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Sensibilidade

Veja região do hospital em Gaza antes e depois da bomba

Diz-se que na segunda Grande Guerra a opção pelo extermínio em larga escala de judeus, ciganos, gays, eslavos, russos, etc., ocorreu por dois grandes motivos. O primeiro foi de ordem econômica, já que a guerra se prolongava por mais tempo que o previsto e as balas dos fuzis eram muito mais necessárias no front de batalha do que nos campos de concentração. Não era admissível gastar tanta munição em prisioneiros esquálidos e desimportantes para a grande economia de guerra. A segunda razão, descoberta mais tarde pelos estudiosos do fenômeno nazista, foi preservar a sanidade mental dos soldados alemães.

Sim, a banalização da morte acontece em qualquer guerra, e um nível de isolamento emocional é sempre essencial para manter a sanidade. Corações empedernidos suportam melhor os horrores dos combates. Criamos uma redoma de proteção psíquica para poder sobreviver à carnificina e ao absurdo do extermínio de semelhantes de forma cotidiana. Até os médicos e enfermeiras, que lidam com a morte no seu dia a dia, precisam desse recurso para não destruir seu aparelho psíquico com cada óbito que testemunham em seu labor diário. Entretanto, esse tipo de proteção afetiva e emocional tem suas falhas e com o tempo se deteriora e se torna ineficiente. Quando somos o vetor da destruição de dezenas ou centenas de inocentes não há isolamento emocional seja suficiente para sustentar tamanha desgraça. Com o tempo os soldados dos pelotões de fuzilamento nazistas acabavam tendo crises emocionais graves e muitos deles apelaram ao suicídio para se livrar da dor insuportável de serem os algozes dos prisioneiros.

As perdas de jovens soldados alemães acabaram mostrando ser impossível manter este tipo de aniquilação sem pagar um custo elevado entre as próprias tropas nazistas. A decisão pelas mortes “por atacado” foi muito baseada na necessidade logística dos comandantes alemães de eliminar o máximo possível, no menor período de tempo e com o menor custo psicológico entre os próprios combatentes.

Hoje, com a banalização das mortes de civis na Palestina, ainda usando as mentiras surradas e antigas de crianças sendo usadas como “escudos humanos” ou que o “Hamas bombardeou o próprio povo”, podemos estar testemunhando o mesmo fenômeno, agora do lado sionista. Eu tento entender o que acontece com as emoções de um jovem piloto sionista ao receber a ordem de bombardear um hospital, uma escola, um edifício de moradia sabendo que suas bombas vão matar e mutilar centenas de crianças, mulheres, velhos e profissionais de saúde. Como esse sujeito volta para casa para abraçar sua mulher e seus filhos? Como suporta ser o veículo de tanta dor, tanta desgraça, tanta desumanidade? Até quando vai suportar o peso de sua culpa? Com o tempo o peso dessa barbárie começa a pesar sobre os ombros dos próprios israelenses. Muitos já são os reservistas que preferem ir para a prisão à participar de operações do IDF que são verdadeiras chacinas. Outros resolvem se tornar ativistas pela paz e até se unem em organizações pró Palestina. Não há como manter-se são quando suas mãos estão manchadas do sengue de crianças.

Espero que a mesma dor sentida pelos jovem atiradores alemães atinja também os matadores de hoje, e que ela seja capaz de transformar suas consciências ado(rm)ecidas. A grande revolução na Palestina também vai contar com o que resta de humanidade entre os israelenses.

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Terroristas

Essa equivalência entre os “terroristas do Hamas” e o terrorismo de Israel, que coloca lado a lado uma potência nuclear e um grupo de resistência armada de “pés descalços”, é o que existe de pior dentro da esquerda liberal. Enquanto a estratégia para os Palestinos foi a “não violência” só os palestinos morreram, só eles pagaram com a vida; só eles tiveram suas casas roubadas, suas oliveiras queimadas e suas crianças mutiladas. Só um lado foi massacrado por 7 décadas. Bastou o garoto que sofre bullying na escola reagir para exigir-se dele – e somente dele – que não seja violento. Por que as décadas de terrorismo de Israel contra a população palestina passaram despercebidos por aqueles que, agora, clamam pela paz e abominam a violência contra inocentes?

