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Expiações

Essa frase apareceu em um fórum espírita e suscitou um certo debate. Creio que a confusão se dá quando confundimos a “condição” em si com a “reação social” à condição. Por esta razão eu discordo da tese principal. Claro que ser negro, homossexual ou transgênero pode ser uma expiação. Não vou entrar no debate da definição do que seja “natural”, pois NADA no humano é natural, até porque – como diria Lacan – “a palavra matou o real”, e em um mundo simbólico tudo é artificial e produzido pelas palavras. O mundo para os humanos é uma criação simbólica que não guarda mais nenhuma relação com o mundo de verdade. Por isso a expulsão do Paraíso. Lá, na “animalidade”, impera gloriosamente a natureza, onde podemos dizer que os que lá vivem são amparados pelo Criador e vivem no mundo “natural”. Já nós fomos de lá expulsos e não há como voltar, já que a palavra destruiu todo o resquício de natureza que existia no humano.

Porém, é evidente que a condição de ser negro, homossexual ou transexual no contexto em que vivemos é, sim, uma provação. Ainda não escutei nenhuma pessoa me dizer que seu transcurso pela negritude, pela homossexualidade ou por uma identidade de gênero diferente de sua biologia ao nascer ocorreu sem problemas, de forma “natural”. Ser negro em uma sociedade marcadamente racista – seja de forma explícita ou pelos elementos estruturais e invisíveis – é um peso enorme a ser carregado. Ser homossexual e transexual, em sociedades que penalizam as livres escolhas sexuais também é uma carga muito pesada a ser levada durante uma vida inteira.

Portanto, moralismo anacrônico seria dizer que estas condições são CASTIGOS, como se houvesse algo intrinsecamente pecaminoso em ser negro, gay ou trans. Parece óbvio que não, até porque nenhuma delas parte de uma escolha livre por parte do sujeito e, portanto, o seu exercício não pode ser considerado imoral. Entretanto, qualquer destas condições – NESTA SOCIEDADE – marcada pelo preconceito, continua sendo um peso muito difícil de suportar, onde o sofrimento e a dor são resultados inexoráveis.

Na perspectiva espírita – que pode ser questionada, mas é uma forma de entender a diversidade humana – seria lícito imaginar que um sujeito profundamente preconceituoso com a com os negros, os transexuais ou a homossexualidade em uma de suas experiências como encarnado voltasse em outra oportunidade carregando uma dessa condições – ou todas elas. Não como castigo, pois esse conceito é tolo e infantil, mas como forma de aprendizado, para poder entender a dor que o preconceito é capaz de produzir no semelhante.

Espero ter sido entendido…

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Contextos

Li pelas redes sociais um texto onde a articulista tentava mostrar as dificuldades pelas quais Karol (do BBB) havia passado desde sua infância – difícil e penosa – para que nosso julgamento sobre suas atitudes egoístas ou preconceituosas pudesse ser contextualizado diante de uma vida de luta, dor e sofrimento. Esse texto veio logo depois de outro, de igual teor, que pedia mais amor ao julgar a transexual que, depois de pedir “mais aglomeração”, acabou falecendo pela Covid19. Também ela havia sido vítima de uma sociedade cheia de julgamentos, violência, incompreensões e cancelamentos. Muito antes ainda eu li a história de uma mãe estressada que bateu no seu filho pequeno durante uma viagem de ônibus porque ele insistia em colocar a mãozinha para fora da janela para brincar com o vento. Quando foi interpelada por outra passageira sobre a razão da violência ela desfiou uma série de pequenas tragédias cotidianas que colocavam aquela agressão dentro de um contexto maior, de privação e sacrifício. O nome do texto era algo como “Muitas vezes só o que ela precisa é de um abraço”. E foi mesmo com um abraço compassivo que o texto terminou.

Todos estes textos me chamaram à atenção por serem justos. Há que se conhecer o contexto para compreender a integralidade de qualquer ato desviante. Ortega y Gasset já nos ensinava: “Eu sou eu… e minhas circunstâncias”, mostrando que somos feitos de elementos alheios à nós, os quais pressionam por ações e atitudes.

