Curiosamente, todas as utopias do futuro – ou do mundo após a morte – mostram um modelo social que muito se parece com o comunismo, um contexto sem classes e pacífico, e isso deixa claro que a paz só será possível através da supressão do capitalismo e da sociedade de classes, transformando nossa cultura na direção de um sistema que se importa com a equidade e a justiça social. Por outro lado, todas as distopias futuristas contemporâneas – como “Exterminador do Futuro”, “Blade Runner”, “Mad Max” ou mesmo “De Volta ao Futuro” entre outras – apontam para um porvir disfuncional, com o incremento violento e caótico das contradições capitalistas.
Isso me faz lembrar da história que Elizabeth Davis, parteira da Califórnia um dia me contou. Há muitos anos, em uma conferência, ela pediu para uma plateia lotada com centenas de enfermeiras para que imaginassem como poderia ser um “parto perfeito”. A regra para construir essa imagem mental era simples: não havia regras. Podia ser em qualquer lugar, em qualquer circunstância, com a ajuda de uma parteira, médico, xamã, obstetriz (ou até mesmo sem ninguém) e poderia ocorrer no lugar de livre escolha. Depois de alguns segundos com os olhos fechados, ela perguntou à plateia de enfermeiras obstetras quantas haviam imaginado o “parto perfeito” fora do hospital – o lugar onde praticamente todas elas trabalhavam. A resposta não trouxe nenhuma surpresa para quem conhece humanização do nascimento: praticamente todas as enfermeiras disseram que “o melhor parto possível” não ocorria no local onde elas mesmas trabalhavam, mas na segurança dos domicílios ou em uma Casa de Parto. Quase nenhuma acreditava que o melhor parto seria atendido em um hospital e por um cirurgião. Para elas a “utopia do parto” somente poderia surgir através de uma revolução no nascimento e pela mudança radical do modelo que hoje utilizamos.
Eu acredito que exatamente por isso as utopias são tão importantes. Inobstante o fato de serem distantes da realidade atual ou dificilmente factíveis, elas nos apontam o caminho a direção e o horizonte para a construção de uma nova realidade. Quando imaginamos o “parto ideal” ou uma “sociedade do futuro” e aparecem naturalmente sociedades igualitárias e partos fora do hospital isso nos mostra que insistir nos modelos atuais não parece ser o melhor caminho, e que a solução está na dura desconstrução de estratégias políticas e de cuidado que, apesar de terem valor e sentido em seu tempo, precisam ser suplantados se quisermos evoluir.
Entretanto, é essencial ter em mente que, para além do idealismo das utopias, é necessário colocar mãos à obra para que seja possível florescer a luta de classes e a revolução do parto.
Hoje eu tive um dos melhores sonhos com o meu pai; pelo menos posso afirmar que foi o mais vívido de todos. É possível que esse sonho seja o reflexo de um pedido mental que fiz a alguns dias, para que ele mandasse o sinal que havia me prometido. No sonho, encontrei-o na sala pequena de uma escola que tinha uma janela de frente para um parque gramado muito grande. Cumprimentei-o efusivamente e começamos a conversar. Perguntei como estavam as coisas e disse que ele estava muito bem. Passei a mão no seu rosto e me dei conta que ele era mais jovem do que eu. Seus cabelos estavam negros, como lembro pelas fotos, e parecia muito jovial. Perguntei o que ele estava fazendo naquela escola, e ele respondeu “Ora, eu trabalho aqui”. Isso seria coerente com sua vida, já que a melhor maneira de definir o meu pai seria como um pedagogo.
“Que bom que trabalhas aqui!!”, disse eu. Pedi a ele que me dissesse algumas coisas sobre o funcionamento do plano espiritual, ao que ele me respondeu de forma jocosa, como que a dizer “Se eu te dissesse tu não entenderias”. Eu traduzi isso como a resposta dada a uma criança de 5 anos que ousasse perguntar aos adultos porque as pessoas fazem sexo. Não faria muito sentido, pois este fato da vida está além da experiência sensorial de uma criança. Logo depois, perguntei pela minha mãe, e alguns amigos que nos deixaram nos últimos anos.
– Sua mãe está ótima. Vamos nos casar em maio.
Também faz sentido. Antes de morrer ele me confessou que pretendia casar com a minha mãe muitas outras encarnações, pois não conseguia imaginar uma companheira melhor. Por fim eu perguntei se aquela cara dele foi escolhida por ele mesmo ou algum mecanismo automático fez com que a conformação corporal adotasse sua “melhor versão”. Ele apenas sorriu….