O Hamas é tão terrorista quanto o foi Zumbi de Palmares ou os bravos combatentes da resistência francesa. Quem agora acha inaceitável a violência do Hamas acredita que com flores os nazistas deixariam a França ou que a França deixaria a Argélia ocupada? Acreditam mesmo que sem a violência bruta das brigadas insurgentes algum país colonial conquistaria sua independência? A esquerda precisa abandonar o discurso frouxo e pusilânime do “amor vencerá” e assumir que autonomia e liberdade só se conquistam com força e, se necessário, violência e guerra. Admitir que apenas Israel use toda sua perversidade racista contra os palestinos sem que haja uma resposta dura é aceitar pacificamente o próprio extermínio.

É inaceitável metralhar um banheiro químico? Isso não poderia ocorrer em hipótese alguma? Sério? Procurem imaginar como seriam 70 anos de morte, opressão, fome, assassinatos, abusos, humilhações criando um caldo de cultura de ódio e ressentimento. Quem pode dizer que, no desespero, não apelaria para uma resposta no mesmo tom dos seus agressores?

Qual alternativa resta para os palestinos? Manifestações pacíficas? Cartazes? Abaixo-assinados? BDSBoycott, Divestment and Sanctions? Isso eles já fazem há mais de meio século e continuam sendo despejados de suas terras, mortos pelos colonos, queimados vivos, despojados de seus bens, assassinados e presos aos milhares – sem julgamento. Como é possível rotular o Hamas de “terrorista” quando suas ações são a reação inevitável a uma violência sem fim? Como ousam pedir moderação aos oprimidos quando suas crianças são mortas em casa, dormindo, quando suas mulheres enterram os filhos ainda pequenos e quando uma legião de mutilados vagueia pela cidade de Gaza? Será que ainda não perceberam que a solução que Israel apregoa desde sempre é o extermínio ou o exílio forçado? Ainda não notaram que Israel jamais aceitou negociar? Como conseguem culpar este povo por fazer a única coisa possível: resistir e não se entregar ao extermínio?

Por certo que ninguém acha bom metralhar banheiros químicos, mas todo mundo aceitaria atirar em um ladrão que aponta uma arma para a cabeça do seu filho. Israel está há mais de 70 anos não só apontando, mas matando e mutilando crianças palestinas muitos anos antes da existência do Hamas. Os apologistas da solução pelo “amor” acreditam mesmo que a violência é evitável? O que fariam?? Aceitariam que suas famílias fossem assassinadas sem nada fazer? Sem mover um dedo, impassíveis, imóveis? Em nome da “paz”?

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Uma escolha difícil?

É lamentável ver a defesa que alguns fazem de Israel, em especial entre aqueles que se consideram de esquerda. Olham para a ação desesperada de alguns dias atrás de forma maximizada, como se não houvesse por trás dessa ação mais de 7 décadas de abusos, torturas e morte. Agem como o Estadão e sua “decisão difícil” ou a turma do “nem-nem”, que colocavam no mesmo patamar um político vagabundo é o maior estadista do Sul global. Tentam equiparar as reações dos palestinos aos crimes brutais a que são submetidos desde o Nakba.

Estas mesmas pessoas, há poucas décadas, estariam criticando os insurgentes do gueto de Varsóvia pela sua violência “injustificável” contra os nazistas, recomendando àqueles que se mantivessem impassíveis diante da morte certa que se aproximava de sua família e de si mesmos. E se houvesse qualquer reação, mesmo que fossem os gritos lancinantes ao ver a morte se aproximando, mesmo essa indignação seria censurada, pois que demonstra uma rebeldia que precisa ser calada.

A falta de empatia com milhões que sofrem, e a solidariedade com a dor ocasional dos invasores, é algo que não é possível entender, a não ser pela lavagem cerebral produzida pela propaganda sionista massiva, intensa e obliterante.

Nunca houve paz duradoura sem que os opressores fossem vencidos. Não haverá paz com a continuidade do apartheid de Israel, com o racismo, com as prisões arbitrárias, com as mortes à granel. Como dizia Nelson Mandela, “Sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta sem a liberdade dos palestinos”

Israel, pária internacional.