Todavia, depois de ler estes textos eu fiquei com uma curiosidade: se no lugar de uma “lacradora“, artista negra e vinda dos estratos mais pobres da sociedade, de uma transexual marcada pelo desprezo e o abandono ou de uma mãe desgastada pela sua tripla jornada estivesse um homem, um abusador e agressor, haveria a mesma análise que tenta entender suas ações inseridas em um contexto de violência psicológica infantil? Sim, porque praticamente todos os abusadores e espancadores tiveram uma infância recheada de traumas e agressões, que são encenados pela vítima na fase adulta agora no papel do opressor. Ou esse raciocínio compreensivo só serve para minorias e oprimidos? Só é possível ser condescendente diante da possibilidade de identificação com o sofrimento alheio?

Pois eu faço o convite a que essa compreensão mais abrangente seja estimulada e assegurada a todos, e não somente àqueles grupos com os quais conseguimos desenvolver empatia. Até porque qualquer um de nós, seja preto, branco, homem, mulher, gay, trans, oprimido ou opressor já esteve diante de escolhas e acabou sendo o Torquemada de alguém.

Todos temos um lugar de dor onde se esconde nosso recalque. Meu singelo pedido é que, antes de julgar qualquer sujeito, é importante saber que todo mundo carrega feridas mal cicatrizadas e que é preciso entender aquele que comete erros dentro de seu contexto de vida. Todos nós, de uma forma ou de outra, cometemos delitos – com maior ou menor gravidade. Sem exceção…

Ser compreensivo e tolerante com os erros do próximo é bom e justo até porque é isso que esperamos que façam conosco. Todo mundo merece receber um julgamento de acordo com suas circunstâncias e contextos. Assim, o teste verdadeiro é tentar entender alguém cujas atitudes agridem nossa humanidade, procurando olhar para o criminoso (e não para seu crime) com a mesma justa compreensão com a qual julgamos a transexual ou a garota do Big Brother. E isso não significa perdoar crimes, mas entender os criminosos.

Justiça, amor e raio laser para todos.

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Estrangeiros na própria terra

Conheço alguns, até (em especial) médicos…

Sempre se acharam superiores a essa “tigrada” com quem são obrigados a conviver. Um deles, um cardiologista, quando viajou pela primeira vez à Europa, veio nos dizer que se sentia “em casa”, com aquela “finesse”, todo o charme e a elegância dos europeus. Esta falta de noção aqui no Rio Grande do Sul é MUITO pior do que no resto do Brasil por causa da colonização italiana e alemã.

Há alguns anos uma sociedade cultural italiana aqui de Porto Alegre distribuía aos seus sócios um adesivo onde se lia em dialeto vêneto: “Mi son Talian grazie Dio”, ou seja “Eu sou italiano graças a Deus”, o que nos faz lembrar dos italianos mortos de fome e miseráveis que vieram para nosso país para fugir da “mirada” (miséria + gelada) da Europa do século XIX. Foram recebidos de braços abertos e com terras gratuitas para plantarem. Alguns viraram industriais e grandes fazendeiros, e muitos continuam vivendo na Europa, mesmo sem sair da sua fazenda no interior do Rio Grande do Sul ou São Paulo.

Hoje os tetranetos desses miseráveis europeus se acham superiores pela cor de sua pele, e não aceitam ser confundidos com os “pelo duro”, os moreninhos, os “brasileiros” com quem são obrigados a conviver. Dizem frases características como “se eu pudesse fugia daqui” (mesmo para ser cidadão de segunda classe em Miami), ou “o problema não é o Brasil, mas esse povinho” (mas sempre se colocam fora do “povo”) e tantas outras grosserias que estamos acostumados a ouvir em mesas de bar ou conversas informais.

“O Brasil não merece uma pessoa como eu”, dizem, numa arrogância patética e estúpida. Negam o quanto receberam desse país e o tanto de benefícios tiveram para chegar onde agora estão. Médicos, advogados, comerciantes e empresários sustentados pelo esforço conjunto de uma sociedade que agora desprezam, achando que seu mundo é outro.