Antunes, em destaque, primeiro jogador negro a vestir a camisa do Gremio, em 1912
Escutei recentemente alguns torcedores do Internacional dizendo que o Grêmio tinha a torcida mais racista do Brasil. Eu creio que não há base alguma para esta afirmação. Na verdade, existem mais argumentos para afirmar que seu rival rubro seria mais racista, exatamente pela história documentada de ataques à comunidade negra. Para se convencer do que estou falando bastaria conhecer as razões pelas quais Lupicinio Rodrigues, um negro, se tornou gremista. Não apenas um torcedor como qualquer outro; ele é autor do hino do Grêmio. Um clube racista permitiria isso? O Internacional à época (final dos anos 40) negou-se a jogar o campeonato junto com os atletas da Liga dos Canelas Pretas, que reunia os jogadores negros. Com seu voto, o Internacional impediu a participação dos negros do Rio-grandense. Diante desse fato, o negro Lupicínio Rodrigues percebeu o racismo entranhado na direção e na torcida colorada e declarou seu amor eterno ao Grêmio, junto com seus companheiros negros que o seguiram.
Adão Lima, que jogou no Grêmio nos anos 20 e 30 do século passado
O slogan do Gremio é “Grêmio, um clube de todas as cores“, e isso demonstra a luta do clube – torcida e instituição – contra o racismo. Que pesquisa de “clube mais racista” do Brasil seria essa? Pois do Brasil eu não sei, mas o clube mais racista de Porto Alegre é muito provavelmente o time vermelho. Utilizo aqui alguns trechos do livro “Liga da Canela Preta“:
“A história do negro no futebol revela como as práticas de preconceito era comum a época e também como os negros se organizaram para criar espaços de resistência e até mesmo de ascensão social através do futebol. Um dos momentos escolhidos foi uma coluna assinada por Lupicínio Rodrigues que explica porque é torcedor do Grêmio, uma vez que se tratava de um time de elite que não permitia que negros jogassem no clube. Lupicínio relata que o Rio-grandense fez um pedido para se inscrever na Liga hegemônica da época, a liga de brancos, mas o Internacional não aceitou a inscrição, gerando assim um motivo para que os negros torcessem para o Grêmio. Assim ele diz”:
“Este sonho durou anos, mas no dia em que o Rio-Grandense pediu a inscrição na Liga, não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo “Zé Povo”, votou contra, e o Rio-Grandense não foi aceito. Isto magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o Internacional, e o Grêmio, sendo o maior rival, foi o escolhido para tal.” (Santos, 92-93, 2019).
Vamos deixar claro que não existem torcidas mais ou menos racistas. Há poucos anos vimos a torcida do Botafogo fazer gestos racistas para jogadores do Flamengo, e nada me garante que toda a torcida tenha alguns torcedores que carregam esta chaga moral. Por isso que causa indignação chamar a torcida do Grêmio dessa forma. Como podem ver, a história do clube Internacional é marcada pela discriminação racial, fazendo muitos negros torcerem para o Grêmio. Por essa e outras razões a torcida do Grêmio é (muito) maior que a do coirmão inclusive na população negra, além de ser majoritária em todos os segmentos populacionais. Não só na questão do racismo, mas percebam também a primazia do Grêmio na questão da orientação sexual, tendo abrigado o primeira torcida LGBT reconhecida no Brasil. Conheçam a Coligay e o exemplo de diversidade dado pela torcida do Grêmio.
Mais um detalhe: citem o nome de um técnico negro do Internacional. Digam o nome de um presidente negro do colorado. Há alguns poucos anos o Inter não tinha nenhum conselheiro negro, enquanto seu rival tinha vários. Essa história de clube racista baseado na imagem deplorável de uma única torcedora – que realmente teve uma atitude condenável – é uma generalização criminosa. Lembre apenas desse fato que ocorreu na minha infância: nos anos 70 (1974) um vice presidente do Inter (que foi presidente depois disso), ao vivo em uma rádio gaúcha, chamou um árbitro negro (Luiz Louruz) de “macaco”. Ao vivo, para milhões ouvirem, e nada foi feito. O vice presidente do clube disse isso no microfone, como uma declaração!!! Esse dirigente é pai de um ex-presidente do clube que atuou há alguns anos.
Acham bizarro? Leia aqui, neste artigo do jornalista Claudio Dienstmann: “Em 1935, o Inter perdeu o Gre-Nal e o Conselho “afastou” o negro centroavante Tupan. Em 1974, após o jogo contra o Esportivo em Bento Gonçalves, descontente com a atuação do juiz da partida, o vice presidente do Inter, Gilberto Medeiros, chamou o árbitro Luiz Louruz de “crioulo sem-vergonha”, “ladrão”, “negro safado”, “desonesto”, “incompetente”, “irmão do Valmir”, “macaco”, “vagabundo”, “patife” e “comprado pelo Grêmio”. O assessor José Asmuz (que também viria a ser presidente mais tarde) acrescentou: “vendido” e “preto desgraçado”. Disseram isso enquanto dirigentes do clube!!!!!
Compare isso com uma torcedora anônima que teve o azar de ser filmada dizendo uma estupidez na hora em que um goleiro negro fazia “cera” – mas que não retira o caráter abominável de sua atitude. Mas pense: ela não estava ali representando o clube, sua direção e seu corpo de conselheiros, apenas a si mesma. Aliás, sem olhar no Google ninguém sabe seu nome. Aposto, entretanto, que não venceria uma eleição para presidente do clube mais amado do RS. Ahhh… e o técnico negro que dirigiu o Internacional (se você não lembra) foi o Valmir Louruz, em 1999. Seu irmão Luiz foi exatamente este que foi chamado por todos estes termos racistas pelos dirigentes do Internacional. Terá sido demitido depois por ser negro?