#BDS

FREE PALESTINE

https://fb.watch/nHCK20fBM2/?mibextid=Nif5oz

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Bibi

Creio que as críticas à Netanyahu como primeiro ministro de Israel seguem há décadas o mesmo roteiro repetitivo, para posteriormente serem disseminadas através do sionismo de esquerda que se espalhou pelo mundo. A ideia de construir uma disputa fulanizada onde, de um lado está um líder corrupto e assassino e do outro uma organização terrorista, sempre é usada para nos impedir de ver a realidade do colonialismo na Palestina e seu sistema de opressão. No caso de Benjamin Netanyahu ele é sempre a desculpa perfeita para os sionistas diante da barbárie cotidiana contra a população de Gaza e da Cisjordânia, mas está na hora de olharmos este personagem de uma maneira mais realista para entender as verdadeiras origens de sua ascensão ao poder.

Em primeiro lugar, é possível que Netanyahu seja o mais moderado entre os chacais fascistas que o acompanham no Knesset. Basta escutar e ler as declarações de alguns ministros e membros do Likud para ver o nível de barbárie racista e genocida que são capazes de expressar. Portanto, dizer que o problema de Israel é o seu líder inconsequente e a extrema direita que tomou conta do país há muitos anos, e afirmar que a queda de Netanyahu seria mandatória, é no mínimo uma proposta ingênua. Imaginar que um outro primeiro ministro teria uma atitude mais humana, condescendente e que objetivasse a paz com a Palestina não encontra respaldo algum na história recente. Nunca houve um representante de Israel que aceitasse a paz com os palestinos, seja através da constituição de uma nação plurinacional seja através da combalida proposta dos “dois Estados”. Os acordos de Camp David (1978) e Oslo (1993) demonstram de forma inequívoca que nunca houve real interesse em Israel para negociar. Assim sendo, a simples retirada de Netanyahu do poder não deveria nos oferecer qualquer esperança de mudança. Talvez até o pior viesse a acontecer: seu substituto poderia apoiar a “solução final”, que está na boca de muitos israelenses desde há muitos anos.

O que é preciso entender sobre o Estado Sionista de Israel é de que essa “rogue nation” está assentada sobre a criação de um “Estado Judeu“. Ou seja, foram muito mais adiante do que até a própria África do Sul se aventurou a fazer, criando um país artificial para uma única etnia. Seria como se o Brasil criasse um país cristão onde todas as outras religiões não teriam acesso à plena cidadania; ou se nosso país se tornasse a nação para apenas uma cor de pele, a qual teria direito exclusivo à moradia ou a postos no governo. Todavia, ao contrário do que a farsa da esquerda sionista tenta nos convencer, esta não é uma proposta do governo de extrema direita que governa o país, mas um projeto de Estado, um modelo excludente e racista que vai se manter inobstante o governo que estiver à frente dos cidadãos israelenses. O sionismo que apregoa a exclusão dos habitantes da Palestina e que nega a própria existência do povo palestino, é a espinha dorsal da sociedade de Israel, e nenhum governante chegaria ao topo da escala de poder sem respeitar suas premissas. Como dizem muitas autoridades israelenses, para o cidadão Palestino só restariam 3 opções: 1- emigrar, 2- submeter-se aos israelenses como serviçais e 3- morrer.

Gritar “Fora Netanyahu” é um ato diversionista, incapaz de produzir qualquer solução em médio prazo. Esta não passa de uma tentativa desesperada de maquiar a estrutura apodrecida de Israel, ao conectar os dramas atuais à contingência política, como se o governo de Netanyahu fosse diferente dos demais. Na perspectiva dos palestinos todos os governos sionistas são idênticos. É preciso entender, de uma vez por todas, que esse primeiro ministro é tão somente a consequência de uma estrutura colonial e opressora sobre a região, e não sua causa. Afastá-lo do poder sem entender as forças que o conduziram para lá apenas retira o tirano da ocasião, sem estabelecer um novo paradigma. Tanto quanto Bolsonaro, Trump ou Milei, estes sujeitos são construções sociais que obedecem à demanda de um sociedade que os comanda, e é esse povo que precisa ser transformado – ou vencido.

