Arquivo da tag: Marx

Mudanças

Fiquei sabendo da entrevista de um economista brasileiro que, num determinado momento de sua vida, abandonou as teses neoliberais que sempre o guiaram e passou a enxergar a sociedade por uma perspectiva mais humanista, valorizando as relações pessoais, a simplicidade e a necessidade de um mundo mais justo e equilibrado. Movido pela curiosidade, fui assistir.

O título era chamativo: Me arrependi, e o entrevistado era o economista José Kobori. Na entrevista, ele conta como passou de um profissional conectado ao catecismo financeiro tradicional para se tornar um crítico do modelo econômico surgido após a era Reagan. Minha curiosidade era pelo caminho que ele teria percorrido para alcançar o extremo oposto de seu antigo pensamento. Que tipo de leitura o convenceu? Teria conhecido Marx, quiçá foi tocado pela leitura de Lenin, Trotsky ou algum socialista contemporâneo, como Harvey?

A resposta não me surpreendeu, pois que eu já intuía que tais mudanças raramente ocorrem mediante epifanias de ordem intelectiva. Quando Nia Georges e Robbie Davis-Floyd estiveram pesquisando profissionais da humanização do nascimento no Brasil, para saber as razões de sua mudança paradigmática na direção de um modelo contra-hegemônico e humanista, as respostas oferecidas por inúmeros profissionais deixaram as suas motivações expostas: todos haviam passado por dramas pessoais, afetivos, emocionais, que os fizeram enxergar a realidade de forma distinta daquela que tinham até então. Não foi a leitura de um livro, ou uma aula na faculdade; foram fatos, quedas, solavancos emocionais, muitos deles doloridos e até vexatórios, que os levaram à mudança.

José Kobori, o economista até então liberal, foi preso na onda de justiçamentos da Lava Jato. Pela descrição que li do seu caso, tratou-se de uma prisão abusiva, absurda, autoritária, sem provas e baseada em vingança. Ele sofreu várias ameaças de morte e foi perseguido por organizações criminosas envolvidas em propinas com governos estaduais. Entretanto, naquela época ninguém ousava questionar os métodos medievais e abusivos da República de Curitiba, tanto a imprensa – apaixonada por figuras nefastas como Moro & Dalanhol – quanto as instâncias superiores do judiciário. Ele foi mais uma vítima dos linchamentos judiciais que mancharam a lisura da justiça brasileira.

E foi esse drama pessoal, e os quase três meses em que esteve injustamente preso, que o fizeram rever seus valores. Quando foi finalmente solto, havia perdido tudo que havia conquistado em termos materiais e foi obrigado a começar do zero. Como tinha experiência como professor, começou a dar aulas pela internet, desta vez mostrando os equívocos do modelo neoliberal. Todavia, foi sua experiência na prisão que abriu as portas para uma visão mais abrangente da sociedade. Lá encontrou assassinos e criminosos comuns, conheceu os sistemas de poder da prisão e teve de se adaptar a essa nova realidade. Entretanto, o que mais lhe chamou a atenção foi que na prisão havia pessoas, como quaisquer um de nós. Boas pessoas, pessoas ruins, egoístas, fraternas, inteligentes e limitadas, culpadas e inocentes; todo o tipo de ser humano, exatamente como havia conhecido fora de lá. Foi então que começou a questionar a justiça social, a fraternidade, a equidade e até a meritocracia, um mito por tanto tempo acalentado que agora desmoronava diante dos seus olhos. Depois dessa vivência traumática, sua vida se transformou.

A mesma experiência teve Miko Peled, filho de um general israelense que foi herói na guerra de 1967. Já entrando na idade madura, teve a oportunidade de debater a questão da Palestina com amigos palestinos que encontrou fora de Israel, o que lhe permitiu abrir os olhos e enxergar o mundo sem a viseira do sionismo. Foi do sofrimento originado da confrontação de suas antigas crenças com as aspirações de liberdade do povo palestino que conseguiu enxergar uma realidade alternativa. Foi sentindo em si a dor da ocupação, recebida pela voz embargada de seus amigos palestinos que descreviam os horrores do apartheid, que a mudança se tornou possível. A partir desse encontro, ele transformou sua vida e assumiu como missão pessoal a luta pela Palestina Livre e pelo fim do regime sionista.