Hoje em dia vejo muitas manifestações de mulheres nas redes sociais gritando aos quatro ventos que não precisam de homem para nada. São vozes celebrando a independência do jugo multimilenário do patriarcado. Afirmam com toda a autoridade a desnecessidade dos “machos” – e essa palavra é usada com absoluta conotação depreciativa, como que reforçando a condição animalesca de quase metade da população mundial. Claro, dizem que ainda precisam de marceneiros, entregadores, maquiadores, lixeiros etc., homens que fazem serviços que para elas nunca foram interessantes ou desejados, mas explicam que estes apenas oferecem seu trabalho mediante um pagamento. Portanto, por não serem serviços mediados pelo afeto, não se enquadram na sua celebrada independência. Ou seja: dizem que não necessitam que os homens façam para elas algo que demandaria uma dívida, algo que precisaria ser pago de alguma outra forma. Eu sei, é um pouco confuso, mas por trás dessa manifestação eufórica existe uma inequívoca alegria com a libertação feminina da dependência que tinham dos homens em relação a muitas coisas. Não vejo nada de ruim neste tipo de busca pela autonomia, apenas acho curioso o quanto isso não faz parte da história masculina.
Em verdade eu sinto inveja desse sentimento, já que nunca o tive. Eu confesso que preciso das mulheres para ser feliz e nunca me esforcei para esconder essa falta. Sobre isso posso atestar o quanto minha esposa, filhas, irmã, neta, tias e amigas são fundamentais para o que eu poderia chamar de “felicidade”. Sou dependente dos afetos das “fêmeas”, e não tenho nenhuma vergonha em admitir isso. Na dualidade que constitui o mundo, depender do outro é parte integrante do que nos define. Por isso essas manifestações soam engraçadas aos ouvidos atentos dos “machos”: não conheço nenhum homem que orgulhosamente bate ao peito e afirma desprezar qualquer coisa que venha das mulheres, tratando-as como desnecessárias. Mesmo os gays – que não precisam delas para o prazer – têm apreço especial por elas, e alguns as tomam como exemplo de imagem a ser glorificada.
Essa questão da “necessidade do outro” me faz lembrar de dois filmes que assisti na minha juventude, bem na época em que os meus filhos estavam nascendo. O primeiro deles é um filme americano de 1968 chamado “Inferno no Pacífico” com Lee Marvin e Toshiro Mifune, onde dois sobreviventes de uma batalha naval – um soldado norte-americano (Lee Marvin) e um oficial japonês (Toshiro Mifune) – ficam isolados em uma ilha deserta do Oceano Pacífico durante a II Guerra Mundial. Eles são inimigos, desejam matar um ao outro e lutam por potências em guerra, mas percebem com o tempo que, apesar de suas diferenças essenciais, a chance de sobrevivência aumentaria muito para ambos caso resolvessem cooperar ao invés de combater. O outro chama-se “Inimigo Meu“, uma ficção científica de 1985 com Dennis Quaid. Neste, ao invés a batalha no Pacífico, a luta é interplanetária, entre o nosso planeta e o planeta Dracon. Após uma perseguição com naves no espaço, Davidge (Dennis Quaid) fica preso em um asteroide deserto com seu inimigo Jeriba Shigan (Louis Gosset Jr) e, assim como no filme sobre a guerra dos americanos contra o Japão, descobrem que para sobreviverem seria necessário que esquecessem a animosidade e investissem em uma atitude de cooperação. Assim o fazem, e acabam desenvolvendo uma curiosa amizade, onde ambos aprendem com as diferenças marcantes entre as culturas. Uma parte interessante do filme é que, no meio do enredo, o alienígena Jeriba dá à luz um “bebê Drac” (Zammis) com a ajuda do “parteiro” terráqueo. Ou seja, o bebê nasceu através de uma fecundação assexuada, por partenogênese. Durante o parto (por uma abertura abdominal) Jeriba explicou a Davidge que assim se reproduziam as linhagens no planeta Dracon – sem encontros sexuais, apenas pela clonagem, criando uma cópia de si mesmos em um novo sujeito. Esta, sim, seria autonomia máxima sonhada por alguns: a independência total do outro, sem que houvesse qualquer razão especial para que a sociedade se organizasse em grupos. O sujeito se bastaria, não seria necessária nenhuma troca.