Mal sabem que quando chegam na Europa são vistos com deboche e desconsideração pelos racistas que, como eles, não percebem o quanto de sua riqueza depende do trabalho de quem tanto desprezam.

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Algodão

Estou aguardando com ansiedade o dia em que as pessoas deixarão de usar o argumento “você pode ofender pessoas sensíveis se falar isso”. Ora, sabemos que qualquer debate pode ofender alguém e faz parte do risco de debater sentir-se ofendido – ou ofender involuntariamente. É claro que os argumentos não podem ser construídos com o único objetivo de ocultar as ofensas, assim como piadas que são contadas “inocentemente” tão somente para carregar racismo, sexismo, classismo e outros preconceitos sob o véu de um gracejo.

Todavia, é óbvio que algum conflito há de ocorrer no choque de ideias. É inadmissível – por ser anti intelectual – cedermos a este tipo de “censura pelos sentimentos“, como se os interlocutores fossem de algodão e conceitos duros fossem como água a lhes desmanchar. A cultura dos “flocos de neve” precisa ser abolida em nome da diversidade e do progresso das ideias.

Quem deseja debater com honestidade precisa ter maturidade para aceitar estes riscos. Abolir a necessária racionalidade em nome da candura e do “respeito aos sentimentos alheios” é tratar os oponentes como crianças.

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Médicos

Não vejo possibilidade em curto prazo de uma modificação substancial no perfil dos médicos e da própria Medicina no Brasil. Minha descrença é fácil de entender, basta ver de onde vem os alunos da medicina. Eles são egressos das melhores escolas, dos melhores cursinhos preparatórios, são filhos das famílias que podem bancar esses anos de estudo, tem sobre o corpo a “melhor” cor de pele e as famílias possuem o melhor saldo bancário. É possível dizer o mesmo do judiciário e do Ministério Público, onde verdadeiros feudos dominam o cenário da justiça. A esquerda é francamente minoritária nesses cursos superiores e certamente nas corporações. E essa minoria é muito pequena MESMO.

Sou capaz de contar nos dedos da mão os colegas claramente de esquerda que conviveram comigo durante anos de percurso pela medicina. A imensa maioria tem discurso e atitude meritocrática, acreditam piamente que estão cursando estes cursos apenas pelo seu esforço pessoal, deploram o socialismo e suas vertentes, apoiam o fim do SUS, aplaudem PPP (parcerias público-privadas) na saúde, acreditam no paradigma tecnocrático da medicina de forma quase religiosa, acham que a iniciativa privada é superior (mesmo alguns tendo sido empregados do Estado a vida inteira), acreditam que os médicos são “especiais” e merecem privilégios e enxergam a saúde pública e a medicina de família como espaços menores da atuação médica – quando comparadas com especialidades tecnológicas como neurocirurgia, medicina por imagem ou algumas novidades mercantilistas.

Não acredito que o pequeno número de médicos com consciência de classe e com uma visão progressista e popular farão diferença em curto prazo. O que precisamos é de uma reformulação no ingresso e a abertura de “faculdades populares de medicina” para produzir novos médicos educados dentro do paradigma social e com ênfase na saúde pública e na prevenção. Questionar e aprofundar a crítica à visão capitalista e elitista da medicina deve ser uma grande tarefa para o século XXI.

No nosso atual contexto a corporação médica é reacionária, elitista e alienada em sua grande maioria, e alguns setores são francamente fascistas – bastam 5 minutos na comunidade “dignidade médica” para confirmar isso.

O Brasil precisa de uma medicina para seu povo, ligada às comunidades, e não uma profissão adjuvante das empresas de saúde e da fabricação de drogas.

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Pelé…. e Maradona

Até quando o Maradona morre o foco volta a ser o Pelé e de novo aparece a nossa incapacidade de aceitar um ídolo e herói negro para um país racista. É difícil aceitar o Pelé, não?

