum se sente pressionado, sem ter como se posicionar. Ou seja: se o “caso” é frágil, chame a “causa”.

Pensei nisso vendo uma entrevista de alguém que está sendo acusado dessa forma, e sei que para ele é fácil se defender do caso, mas reconhece a imensa dificuldade quando a “causa” se vira contra si.

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Bolsonaro e o bolsonarismo

Eu acredito que STF é o poder mais autoritário e imperial de todos, basta ver o que o Alexandre fez com a liberdade de expressão, algo que nem mesmo a ditadura teve a coragem de fazer. Por isso acredito que permitir que o STF governe o Brasil como tem feito é um desrespeito à própria constituição. A suprema corte esteve por trás de todos os golpes dos últimos 60 anos, sempre como serviçal para as elites financeiras. Dizer que o Alexandre está segurando o fascismo e garantindo uma barreira contra Bolsonaro é ingenuidade; ele provavelmente é mais autoritário e ditador que Bolsonaro, basta ver suas atitudes absurdas e ilegais contra o “Daniel do Whey”. No meu modesto ver, ele é um Bolsonaro com bom vocabulário e menos densidade capilar.

Reconheço a definição de corrupção como algo que envolve “roubo”, mas para mim dinheiro não é o que move os atos corruptos, mas a busca por poder. Dinheiro não é fim, é meio (a não ser para alguns malucos acumuladores). Além disso, negar que há dinheiro envolvido nas ações de magistrados é de inteira responsabilidade de quem se arrisca nesta informação, mas como não tenho qualquer prova disso creio que não é necessário sequer pensar nesta possibilidade.

Conheço a linha de raciocínio que distancia Bolsonaro dos poderosos do STF mas, respeitosamente, me oponho a ela. Não creio que estamos em um período de exceção com o bolsonarismo. Essa exceção se tornou evidente há quase uma década (quando estava parecendo inevitável uma nova vitória da esquerda nas eleições nacionais). Ela veio em 2013, com a despolitização planejada desde os Estados Unidos, com o lavajatismo, com os ataques à Dilma em 2014, o vale-tudo de Aécio, o impedimento de Lula como ministro, o golpe contra Dilma sem crime de responsabilidade, a prisão arbitrária de Lula, sua obstrução a participar da eleição e todo o período bolsonarista no governo. Em todos estes crimes contra a democracia esteve presente o STF, chancelando as ilegalidades e emprestando seu poder para que o arbítrio fosse estabelecido. Alguma dúvida disso? O STF foi GOLPISTA do início ao fim da crise atual do Brasil.

Portanto, o bolsonarismo é a culminância de um projeto de nação entreguista, agrário, subserviente, atrasado, capacho do Império e à reboque do progresso. Entretanto, esse desastre não se iniciou com Bolsonaro e sequer tenho esperanças de que vá acabar com ele. O STF é parte do desmonte do Estado brasileiro, dos ataques ao PT, da exaltação dos fascistas, etc. Tolos se deixaram enganar com a prisão de Daniel – e sua sentença criminosa e absurda – porque ele é um fascista abobalhado pelos esteroides. Não, a ação foi puro corporativismo do Imperador Alexandre apenas porque o STF foi atingido em sua honra.

Para mim é um erro brutal acreditar que Alexandre de Morais é diferente em essência de Bolsonaro, quando eles divergem apenas em detalhes. Em verdade, Alexandre é a continuidade de um projeto punitivista e autoritário, mas sem a boçalidade do atual presidente – o que torna tudo que faz muito mais perigoso. Esse era o projeto Moro: a mesma perversidade, mas com modos à mesa. O que existe de positivo em Bolsonaro é que sua personalidade doentia e sua estupidez aparecem à flor da pele.

Acreditar que existem liberais “limpinhos”, como Dória ou Moro foi o supremo equívoco que cometemos, e agora estamos errando de novo ao opor Alexandre “skinhead de toga” de Morais à Bolsonaro. São IGUAIS, a mesma porcaria autoritária que une o cortador de pés de maconha com o ex-milico subletrado e golpista.

E sobre os ataques aos “crimes de opinião” eu já acreditei que poderiam ter sentido porque num passado distante também pensei assim. Mas percebi que adotar medidas de censura sobre o pensamento é a receita para a tragédia. Uma ação desastrosa, antidemocrática, perigosa e que definitivamente atingirá esquerda, os progressistas, os comunistas e, finalmente, nós mesmos…. mas quando isso acontecer nós olharemos para o lado e veremos que aqueles que defendiam a liberdade de expressão estão todos presos por defendê-la….. e não haverá a quem apelar.