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Pesos e Medidas

Para quem acha que os ataques do Hamas foram horríveis, deixo claro que numa guerra nada é bonito. Só é menos feio do que bombardear um edifício de apartamentos enquanto crianças dormem em seus quartos. Responda: a revolução americana que em 1776 encerrou o colonialismo britânico foi realizada com flores, abraços, despedidas e convenções de paz? Os insurgentes americanos não cometeram atrocidades durante a revolta? Seria imaginável que a Revolução Francesa ocorresse sem derrubar a Bastilha e sem as prisões (e morte) de membros da Realeza? As revoluções anticoloniais de Angola, Moçambique e Argélia – que encerraram as dominações cruéis e brutais do imperialismo europeu em África – poderiam ocorrer sem violência? Com diálogo? Com debates? Com acertos e cumprimentos? Ou alguém acha que Zumbi deveria ter sido gentil e “civilizado” com os colonos portugueses que escravizavam e brutalizavam seu povo? Por que esse tipo de civilidade só se cobra quando os oprimidos se insurgem?

A libertação da Coreia do jugo japonês e posteriormente do controle imperialista americano seria possível sem uma guerra sangrenta? Que povo opressor até hoje na história desistiu de seu domínio sem terror? A libertação do Vietnã da dominação da França e dos Estados Unidos seria viável sem utilizar o terror e a guerra sangrenta? Que tipo de libertação de um povo ocorreu sem guerra? Se a guerra é evitável, por que Israel massacra o povo Palestino desde o Nakba? Por que atacam agora ao invés de negociar a paz?

Estes que se horrorizam com as mortes de israelenses quantas vezes se manifestaram contra o terrorismo de Estado de Israel nos últimos 70 anos, que destrói famílias inteiras em nome do colonialismo sionista? Será mesmo que só agora souberam dos massacres, das torturas, das humilhações e do confinamento em Gaza? Por que só agora, quando os oprimidos finalmente reagem, puderam enxergar a brutalidade e a violência “injustificáveis”? Se o ataque do Hamas permitiu que a realidade do horror Palestino viesse à tona, então ao menos algo de bom brotou de tamanha tristeza. Por que dois pesos e duas medidas? Por que desumanizamos mais uma vez os palestinos, condenando-os a sofrer em silêncio, imóveis, sem sequer o direito de reagir ao seu próprio extermínio?

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Pinkwashing(ton)

Militante invadiu o campo com a bandeira do arco íris e a camiseta do Superman, com apoio às mulheres do Irã e o apoio à Ucrânia

Durante o jogo de Portugal contra o Uruguai pela Copa do Mundo de 2022 o jogo foi interrompido pela entrada de um manifestante vestindo uma camiseta do “Super Homem” contendo um explícito apoio aos gays e às mulheres do Irã. Entretanto, na sua camiseta à frente, em letras grandes apareciam os dizeres…. “Salvem a Ucrânia”. Claro, não poderia faltar o símbolo Tryzub do nacionalismo ucraniano no braço do ativista.

Sim, o objetivo era associar a luta pelos direitos gays e femininos com a guerra do Otanistão contra a Rússia. Para os novatos parece uma manifestação de apoio aos oprimidos, mas para quem conhece as manobras do poder hegemônico esta é uma tática antiga frequentemente utilizada. Entretanto, é inacreditável como ainda é fácil vender propaganda imperialista para identitários. Como sempre, de início a gente engole sem mastigar mas o problema depois é defecar todo essa mistura indigesta de boas causas com guerra e dominação ideológica e militar. Aliás, a camiseta do Superman é quase um deboche para as mentes ingênuas ou descrentes. Não há nada de nobre e de ingênuo nessa mistura de causas.

Neste caso, a defesa dos oprimidos vem acompanhada de propaganda para a manutenção do poder do Império criando, de forma esperta, um “combo” indissociável. Assim, se você é a favor da causa dos gays, trans, mulheres e qualquer outra minoria precisa estar associado à aventura belicista e russofóbica da guerra da Ucrânia, nem que para isso precise estar também apoiando os grupos nazistas mais violentos, brutais e abjetos da atualidade.

O mesmo é feito em qualquer invasão americana a países soberanos. A isca é sempre “direitos humanos”, “democracia” e “derrubada de tiranos sanguinários” – cujos feitos maléficos são fabricados nos laboratórios de fake news da imprensa hegemônica. Todavia, com isso compramos no “pacote” as guerras de dominação, que ao invadir para controlar o petróleo e outros recursos naturais deixamos um rastro de mais de 1 milhão de mortos durante a invasão no Iraque, grande parte deles de mulheres e crianças.