Acho curioso que o Pelé não pode ser referência por causa de seus erros humanos, mas a madame branca que apoiou a pedofilia pode…

Nada a ver com drogas ou “vidaloka” de um ou pela postura política à direita do outro. Pelé é criticado porque ousou ser um Rei preto num pais racista. Maradona pôde fazer filhos com todo mundo e dar porrada na mulher, mas não é negro. Aqui falam exaustivamente do “reconhecimento da filha” apenas para facilitar o ódio que sempre tiveram do Pelé pela cor da sua pele. Preto desaforado, metido…

Pelé deu declarações à esquerda no passado, mas assina camisas para presidentes de direita hoje, e por isso não é perdoado. Toda a cocaína e o álcool de Maradona, assim como as violências domésticas, recebem nosso perdão porque, afinal, ele “parece” ser um rei, e não alguém que algumas poucas décadas atrás era açoitado por um deslize qualquer.

Pelé nunca será perdoado pelo crime de ser negro.

Maradona não foi nem uma quarta parte do que Pelé foi em campo, não teve metade da sua genialidade com a bola nos pés, mas teve muito mais consciência social e muito mais engajamento nas lutas pelo povo da América Latina, e por isso merece também estar no Panteão dos gênios da raça.

Salve Maradona, salve Pelé, salve Fidel e Simón. Viva Che, viva Rosa e Ataualpa… e longa vida à unidade Latinoamericana.

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Obediência

Quatro sujeitos entram em um mercado num dia muito quente de verão. Pelo calor reinante os rapazes adentram no local sem as camisas. O proprietário imediatamente pede que coloquem a roupa e aponta o cartaz com a proibição afixado ao lado na porta.

Os quatro rapazes brincam e avisam que não vão demorar pois querem apenas comprar refrigerantes e já vão se retirar. O proprietário, impaciente, pede uma segunda vez enquanto, ato contínuo, acena para o carro de polícia que está estacionado em frente.

Três policiais entram enquanto os meninos estão pegando os refrigerantes. Ainda com a porta do balcão refrigerado aberta, três deles são empurrados a força para fora, mas um deles é jogado no chão e tem a cabeça prensada pelo joelho do policial. Sua boca sangra enquanto as algemas são colocadas em seus punhos, colados em suas costas.

Ele então pergunta, “Por que essa violência? Viemos comprar refrigerante!! Nada disso é necessário!!”. Enquanto isso seus amigos assustados aguardavam olhando através do vidro do mercadinho.

“Cala boca, neguinho” grita o policial com o nariz grudado no rosto do rapaz. “Você vai aprender a obedecer quando lhe mandarem fazer algo.”

O jovem negro, ainda com a face colada ao piso frio, observa seus três amigos brancos aguardando, enquanto a viatura policial grita o som angustiante de sua presença.

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Carrefour

“E os brancos que são mortos por negros? Eles não valem nada?”

Suas mortes são igualmente lamentáveis, mas pense bem: eles não morrem POR SEREM brancos. No caso do Carrefour o racismo é o principal elemento da cena, mas por certo não o único. A violência absurda, a covardia e o uso abusivo da força também contam. O poder econômico de uma grande rede de supermercados multinacional atacando a ponta frágil da sociedade – preta e pobre – é inegável e não podemos fechar os olhos para essa face cruel do capitalismo.

Mas a observação da Bebel é certeira e vai no ponto: se fosse branco nada disso teria acontecido. Alguém conversaria com ele, chamaria um responsável da loja e acabaria tudo sem maiores problemas. Vejam os vídeos dos barracos que brancos fazem e perceba a diferença. É a cor da pele, é a cor…

Sim, ele morreu por ser negro, sua condenação estava na escuridão da sua pele. Um negro não tem o mesmo direito de fazer um “barraco” e tudo ser resolvido na conversa, chamando o gerente. Não, com eles é na porrada no mata Leão, na asfixia – há pouco tempo, no chicote. A execução é sem júri, sem advogado; é no chão frio da rua, atrapalhando as “pessoas de bem” que vão fazer suas compras.

Claro que há negros que matam brancos, mas mostre para mim um grupo de negros pulando e asfixiando um branco apenas por ele ter sido inconveniente ou abusado. Onde estão?