Passei boa parte da minha vida imaginando como uma sociedade assim constituída poderia existir, e a minha conclusão é que este tipo de organização social serviria tão somente para bactérias e protozoários. Não é a toa que a união sexuada foi criada no processo evolutivo: ela permite o aperfeiçoamento pela diversidade, e diversidade em biologia é riqueza e segurança. Uma sociedade onde todos fossem iguais seria catastrófica. Pois é exatamente a diversidade entre homens e mulheres o que mais me encanta. Olhar o mundo pela perspectiva do outro é uma forma de produzir crescimento pessoal. Por isso viajar é tão enriquecedor, além de ser a melhor vacina contra os etnocentrismos – conhecer o estranho é essencial para incorporar seus valores e respeitar sua visão de mundo. Para mim, outra forma interessante – e essa pode ser feita mesmo sem sair do lugar – é olhar o mundo pelos olhos das mulheres, tentando entender como elas configuram as coisas, as pessoas, as relações, os afetos, as características especiais e a forma profunda de decifrar o universo. Meu amigo Max, quando nos deparávamos com alguma coisa estranha ou incompreensível feita por uma mulher, sempre me dizia “Entenda: uma pessoa que sangra todos os meses e é capaz de carregar outra no ventre jamais vai traduzir o mundo com as mesmas palavras que nós”.
Caso as mulheres desaparecessem da face da Terra, depois de 80 séculos de patriarcado, o mundo, as fábricas, os governos, as religiões e a civilização como um todo talvez não sofressem nenhuma mudança drástica em curto prazo; a água continuaria correndo das torneiras e a luz elétrica ainda iluminaria nossas noites. Entretanto, é certo que a humanidade mergulharia numa tristeza sem fim, como se a cor de tudo viesse a desaparecer e o mundo passasse a ser constituído apenas por penumbras e vultos desfocados. Caso os homens, esses inúteis, desaparecessem da face da terra, em uma semana o que restou da humanidade estaria acendendo fogueiras esfregando gravetos. E isso ocorreria por muitas décadas, até que esta sociedade unipolar se desse conta do quanto os homens têm valor, pela sua especial forma de traduzir o mundo. No fundo eu penso que ambos os filmes falam da mesma verdade: muito mais do que digladiar em torno de uma suposta supremacia ou da desimportância do outro em nossa vida, é muito mais proveitoso usar a oportunidade que eles nos oferecem de crescer através das diferenças.
A população negra dos Estados Unidos está por volta de 13%, que é muito menor do que aquela do Brasil, onde os não-brancos há muitos anos são a maioria. Segundo o censo de 2022, negros e pardos já são 55% da população brasileira; brancos são 43%. Curiosamente, eu nunca achei estranho visitar a sede do Império na perspectiva da diversidade racial, e hoje me dei conta das razões. Eu vivi a vida inteira no RS, onde predominam os descendentes (como eu) de imigrantes alemães, italianos e portugueses. Aqui no meu Estado, a porcentagem de não brancos (negros e pardos) é de apenas 16% da população. Ou seja, três vezes menor do que o resto do país, mas muito parecido com a diversidade racial dos Estados Unidos. Sei bem o que significa ser muito diferente do que o lugar onde estamos: ao visitar pequenas cidades na China percebi o impacto de parecer diferente cercado por curiosos na rua que me pediam selfies.
Certamente, caso eu fosse baiano, teria um choque estético ao chegar no Texas, um estado eminentemente WASP (White Anglo-Saxon Protestant). Além disso, parece evidente que o racismo americano, que sobreviveu no corpo das leis até meados dos anos 60(!!) tenha forjado uma sociedade muito mais dividida. Foi somente a partir da intensa pressão exercida pela campanha do Movimentos dos Direitos Civis que o presidente Lyndon Johnson assinou a Lei dos Direitos Civis, que sepultou o sistema brutal de supremacia racial nos EUA. Do ponto de vista étnico o sul do Brasil é o mais branco entre todas as regiões do pais, e isso explica muita coisa, inclusive a paixão de alguns do sul pelo supremacismo nazi. Eu acredito que a educação de um sujeito passa pela confrontação com os diferentes e as diferenças, e o que nos falta aqui é uma presença mais forte dos diferentes, permitindo que incorporemos seus valores e suas perspectivas de mundo. Isso também explica que, ainda em 2024, tanta gente odeie os palestinos apenas porque, ilusoriamente, eles parecem diferentes de nós.
Há muitos anos eu caminhava por uma rua do centro da cidade quando entrei em uma passagem escura do centro histórico para encurtar caminho. Logo depois de dar uns poucos passos dois sujeitos mascarados se aproximam de mim. Antes que eu pudesse esboçar qualquer defesa preventiva um deles me empurrou e me jogou ao solo, enquanto o outro me chutou o rosto com extrema violência. Apesar da máscara e das roupas semelhantes, foi possível perceber que um deles era mais alto e, pelos cabelos grisalhos, o outro parecia ser mais velho, mas ambos foram igualmente brutais e precisos nos chutes e socos que me deram. E foram vários: no estômago, na cabeça, nas costas, nas pernas. Chutes e pisões, mesmo quando eu já estava deitado e sem qualquer possibilidade de me defender.