Aos identitários cabe uma boa parte de responsabilidade pela ingenuidade que os leva a comprar essa propaganda nojenta travestida de boas intenções. A nobre causa dos negros, trans, mulheres, gays, imigrantes, etc não pode ser tratada desta forma repugnante, prostituindo suas intenções originais em nome da garantia de privilégios ao Império. O exemplo do “pinkwashing sionista“* – que criou a falsa ideia de uma democracia sexual em Israel contra a “barbárie” do Islã para encobrir o massacre da população da Palestina – recebe de muitos brasileiros simpatia e apoio, como ocorreu com um ex deputado que defende a causa gay.

É contra esse tipo de engodo que a esquerda – e todos os grupos e partidos anti imperialistas – precisam se opor. Dar voz aos “Cavalos de Troia” que levam o imperialismo escondido no ventre de suas boas intenções aparentes é um crime contra a soberania dos povos.

* Pinkwashing (lavagem rosa ou lavagem de imagem rosa) é um empréstimo linguístico (do inglês pink, rosa, e whitewash, branquear ou encobrir) para referir-se, no contexto dos direitos LGBT, à variedade de estratégias políticas e de marketing dirigidas à promoção de instituições, países, pessoas, produtos ou empresas apelando a sua condição de simpatizante LGBT. A expressão é especialmente usada para referir à “lavagem de imagem” do Estado de Israel que, promovendo a sua população LGBT+, disfarça a violação sistêmica dos direitos humanos da população palestina. (wikipedia)

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A Coragem de Denunciar

Um professor de história, de ascendência judaica e que no passado lecionou no Colégio Israelita de Porto Alegre durante dez anos, publicou uma “postagem desabafo” sobre o que ocorreu há alguns dias, quando um grupo de adolescentes da referida escola protagonizou um espetáculo hediondo de preconceito de classe, desprezo pelos mais pobres, arrogância e xenofobia. Isso tudo em uma escola de confissão judaica.

A resposta de algumas pessoas da comunidade foi acusar o professor de hipocrisia. Afinal, se havia percebido sinais claros desse tipo de comportamento, por que permaneceu na escola por mais de dez anos? Por que razão não se demitiu ao primeiro sinal? “Ora… deve ser despeito por ter sido demitido, e falta de reconhecimento pela escola que lhe deu sustento”, disseram, em outras palavras, alguns interlocutores.

Curioso: um professor sendo acusado por não ter se demitido. Ou seja: ele está envolto num contexto recheado de atitudes que reconhece como racistas e fascistas atitudes que testemunhou quando do exercício do próprio ofício de educador, mas quando denuncia estas graves arbitrariedades é tratado como culpado por não ter abandonado a instituição previamente.

Filme antigo, não? Essa é a velha inversão de valores, a mesma que é aplicada à mulher que apanha do marido por 10 anos. Quando, esgotada e exausta, decide se afastar do companheiro passa a ser a culpada por não ter pedido “demissão” do casamento a mais tempo. No caso do professor a mesma retórica: ele é o culpado por ter permanecido no cargo, mas esquecem de analisar os condicionantes que afligem qualquer profissional, como salário, contas, família, projetos, profissão, sonhos e também a sua própria ação humanizadora na escola. Sim, por acaso a escola, onde ele estudou e onde criou laços afetivos, ficaria melhor com sua desistência precoce? Ou seria exatamente sua missão manter-se numa escola judaica (que mostrava sinais claros de condescendência com o racismo) para ser o contraponto a essa postura, que é (ou deveria ser) contrária ao próprio projeto pedagógico de uma escola judia: denunciar o racismo e a exclusão?

Não me surpreende que tantos judeus se apressaram a atacar o professor e estejam empenhados em “passar pano” para a Escola. Talvez sejam os mesmos que há poucos anos aplaudiram aquele candidato que falou dos “negros que eram pesados em arrobas“, ou quando disse que sua filha era uma “fraquejada“. Ahh, sim…. houve protestos de vários judeus contrários ao fascismo!! Por certo que sim, assim como há inúmeros judeus que têm consciência dos crimes cometidos contra a população palestina. Todavia, as palmas e os apupos ouvidos no salão da Hebraica do Rio de Janeiro não podem ser apagados da memória, assim como as palavras de desprezo pelos humildes e a aporofobia ditas pelos jovens do Colégio Israelita continuam reverberando em nossas mentes e corações. Benditos sejam aqueles que, diante dessas palavras, sentiram nojo e vergonha e perceberam o quanto elas estão erradas. Triste saber que muitos ainda se esforçam para justificar a barbárie e – pior ainda – atirando no mensageiro.