A desculpa, quase onipresente aqui e nos Estados Unidos, é bem conhecida por todos nós: Por que ele resistiu? Por que não cooperou com as “autoridades”? Pois eu acho essa pergunta a maior das ofensas, pois no fundo ela significa: “Hei negro, ponha-se no seu lugar. Quando a gente manda, você obedece!”

Para um negro, reagir a uma injustiça é sempre um crime inafiançável. A eles só cabe a resignação e o silêncio.

O racismo fica evidente quando o que para nós brancos é tratado como “exagero” ou “inconveniência” para os negros significa uma sentença de morte.

Os não brancos são 51% desse país. Por quê nossos irmãos são tratados com muito mais crueldade que qualquer animal? Ontem foram 80 tiros. Um pouco antes Amarildo. A juventude negra continua sendo massacrada diariamente pelo Estado racista.

Até quando???

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Espiritismo e Racismo

Seria absurdo imaginar que a doutrina espírita não estivesse embebida no caldo cultural do século XIX. Está foi a época áurea do colonialismo europeu em África e Ásia, o qual causou milhões de mortes e produz repercussões até os dias de hoje.

Seria surpreendente que Kardec, diferentemente de todos os pensadores europeus do seu entorno, tivesse uma posição diferente do racismo “científico” de sua época. Esta vertente do modo de pensar do século XIX desembocou na eugenia que invadiu ainda boa parte do século XX e contaminou o pensamento de inúmeros literatos, cientistas e pensadores de várias áreas, em especial a medicina.

Portanto, o espiritismo nascente era mesmo racista, como era toda a cultura europeia no tempo de seu surgimento. Não há porque negar este fato. Por outro lado, é necessário fugir do anacronismo simplório e entender qualquer sujeito e todo ramo de conhecimento inseridos nos valores vigentes em seu período de aparição. Criticar o espiritismo de meados do século XIX usando as regras de hoje não é correto ou justo.

Cabe aos espíritas atuais não apenas rejeitarem este racismo, mas serem vigorosos combatentes anti racistas exatamente pelo estudo do ideário espírita, que ao desvendar a realidade do espírito deixa qualquer diferença moral e intelectual de raça e gênero como sendo tola e sem sentido.

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Racismo invisível

O sucesso do negro no Brasil é crime hediondo, insuportável. Digo também que o sucesso do nordestino pobre com dedo faltando também machuca aqueles que não aceitam a ascensão das camadas mais baixas da sociedade. Por isso Lula é atacado e Fernando Henrique, o “príncipe”, poupado. Por isso Pelé foi duramente ofendido (chamado de “ser humano desprezível”) no seu aniversário por seus problemas familiares (o reconhecimento de uma filha fora de seus casamentos), mas Simone, socióloga francesa, chique e branca, jamais foi atacada por sua defesa da pedofilia. Ou quando citam Marie Curie e não falam do abandono de seus filhos. Não, elas eram brancas demais para merecer o mesmo tipo de ataque destrutivo que o Rei do Futebol recebe há tantos anos. Afinal, para elas vale a regra: “os gênios são esquisitos mesmo”.

Não esqueçam que, antes do caso da filha que faleceu de câncer, Pelé era acusado de não ter ajudado Garrincha diante de suas mazelas com o alcoolismo e a falta de dinheiro – como se Pelé tivesse obrigações com o craque das pernas tortas. Isto é: Pelé jamais teria perdão, e o crime poderia ser escolhido dependendo do gosto do acusador.

Sim, diante da chuva de ataques ao Pelé por suas fragilidades e seus pecados, e diante da constatação de que isso nunca foi feito com os defeitos de Ayrton Senna (entre outros ídolos esportivos) fica inegável para mim que há também – mesmo que de forma inconsciente – um ataque a um “negro metido a besta”, que nunca aceitou seu lugar.

O racismo se assemelha à violência obstétrica nesse ponto: tanto mais forte quanto mais inconsciente e mais disseminado silenciosamente pelos “costumes”. E veja: pode-se ser racista travestido das melhores intenções, assim como as piores violências de gênero contra as gestantes podem ser cometidas ilustradas com a famosa frase “aceite, é o melhor para você”.

Para ver a fala de Emicida sobre o tema no “Papo de Segunda” do GNT, clique aqui.

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