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Saúde Universal

Meu filho era recém nascido quando fiz essa carteira. Quando fui arrumar minha mudança acabei encontrando coisas que julgava nem existirem mais.

Esta é para quem tem curiosidade de saber como era o mundo antes do surgimento do SUS. Se você não tivesse a “carteirinha” (acima) não haveria como ser atendido pelo plantonista. Cheguei a trabalhar como “interno” (estudante) em um hospital da periferia onde as pessoas levavam esse documento na emergência para serem medicadas. O médico de plantão anotava o número do CTPS numa folha de papel específica e no final do mês entregava ao INAMPS, que pagava por produtividade, sem qualquer vínculo trabalhista. Claro que esse sistema era precário, e por várias razões. Citarei algumas abaixo:

1- Controle inexistente. Eu cheguei a testemunhar os médicos plantonistas pedindo a carteira de toda a família para atender uma consulta de 5 minutos para uma criança febril. Outro colega ia em uma escola próxima e se oferecia para verificar a pressão das professoras, pedindo que elas assinassem a ficha. As fraudes, certamente, ocorriam de forma corriqueira, das pequenas às gigantes.

2- Sem direitos trabalhistas. Férias, 13o salário, seguro acidente, adicional noturno, insalubridade, horas extras, etc. Quer tirar férias? Não vai ganhar nada. Quer virar 48 horas de plantão? Azar o seu. Ficou doente? Sinto muito…

3- Apadrinhamento. No início desse sistema, nos anos do milagre econômico (do “Brasil, ame-o ou deixe-o” e do Delfim Neto), pagava-se muito bem aos médicos agraciados com uma “credencial”. Esta era conseguida na base do apadrinhamento político, com zero meritocracia, talento ou qualidade. Eu lembro da frase do cirurgião do hospital que possuía desde muito uma dessas credenciais: “Olhe as casas dos médicos ao redor do hospital. Pois elas foram todas construídas por eles com suas credenciais do INAMPS, quando tudo aqui ainda era mato. Quando cheguei aqui para trabalhar essa credencial pagava um Passat por mês”.

*Nota histórica: Passat era um carro médio da Volkswagen*.

4- Exploração do trabalho. Quando eu fazia plantão como interno no hospital todos os médicos plantonistas que atendiam o ambulatório de urgências eram “contratados” – informalmente, por certo – pelo dono da credencial, que pagava um “salário” (alinhavado “de boca”) para os colegas preencherem as folhas com os nomes dos pacientes atendidos. Enquanto isso, os “proprietários” ficavam em casa ou no consultório, uma atitude ilegal que todos sabiam como acontecia, mas não havia qualquer fiscalização sobre este tipo de ação. Claro que estes plantonistas recebiam tão somente uma fração do que o “senhor feudal” recolhia ao final do mês pelo trabalho realizado. As credenciais eram as “Sesmarias” da atividade médica. Médicos exploravam seus próprios colegas na maior cara dura.

Nestes hospitais os médicos mais ricos e famosos da cidade eram – ao meu juízo – absolutamente medíocres. Do alto da mais absoluta impunidade (a medicina de 40 anos atrás) e uma falta absoluta de ética, garantiam seu posto, seus ganhos, sua posição social e seu poder através de artimanhas políticas – eram quase todos ligados à ARENA, o partido de sustentação da Ditadura – porque literalmente TUDO nessa área dependia da oportunidade de conhecer alguém que pudesse “mexer os pauzinhos” para adquirir alguma vantagem. Praticamente nada era fruto de concursos, provas, mérito ou qualidade, e tudo era feito pelas vias do “pistolão”. Foi nas brechas da desassistência aos pacientes que atendi os meus primeiros partos, nas pacientes que pariam muito rápido não dando ao obstetra credenciado (que deveria estar no hospital) o tempo necessário para “aparar” o bebê…

O SUS, quando comparado ao modelo que eu conheci na juventude, é uma conquista espetacular, um sistema maravilhoso e justo, mesmo com todos os problemas que porventura possa apresentar. Pensem nisso quando escutarem os reformistas e os entusiastas do Estado mínimo tentando privatizar nosso modelo de atenção universal.

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