Os fatos que todos nós presenciamos confirmam essa perspectiva. Não há como passar pano para a barbárie. Não há como fazer de conta que esse não é um problema sistêmico. Dizer que é um fato isolado é uma mentira; ele é a representação de algo que está entranhado nas classes mais abastadas desse país, acostumado com a exploração e o apartheid de classes. É preciso denunciar – não as adolescentes, que de certa forma são vítimas de uma educação falha – mas todos aqueles que as formaram, e aí temos que olhar para a família e a escola. Qualquer coisa diferente disso significa alimentar o monstro do fascismo.

Ao professor Iair Grinschpun (que não conheço, mas já admiro pacas) minha solidariedade e meu apoio pela sua ação e pelo seu posicionamento. Não há porque ele mostrar o vídeo e sequer expor os adolescentes em sua página no Facebook; eles são apenas a parte visível do iceberg que a nossa sociedade terá de enfrentar. É preciso olhar de frente e com coragem para o fascismo e a exclusão antes que eles sejam o sinal dos tempos a anunciar a nossa extinção.

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Guerra Moral

Eu entendo as boas intenções desses religiosos, mas sei que existe um conceito por trás desse gesto que frequentemente nos leva para o lado errado do debate.

Esses três personagens – clérigos das três grandes religiões abrahâmicas – estão igualmente relacionados aos massacres ao povo Palestino, em especial em Gaza. Em geral, querem nos fazer crer que existe um elemento religioso nessas disputas. Todavia, apenas os tolos acreditam que a solução desses problemas se dará através da comunhão de pastores, rabinos e padres, como se as questões do colonialismo e da iniquidade fossem morais e as religiões pudessem resolvê-las. Isso é falso. Minha perspectiva é de que, se esse encontro pudesse trazer qualquer solução ao bolsonarismo que nos aflige, bastaria ir a Gaza, dar as mãos, fazer uma marcha ecumênica pela paz envolvendo estas religiões e o conflito se resolveria. Entretanto, todos sabemos que o drama da pobreza no Brasil e a ocupação sionista da Palestina NADA tem a ver com as religiões.

Imaginar o contrário é seduzir-se pela mentira. Nada se resolve com esse tipo de iniciativa. Aliás, o próprio Jesus dizia que “não vim trazer a paz, mas a espada“. A solução só poderá através da luta de classes, pelo enfrentamento ao colonialismo assassino e contra o Imperialismo opressor. Às religiões nada tem a ver com os dilemas profundos do Brasil e não são a solução para nossa miséria. O fundamentalismo religioso evangélico no Brasil não tem nada de religiosidade – basta ver o amor à violência e a veneração às armas – mas tem uma adesão clara aos valores conservadores e apenas por essa interface se comunica com a política. Ambos – conservadorismo e religião – aceitam a opressão como natural, e só por isso estão irmanados. Não há cristianismo em Bolsonaro assim como não há nada de judaísmo nos invasores europeus que fazem limpeza étnica na Palestina.

Misturar esse debate é ação diversionista. As religiões nunca foram motivo para as guerras, mas foram frequentemente usadas para camuflar interesses geopolíticos e econômicos. Esses três clérigos estão, mesmo sem o saber, estimulando o uso dessa camuflagem ao nos fazer crer que as religiões unidas poderiam ser um obstáculo ao avanço do bolsonarismo. Para mim o que existe de mais chato nos debates atuais é quando os liberais reclamam de posições radicais, dizendo que o radicalismo impede o consenso. Confundem o conceito de radicalismo com o extremismo. Extremismo é o que vai até o extremo – e dificulta uma posição que possa produzir acordos – enquanto o radical (do latim “radix”) vai à RAIZ, por isso o nome. Por certo que sou radical, e por isso mesmo não me deixo seduzir pelas propostas de amor e comunhão que os religiosos tentam nos oferecer, que nada mais são que uma versão romantizada e contemporânea da “pax romana”.