Depois que seus impulsos homicidas se acalmaram eu me mantive imóvel caído ao solo. Acreditei mesmo que aquela fúria iria me matar. Deitado e sem me mexer, era quase possível escutar meu coração disparado de terror, sentir o suor frio brotando do rosto e o sangue jorrando da boca, enquanto sentia o crepitar dos ossos quebrados do maxilar. Tinha medo de me mexer e perceber que haviam quebrado minha coluna. Depois de minutos que pareciam séculos, um deles finalmente se aproximou e tirou do meu bolso o celular, enquanto o outro revirou meu casaco em busca da carteira. Quando a achou disse ao comparsa: “Vamos embora. Deixe essa barata aí no chão”. Naquele momento, quase os agradeci; eu só queria sobreviver.
Quando a dupla de assaltantes deu os primeiros passos a porta da casa em frente se abriu e uma senhora assustada colocou a cabeça para fora. “Fui assaltado. Preciso ajuda”, disse eu, mas minhas palavras não soaram mais que um gemido. Depois de titubear por instantes, e talvez por ver, horrorizada, minha face desfigurada, ela resolveu vencer o medo e se aproximou de mim. “Melhor ligar para uma ambulância” disse ela falando com alguém pela porta aberta atrás de si.
Os bandidos saíram caminhando, sabendo que ninguém viria em seu encalço. Porém, metros adiante os dois meliantes subitamente pararam. Para mim ficou claro que um deles percebeu que na minha carteira estava todo o meu pagamento mensal, o que valia muito mais que o velho telefone Motorola que o outro havia tirado do meu bolso. Iniciaram uma discussão sobre a divisão do roubo, enquanto eu continuava a sangrar no chão a espera de assistência. O clima entre os ladrões esquentou e pude escutar um deles chamava o outro de “pervertido de merda”, enquanto o outro chamava seu comparsa mais velho de “idoso demente”. Depois dessas ofensas de lado a lado, partiram para a pancadaria e começaram a se empurrar, trocar socos e chutes, gritando a todo pulmão “é meu”, “passa aqui minha parte”.
Caíram ao solo e a briga ficou ainda mais feia, com mordidas e cotoveladas. Algumas pessoas, acordadas pelos gritos, saíram às ruas para ver do que se tratava. Ao longe, os corpos mascarados se misturaram ao lusco-fusco da penumbra noturna tornando-se quase impossível distinguir um do outro. Pareciam mesmo uma massa disforme e preta de onde emanavam gritos, xingamentos, chutes e socos. A disputa se tornava cada vez mais violenta e a senhora da casa voltou com um copo d’água e um pedaço de pano limpo para limpar o sangue do meu rosto e tentar me fazer reagir depois de tanto apanhar. Enquanto tirava os coágulos do meu nariz voltou seu rosto para os dois bandidos que se mantinham embolados, agarrados um ao outro, e lutando ferozmente a vários metros de distância. Parou por alguns instantes observando a luta, voltou seu olhar para mim e finalmente perguntou:
Ainda ontem escutei um jornalista da extrema-direita usar o termo “Lulopetismo”, tentando criar a ideia que o Partido dos Trabalhadores é uma espécie de seita centrada na figura de um “líder supremo”, cujas determinações precisam ser obedecidas cegamente, sob pena de o rebelde ser arrebatado por um míssil caso não obedeça, como aquelas fake news da Coreia Popular. Do mesmo jornalista ainda há algum tempo o escutei citando o “Decálogo de Lenin“, como se essa farsa, criada para atacar a experiência comunista durante a Guerra Fria, fosse uma verdade insofismável.
Ora, o “Decálogo de Lenin” é apenas uma “fake news” que todo fascista iletrado e ignorante repete por não ter senso crítico. Sempre vem da mesma turma que dissemina mentiras pela incapacidade de avaliar as fontes, gente de mentalidade rasteira e de formação miserável. A ideia é inserir falsidades no discurso cotidiano de forma persistente e constante até o ponto em que ninguém terá parâmetro algum para distinguir as verdades das mentiras. Esse é o projeto dos fascistas: mentir com tamanha desfaçatez até que seja impossível se orientar entre tantas farsas.
Voltando ao “lulopetismo”, tenho dificuldade de entender o que realmente querem dizer com esse termo. Por acaso se referem aquele grupo que rouba joias, Rolex e faz rachadinhas? Por acaso se referem àquela família que adquiriu 51 apartamentos com dinheiro vivo e tem uma horda de desajustados, abusadores, pervertidos e milicianos lhe seguindo? Esse é o movimento cujo líder está sendo acusado de ser ladrão e roubar o patrimônio público, aceitando supostas propinas de ditadores árabes para vender refinarias? É esse grupo que o jornalista está se referindo?
Quanto a Lula, ele é um presidente de centro-esquerda que está bastante distante da minha perspectiva socialista, ou mesmo dos sonhos daqueles que desejam a derrubada do capitalismo para a evolução social. Apesar disso, ele é um dos maiores líderes populares do ocidente, e suas dificuldades atuais são decorrentes de ter encontrado em seu terceiro mandato um país destruído por 6 anos de desmonte da máquina pública, de neoliberalismo, de privatizações criminosas e da volta da fome. Sobre o presidente Lula há que se aclarar algumas questões:
1- Lula foi julgado por um juiz corrupto. Ponto. Ninguém pode ser julgado por um judiciário corrompido e que tem lado. Quando digo “ninguém” isso significa Lula, Bolsonaro, eu e qualquer cidadão. Um judiciário imparcial é a base do Estado Democrático de Direito; sem isso é vale-tudo. Por isso acreditamos que até Bolsonaro precisa ser julgado da forma mais isenta possível, pois a injustiça a qual Lula foi submetido nenhum cidadão deveria sofrer.