Nesses exemplos fica evidente a veracidade de um antigo axioma: “Não há como mudar racionalmente uma crença surgida da irracionalidade”. A única maneira de mudar posturas recalcitrantes é por meio da abordagem emocional, afetiva e pessoal. Mais do que entender o problema, é preciso senti-lo, e só assim será possível conhecer uma verdade superior. Essas experiências, muitas vezes difíceis e dolorosas, como a prisão no caso de Kobori, ou a morte de uma sobrinha num ato de terrorismo, no caso de Miko, são preciosas por serem fantásticas alavancas de transformação pessoal, desde que possam ser absorvidas de forma construtiva e criativa. O mesmo se pode dizer dos abusos da Lava Jato. A dor que o país ainda experimenta pelos desmandos jurídicos deveria servir como uma lição cívica para que nunca mais se repitam. Esperamos que assim seja.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Pensamentos

Entre Marx e Freud

Nossa herança animal nos oferece uma característica peculiar na história da vida no Planeta. Carregando a herança de milhões de anos de processo evolutivo, mas subitamente dotados de razão, caminhamos sobre a fina lâmina que divide a mais instintual animalidade das características angelicais de quem pensa e raciocina. Inobstante a grandeza do nosso avanço tecnológico, somos governados por um núcleo de medos coberto por uma camada de crenças irracionais. Estas crenças nos oferecem a falsa certeza de termos controle sobre a natureza e o caos do universo, e nos protegem das sombras da desesperança. Sobre nossas crenças se assenta uma fina e translúcida camada de racionalidade, quase insignificante, mas que nos oferece a ilusão de termos suplantado nossos atávicos temores.

A psicanálise nos mostra, em essência, a fragilidade de nossas escolhas, não apenas em termos subjetivos, mas também no que diz respeito às opções sociais e políticas. Por mais que tentemos entender de forma racional os diferentes modelos e sistemas políticos, haverá sempre dentro de cada sujeito um choque interno determinado pelos nossos valores, os quais dominam e direcionam nossas escolhas. Para o pai da psicanálise, “Não há sujeito sem cultura e nem cultura sem sujeito”. Freud deixou claro, desde o surgimento da psicanálise, que o sujeito é inseparável da cultura; a vida subjetiva implica, inexoravelmente, na referência do sujeito ao Outro – objeto de amor e de ódio – e à linguagem. A psicanálise atua na sutileza, na delicadeza, nas filigranas do discurso; sua busca é pela imbricação de afetos, o conflito dos amores, a disputa de desejos e o desatar destes nós que carregamos.

Desta forma, quando o sujeito se situa à direita ou à esquerda do espectro político, existe nesta definição uma série de elementos psíquicos intangíveis, escondidos nos porões úmidos do inconsciente, agindo sobre suas ações. E assim o fazem escondidos atrás de discursos lógicos e racionais, mesmo que a opção por uma perspectiva ou outra seja determinada por questões inconscientes. O inconsciente controla, sem que o próprio sujeito se aperceba. O verniz de intelecto que cobre nossas crenças nos impede, à primeira vista, de entender as verdadeiras e profundas razões pelas quais escolhemos um caminho em detrimento do outro.

A escolha pelo marxismo como modelo de compreensão da realidade e organização política das sociedades se faz através dessa complexa rede de interações entre elementos racionais e questões afetivas e psíquicas – como qualquer outra decisão em nossas vidas. Todavia, a perspectiva socialista é ainda pequena em nossa cultura, colocando aqueles que ousam aceitá-la como minoritários, sofrendo todos os reveses possíveis dentro de uma sociedade capitalista organizada em classes. Mais do que isto, estes que abraçam as teses marxistas foram historicamente perseguidos, caçados, calados, censurados, torturados e até mortos, o que confere aos socialistas uma perspectiva emocional peculiar e significativa. É por estas circunstâncias que é necessário ter suporte emocional e conhecimento dos elementos constitutivos do psiquismo humano para empreender a tarefa de construção de uma sociedade que pretende abolir as classes que nos separam, transformando um mundo marcado pela desigualdade em um que seja baseado na equidade e na justiça social. Compreender o funcionamento da alma humana é tarefa precípua de todo aquele que se aventura pelo socialismo.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Parto e Revolução

Humanização do nascimento, enquanto ciência, não pode tolerar certas falácias. Muito já foi dito sobre o parto e suas implicações psicológicas, afetivas, morais, espirituais, fisiológicas e sociais; agora cabe a nós agora mudá-lo, transformá-lo. As revoluções no campo do conhecimento humano se sucedem, atropelam umas às outras. O que antes era o novo, hoje já é o antigo, e resta-nos incorporar a metamorfose de ideias e projetos a nos oferecer o ânimo da mutação. O parto, como o conhecemos, é fruto de uma revolução tecnológica que, iniciando-se com a anestesia na memorável apresentação de uso do éter em 1846 com o cirurgião Warren e o anestesista Thomas Morton, culminou algumas décadas mais tarde com a realização da cesariana em Julia Covallina, pelo cirurgião Edoardo Porro em Pávia, na Itália, já nos estertores do século XIX. Esta cirurgia, criada com o intuito de salvar vidas condenadas pelos efeitos dramáticos do raquitismo no trajeto pélvico, conduziu-nos à suprema interferência no milenar mecanismo do parto, garantindo-nos, com razoável segurança, a entrada no claustro escuro onde dormita o amnionauta. Depois de quase um século os anticoncepcionais desvincularam o sexo da gestação e permitiram que as mulheres deixassem de ser prisioneiras da gestação; seria possível retirar do sexo todos os prazeres sem o temor de uma gestação indesejada. Tamanha a euforia com estas conquistas que por um tempo imaginamos que o domínio completo sobre os mistérios do nascer havia sido estabelecido. Entretanto, tamanha interferência nos ciclos que governam a reprodução e a vida não poderia ocorrer sem que, de alguma forma, houvesse uma ruptura com os delicados liames que nos conectam com a natureza.