Ou seja: “calem-se, deixem tudo como está e não toquem nas feridas sociais pois isso atrapalha a nossa “paz” e a comunhão entre as classes“. Eu prefiro o barulho das espadas se chocando em combate do que o silêncio das adagas na garganta. Isso é ser “radical”: entender que não existe paz oferecida graciosamente, muito menos uma paz que trata conflitos geopolíticos e econômicos como simples questões morais, como uma guerra do “bem contra o mal”.

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Choque de Realidades

Lembro com precisão o choque que eu tive ao ver a capa desse livro ainda na adolescência e que confrontava a história oficial que era contada na escola sem qualquer contraponto. “Fomos atacados, revidamos e vencemos a guerra. Ora, qual o dilema moral?” Mal sabia eu da história não-contada, o significado da potência imperialista da época – a Inglaterra – e o papel do líder nacionalista e anti-imperialista Solano López, governante que buscava a autonomia da América Latina. Curiosamente a história do “revide” se repetiria, quase com o mesmo roteiro, distante dali, na Terra Santa.

A mesma sensação tive quando fui ao Rio de Janeiro no festival Internacional de Cinema em 2007 (para participar de uma mesa sobre o documentário que participei chamado “Orgasmic Birth“) e tive uma breve conversa com um cineasta Libanês do Hezbolah que apresentava um documentário sobre a invasão sionista no Líbano e a luta do povo libanês para expulsar os invasores e reconquistar sua terra. Eu estava pela primeira vez vendo essa guerra pelo lado da resistência anticolonial, e a paixão da resistência árabe me impactou.

Uma outra – e definitiva – oportunidade foi quando assisti ao documentário “5 câmeras quebradas” sobre a resistência Palestina na Cisjordânia, sua luta contra o apartheid sionista e a limpeza étnica que lá ocorre. Depois disso mergulhei na questão Palestina e me tornei um defensor incansável da causa. O impacto de ver a história contada de fora da imprensa oficial me fez enxergar muito do que fora escondido por décadas. Miko Peled descreve algo semelhante quando, na entrada da vida adulta, conheceu jovens palestinos nos Estados Unidos, o que fez mudar a sua trajetória para se encontrar no Movimento por uma Palestina Livre.

É bom estar sempre preparado para encontrar-se face a face com a verdade escondida em uma esquina qualquer do mundo.

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Humor e censura

Como é difícil convencer a “geração floco de neve” que a liberdade de fazer piada com TUDO, sem exceção, é uma das principais características da democracia. Se você criar espaços proibidos, lugares interditados para a crítica (porque piada é crítica social) você produz uma tirania cultural abjeta. Não posso imaginar uma sociedade evoluída que seja centrada no proibicionismo.

O humorista Bill Cosby, certa feita, fez um monólogo longo sobre “parto natural”, brincando com grávidas, gritos, bolsas rompendo, médicos, maridos, respiração, etc passeando por todos os clichês do parto e nascimento. Eu achei espetacular e de maneira alguma critiquei sua performance, porque sabia que um movimento cultural como o parto humanizado precisa ser forte o suficiente para suportar as inevitáveis críticas – inclusive aquelas que surgem em forma de piada ou paródia. E, quando vi este stand-up pela primeira vez, percebi que um movimento social como o parto humanizado precisaria ser testado através do humor. Se alguma coisa cai por ser objeto de piada, é por que nunca teve força para se sustentar.

Uma piada só existe dentro de um contexto; retirada deste espaço geográfico e histórico ela não faz sentido. Além disso, existem “falsas piadas” que são criadas e disseminadas apenas como veículo para preconceitos que, ditos de outra forma, não seriam aceitos. Entretanto, não é difícil perceber a construção dessas piadas, e elas invariavelmente carecem de graça.

Esta é a chave da piada: ela precisa ser engraçada, não limpa e moralmente impecável. Ela precisa tocar nas feridas sociais e humanizar personagens poderosos. Ela necessita ser livre de quaisquer coerções. Exigimos dela a crítica mordaz da cultura, da sociedade e, em última análise, de nós mesmos.

Criar censura sobre os chistes é destruir a cultura onde estamos inseridos. Não ajudamos grupos oprimidos oferecendo-lhes a censura como proteção, mas empoderando-os para que possam resistir.

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