2- O presidente Lula jamais se apossou ilegalmente de bens públicos. Quem achar o contrário que mostre o número do processo e a sentença condenatória transitada em julgado
3- Lula não foi condenado em todas as instâncias. Pelo contrário; foi absolvido em todos os processos contra ele, seja por falta de provas ou por atitudes corruptas dos julgadores. Tenham em mente que os próprios desembargadores do TRF4 foram afastados por condutas suspeitas, as sentenças em que estiveram envolvidos foram anuladas e que o chefe da quadrilha – ex-juiz Moro – está sendo processado por corrupção. Só oportunistas e desonestos ainda falam em “sítio de Atibaia” ou “Tríplex”, ambos já vendidos pelos seus legítimos donos. Pior ainda é ver que essas mesmas pessoas que falam estas mentiras fazem vista grossa para os mais de 50 imóveis comprados com dinheiro vivo por Bolsonaro sem que ele tivesse renda comprovada para realizar tais transações.
4- Os dirigentes do PT foram absolvidos e/ou tiveram suas penas extintas. Cito em especial Zé Dirceu e José Genoíno, mas também Delúbio Soares. Foram presos por “law fare”, corrupção judiciária, e hoje são ficha limpa. Portanto, a ideia de que “a cúpula do PT está presa“, é falsa.
5- Lula é o maior líder do sul global, ao lado de Xi Jinping e Wladimir Putin. É aclamado em todos os lugares que vai. Nunca roubou nada deste país, ao contrário de Bolsonaro que desviou recursos públicos para sua campanha, roubou joias, falsificou documentos e tinha uma minuta de golpe em seu escritório. O “mito” é o sujeito que os fascistas brasileiros aplaudem, seguem e admiram: um canalha e escroque. Enquanto isso, Lula em menos de 2 anos projeta colocar de novo o Brasil como 6a economia mundial até o final do mandato, tirando nosso país do 12o lugar colocado pela dupla de golpistas Temer/Bolsonaro.
6- Ao contrário do que se diz de Lula, as provas contra Bolsonaro são abundantes e seus crimes são claros e insofismáveis, comprovados por evidências materiais, e não por delações feitas por pessoas sob tortura – como as de Leo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que depois escreveu uma carta retirando todas as inverdades que disse. Contra Bolsonaro as delações servem apenas para confirmar o que as provas já deixam muito claro: roubou joias, recebeu propina para vender estatais, falsificou documentos, aplicava rachadinhas em seu gabinete por 30 anos e sua atual esposa o acompanha nos desmandos através do seu cartão corporativo.
Não há como colocar Bolsonaro e Lula lado a lado, como se tivessem a mesma estatura. Um deles é um sujeito que presta continência à bandeira americana e diz “eu te amo” ao presidente Trump. O outro é o maior líder dos países em desenvolvimento, a grande esperança dos povos do sul global. Por mais que os comunistas reconheçam as limitações de Lula como líder de um país controlado pela democracia liberal, ainda assim ele é, no momento, o melhor caminho para a luta de classes.
Meu pai costumava dizer “As virtudes são do sujeito e sua genialidade será eterna; já os defeitos são de seu tempo e lá devem ficar”. Com isso procurava relativizar as falhas e defeitos encontrados nas biografias de gênios da literatura, música, artes plásticas e até da ciência. “É injusto, continuava ele, analisar o sujeito fora do seu tempo, alijado de seu contexto, sem a pressão do seu campo simbólico, no tempo e no espaço. Sem levar em conta seu tempo nosso julgamento sucumbe ao anacronismo”.
Esta semana surgiram acusações ao pintor Paul Gauguin pela prática de relações sexuais com menores de idade no Taiti, onde passou seus últimos anos de vida. A discussão gira em torno dos quadros pelos quais Gauguin é mais conhecido, produzidos em seus últimos anos de vida, quando retratou meninas taitianas que serviram não apenas como modelos, mas parceiras em suas aventuras eróticas. Por esta parte obscura de sua vida mereceria ser, na linguagem contemporânea, ser cancelado.
Eu digo que se formos cancelar o pecador – e não o pecado – não sobrará uma obra sequer da vasta produção humana que não sofra cancelamento, seja ela em tela, página ou melodia. Nada restará de pé para que nossa civilização possa degustar sem culpa. Quem ai, dotado de genialidade criativa, estaria isento de ser seduzido pelos próprios monstros internos? Quem, diante da fama, fortuna e o poder que delas deriva, não seria chamado a se lambuzar nos sabores mundanos? Quem pode julgar o sujeito – não o delito – que, podendo errar, errou?