As cesarianas, assim como as analgesias de parto tornaram-se mais do que simples e corriqueiras; sua aplicação no mundo ocidental tem aspectos de epidemia, tamanha a sua abrangência. No Brasil, a taxa de cesarianas atingiu o índice inédito de 59.7%, um número assustador se imaginarmos que a OMS estabeleceu como 15% o percentual máximo que pode oferecer vantagens. Multiplicamos por 4 este valor, e por certo que existem consequências nefastas por esta medida. Bem o sabemos o quanto as cesarianas, ao tornar previsível um evento dominado pela imprevisibilidade, beneficiam os médicos e as instituições, e aqui está uma boa razão para os abusos que testemunhamos. Além disso, as cesarianas multiplicam os riscos, tanto para as mães quanto para os bebês. As analgesias de parto também são extremamente prevalentes nas salas de parto, diminuindo a propriocepção materna e dificultando as mudanças posturais ativas da mãe na adaptação do seu bebê ao canal de parto. Hoje em dia apenas 5% das mulheres brasileiras tem um parto sem intervenções médicas potencialmente perigosas para a mãe e seu bebê. Além disso, existem repercussões de caráter emocional, psicológico e social das cesarianas, que afetam o desenvolvimento do apego da recém mãe com seu bebê. O caminho das intervenções e o parto na perspectiva médica mostravam suas falhas e seus senões.

Por esta razão, a partir do final dos anos 70 do século passado surgiu um movimento de usuárias e profissionais da saúde com o objetivo de “humanizar o nascimento”, na medida que a postura meramente objetual das pacientes – como é a característica daqueles que se submetem à ação médica – não é aceitável para uma mulher saudável que está diante de um evento natural do seu corpo, sobre o qual não cabe nenhuma intervenção sem justificativa. Passou-se a admitir – de novo – que parto faz parte da vida sexual de uma mulher, que deve ser governado por estes pressupostos, e que o nascimento de uma criança é algo que ela faz…. e não algo que fazem por ela. Iniciou-se, então, um movimento de caráter internacional de questionamento sobre as múltiplas e exageradas intervenções sobre as mulheres no momento do parto, assim como no pré-natal e nas semanas que se seguem ao nascimento. A ideia central que impregnou esta geração de pensadores sobre o nascimento foi a “desmedicalização” do nascimento, o respeito à fisiologia, o uso consciencioso e restrito das intervenções, o entendimento do parto como um processo interdisciplinar e, acima de tudo, a garantia do protagonismo à mulher e à família, recuperando a centralidade feminina e familiar do nascimento humano.

Muito já se avançou no debate sobre a necessária retomada de um percurso de atenção ao parto que respeite a mulher e sua fisiologia. Muitas publicações, estudos, análises, pesquisas e literatura acadêmica contribuiu para esta lenta mudança. Todavia, ainda há um caminho longo a percorrer, porque as modificações na assistência ao parto não carecem de retoques ou de revisões de protocolos; é necessário o que se faça uma revolução, na medida em que estas transformações estão relacionadas ao poder sobre os corpos, mantido sob a guarda dos profissionais da medicina. Como diria Gramsci, se fosse parteiro: “o parto na lógica da intervenção já morreu, mas o parto na perspectiva do sujeito tarda a nascer. Neste lapso temporal ainda testemunhamos a barbárie da violência contra as gestantes”. Humanização do nascimento não é uma ideologia que se encerra no mundo das ideias, mas uma filosofia da prática cotidiana. A prática sem arcabouço teórico é perigosa e caótica; porém a teoria sem a prática é vazia e inútil, servindo apenas para devaneios filosóficos e especulativos.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Parto

Tolerância

Uma dica para aqueles que aceitam (ou mesmo gostam e aprovam) da “censura do bem” que parece consenso entre os formadores de opinião da esquerda: leiam em qual contexto Karl Popper – um liberal profundamente anticomunista – proferiu sua famosa frase. Entendam que a perspectiva de “não tolerar os intolerantes” pressupõe que alguém terá o poder de arbitrar a intolerância. Para Popper existe uma instância acima das demais que poderá arbitrar o que se constitui “intolerável” para ser expresso publicamente. Quem seriam os vestais a determinar quais palavras são permitidas e quais devem ser proibidas? Quem, dentre nós, está acima do bem e do mal?