Por essa razão, eu me oponho de forma veemente a todo tipo de julgamento moral de artistas e pensadores. Nada é mais danoso à cultura contemporânea do que a patrulha moralista, em especial a identitária. Nada é mais embutrecedor do que apagar o passado por julgamentos morais do presente. A tentativa de remediar estas falhas, colocando embrulhos de celofane nos malfeitos é ainda pior; a solução encontrada por alguns de mudar as obras, fazendo “correções” para amenizar “erros” é absurda e mutilatória. “Corrigir” Heidegger, Monteiro Lobato, Picasso ou Wagner é destruir a história que circunda seus trabalhos, o que lhes veste de significados e relevâncias.
Deixem os termos racistas, antissemitas, misóginos e homofóbicos intactos e discutam esses fatos abertamente, como uma janela aberta no tempo para enxergar nossos valores mutantes no passado, assim como os erros de lá que desejamos combater aqui. Apagar da história as obras de gênios controversos é um crime de lesa-arte. Ao fim e ao cabo acabamos percebendo que a avaliação moral do artista serve sempre a interesses políticos, e libertar-se desse tipo de constrição é sempre um ato de justiça à própria arte, que será livre ou não será arte.
O treinador do Palmeiras há alguns dias fez, durante uma entrevista para os profissionais de imprensa, uma declaração que correu pelo Brasil: “Isso não é uma equipa de índios. Há uma organização, e dentro dessa organização há liberdade para eles criarem…“.
Sabe por que ele diz isso com tanta naturalidade? Porque o racismo e o etnocentrismo europeu são absolutamente naturalizados por lá; eles não possuem a carga que existe por aqui, onde pelo menos se criou uma consciência sobre a barbárie da escravidão e uma certa vergonha disseminada por esta prática. Em Portugal (assim como na França) o racismo se expressa como a “invasão” de alienígenas a fragilizar sua cultura. A propósito disso, me veio à lembrança uma senhora no comboio no caminho entre a cidade do Porto e Lisboa falando abertamente que não suportava os escurinhos da “mouraria”, referindo-se aos torcedores do Benfica, clube que fica em Lisboa às margens do Tejo e que, segundo muitos racistas do norte de Portugal, é contaminada pelo sangue dos mouros – um tipo de ser humano escuro e “inferior”. Uma comentário como esse, feito por um brasileiro (e mesmo um americano) teria uma reação imediata de todos os presentes, mas parece que alguns ainda acham justo “passar pano” para este tipo de manifestação supremacista. Portanto, não deveria causar espanto treinadores “europeus” usarem este mesmo tipo de discurso naturalizado. Mas não será surpresa se aparecer a versão de que foi um “deslize” de alguém não compreende bem a forma do brasileiro se expressar?
Ora, sendo ele português e vindo de uma cultura responsável pelo extermínio de milhões de indígenas, deveria ser mais cuidadoso. Que ao menos seja hipócrita, e deixe essas demonstrações confinadas à sua casa, seus filhos e sua família. Humildemente, peço encarecidamente que não emporcalhem o futebol brasileiro com manifestações racistas desta natureza. Vou mais além: é possível que quando ele se refere aos “índios” ele na verdade está falando de todos nós brasileiros, inobstante as raízes europeias que alguns carregam. Para um europeu racista típico, as antigas colônias – sejam nas Américas, África, Oceania ou Ásia – eram os lugares para mandar os ladrões, os bandidos e os degredados, e talvez seja essa a imagem que ainda hoje este treinador cultua do Brasil. Talvez para o senhor Abel, o Brasil seja um país para pegar nossas riquezas – antes o ouro, agora se aceita “cash”- e depois fugir de volta para a civilização, um lugar de gente branca, limpa e organizada – exatamente o que os seus antepassados fizeram durante quase 4 séculos.
Apesar de eu ser um defensor fanático da livre expressão, eu acredito que manifestações de caráter racista precisam receber o adequado contraponto. Um sujeito como este não pode dizer estas coisas e não receber respostas que o façam – no mínimo – vir a público pedir desculpas. Sim, passados alguns dias já o fez, mas imagino sua surpresa ao notar que tratar os indígenas com total desprezo foi considerado inadequado. De qualquer modo, não podemos aceitar que personagens do futebol usem de sua notoriedade para espalhar grosserias e ataques aos habitantes originais dessa terra. E aqui deixo minha homenagem a um dos maiores centroavante da história do Brasil dos anos 60: Alcindo Martha de Freitas – o Bugre – cuja ascendência indígena era explícita, motivo de orgulho para si e sua família, mas que jamais foi tratado por nenhum treinador como um “desorganizado” por sua ascendência “bugre”. Segundo seu Raimundo, pai do garoto Alcindo, sua força vinha do “leite materno” e do “sangue de índio”, o que mais tarde se traduziria em centenas de gols pelo tricolor gaúcho, levando-o a ser convocado para a copa de 1966 ao lado de Pelé.
Por fim, é possível ser acusado de “exagerado” neste episódio, até mesmo de não ser compreensivo com o “deslize” do treinador português, mas não acho justo reduzir as críticas à sua fala como se fossem apenas manifestações passionais, derivadas de uma perspectiva clubista. Aqui no sul do Brasil o meu time do coração é treinado por um bolsonarista inveterado da pior espécie e eu não tenho nenhuma condescendência com esse tipo de sujeitos. Todavia, há que se separar os profissionais – com bons ou maus trabalhos – dos cidadãos em suas relações sociais. Aos primeiros que façam seu trabalho de forma honesta, mas dos últimos não podemos aceitar este tipo de fala racista.
Parece mesmo que as desgraças na América são guiadas por uma bússola política curiosa. Partem do norte global, da sede do Império, passam pelo Brasil e chegam até o sul das Américas, na Argentina. Assim começaram com Trump e suas ligações com a extrema direita de Bannone dos “proud boys“, passam pelo Brasil de Bolsonaro e sua quadrilha de golpistas, estelionatários e ladrões de joias e finalmente chegam até a Argentina, onde um alucinado roqueiro de costeletas obscenas leva a cabo seu projeto ancap de destruição de todo o patrimônio do povo argentino. A reação segue o mesmo fluxo. Trump é condenado por suas mentiras e tramoias, mas isso não o impedirá de concorrer. E mais: ele vai ganhar, até porque no sistema americano de partido único talvez ele seja menos perigoso que o maior “senhor da guerra” do século XXI, o demenciado Joe Biden.
Bolsonaro agora encontra, finalmente, seu inferno astral. A descoberta de seus crimes, e a publicidade que agora foi dada a eles, mais do que demonstra o acerto de rejeitá-lo nas urnas, mas também expõe a quantidade incrível de delitos cometidos por esta administração desastrosa. Se não bastassem a “minuta do golpe“, o escândalo da compra de vacinas, a falsidade ideológica da carteira vacinal, o mau uso do dinheiro público na pandemia, o roubo de joias e outras propriedades públicas, temos conversas reveladas que mostram inclusive intenções homicidas, e não há como descartar os casos de Marielle, Bebianno e até mesmo Adriano da Nóbrega, num possível caso de “queima de arquivo”. Ninguém pode duvidar que, em breve, a Argentina também acordará do seu surto e colocará seu presidente lunático no lugar onde merece estar: um sanatório, junto com seus cachorros
Todavia, a propensão criminosa de Bolsonaro e sua “entourage” não poderia causar surpresa para quem acompanhou a carreira desse obscuro deputado da extrema direita, admirador de torturadores e ditadores dos anos de chumbo. Basta perceber seu crescimento patrimonial (as dezenas de imóveis comprados com dinheiro vivo) e a prática disseminada de “rachadinhas” em seus mandatos e nos de seus filhos. Qualquer um que se espante com propinas de autocratas árabes e as joias surrupiadas estará praticando cinismo; só um tolo pode se surpreender pela forma como Bolsonaro tratou como suas as coisas do país.
Entretanto, ao ser desfeito o sigilo de Bolsonaro e a consequente exposição pública da podridão de seu governo, não foi para ele que minha atenção se voltou. Em verdade, a minha tristeza é ver quantos amigos de infância embarcaram na onda bolsonarista, saíram às ruas de verde e amarelo, debocharam da queda de Dilma (sem crime de responsabilidade), a prisão ilegal e imoral de Lula (inocentado em todos os processos) apoiaram a promiscuidade do governo com o crime organizado, pediram golpe de Estado e acamparam pedindo uma ação das forças armadas (que participaram do governo e estão envolvidas em inúmeros crimes cometidos). Para estes amigos, que saíram às ruas anestesiados pela propaganda anticomunista do pós-guerra, alimentados por fake news, usados como massa de manobra pelas elites financeiras, e carregando slogans fascistas – Deus, pátria, família – eu só posso me entristecer. Gente que eu conheço como jovens de bons princípios, que sempre se empenharam na caridade aos desvalidos, que participam de instituições de ajuda e suporte aos famintos e descamisados e que nesse período de loucura se lançaram como sardinhas na rede fascista. Com o tempo a “Onda” foi mudando seu discurso, e da noite para o dia os vi empenhados em mentir sobre seus adversários enquanto encobriam as falcatruas e os desvios morais do seu líder máximo.
Esses, que aderiram à “Onda“, são minha grande tristeza e minha angústia. Até acredito que o nosso judiciário por mais venal e corrompido que seja (que esteve ao lados dos golpistas em 1964, 2016 e 2018) não terá como lavar as mãos diante de tantos e diversificados crimes dessa organização criminosa, liderada e conduzida pelo ex-presidente Bolsonaro. Entretanto, isso não elimina o fato de que esses seguidores fascistas são 15% dos eleitores do Brasil, e isso é uma grave ameaça à nossa frágil democracia. Como diria Bertold Brecht. “A cadela do fascismo está sempre no cio”, e se não olharmos para esse enorme contingente estaremos fazendo a semeadura de um novo fenômeno fascista.