No caso do Brasil o ministro Alexandre de Moraes – ou o STF inteiro, que inclui Fux, Fachin, Kassio Nunes Marques, André Mendonça – tem o poder de determinar que algo (ou alguém) rompeu os limites da livre expressão. Ou seja: no caso recente, quem determinou o limite da tolerância é um sujeito que foi colocado na posição de Ministro da Suprema Corte através de um presidente que chegou ao cargo por um golpe de Estado. É justo admitirmos isso? Ultimamente temos testemunhado um crescente complacência com a censura, que teoricamente estaria empenhada em combater “fake news”. O influencer Monark teve suas contas pessoais bloqueadas no âmbito do inquérito que investiga os atos de vandalismo de 8 de janeiro nos quais foram invadidos e depredados os prédios que abrigam os três poderes. Em abril último, Moraes proibiu o influencer de espalhar fake news sobre a atuação do Supremo ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para além disso lhe aplicou uma multa de 300 mil reais. Porém, é justo impedir que ele tenha qualquer produção de conteúdo proibida pela justiça, apenas porque suas tolices desagradam os encastelados donos do poder? Desde quando oferecemos o poder de censura para ministros do supremo?

No caso de Popper “intolerância” seria a defesa do socialismo e eliminação do controle privado dos meios de produção – algo intolerável para um liberal. Mas quem é Popper na fila do pão da democracia? Sua visão de “Sociedades abertas” é uma clara contraposição ao marxismo e ao totalitarismo, mas é um caminho de liberalismo burguês que conduziu o planeta à destruição que testemunhamos e ao neofeudalismo corporativo que se estabelece sobre o planeta.

Não esqueçam que a “intolerância com os intolerantes” é o mantra das forças de ocupação de Israel, que usam dessa mesma lógica para dizimar os “intolerantes palestinos”. Na Arábia Saudita cabeças rolam contra “intolerantes” que atentam contra o poder absoluto de seus monarcas. No Brasil essa estratégia será usada sempre que houver vozes contrárias à democracia burguesa, controlada pelas corporações e a elite financeira. Esse é o principal tropeço da esquerda liberal: não perceber que essa censura a certos termos, temas e expressões serve sempre aos poderes constituídos; é uma manobra intrinsecamente conservadora, e que mais cedo ou mais tarde será usada – como tantas vezes foi no passado – para atacar a organização dos trabalhadores e dos partidos de raiz operária.

Por fim, diante dos descalabros notáveis dos ministros do STF durante toda a sua história, sempre se aliando aos golpes e aos tiranos da ocasião, podemos dizer que Alexandre de Moraes tem méritos em salvaguardar a nossa frágil democracia diante dos ataques explícitos de Bolsonaro e sua quadrilha. Fosse Fux, ou Facchin e talvez a farra golpista seria ainda pior, Entretanto, não fez nada além da obrigação de punir como crime o que realmente é crime. Todavia, acreditar que ele é o guardião moral dos nossos valores democráticos não faz sentido algum. Alexandre representa os velhos valores da direita, o conservadorismo mais tacanho e a perspectiva punitivista mais anacrônica do direito. A distância entre Alexandre e Moro é muito menor do que imaginamos, e inclusive o primeiro já deu total apoio ao segundo.

Deixe um comentário

Arquivado em Causa Operária, Política

Socialismo

O socialismo é uma ideia muito antiga na história da humanidade, que tem como base a eliminação das divisão da sociedade em classes sociais, e suas origens podem ser encontradas nos primeiros grupamentos humanos que surgiram após a revolução do neolítico. Apesar dos inequívocos avanços decorrentes da revolução burguesa do final do século XVIII, manteve-se a divisão de classes baseada no capital, reminiscência nefasta que se manteve com a passagem do feudalismo para as monarquias absolutistas e destas para a sociedade burguesa. Apesar de não serem seus criadores, o socialismo teve um impulso fundamental com os trabalhos de Karl Marx e Friedrich Engels, pensadores alemães que assinam o “Manifesto Comunista”, que pode ser entendido como o pontapé inicial em um grande movimento de massas para a derrubada dos governos burgueses e a ascensão política da classe proletária.

As bases ideológicas do marxismo – como passou a ser chamado – influenciaram os movimentos revolucionários russos que acabaram depondo o governo liderado pelo Czar Nicolau II e a instauração do governo socialista bolchevique em 1917. Seus principais líderes, Lênin e Trotsky, se guiaram pelas teorias econômicas de Karl Marx na forma como deixou escrito em sua majestosa obra “O Capital”.

A revolução russa foi a primeira das grandes revoluções do proletariado, seguida pela revolução chinesa de Mao Zedong, logo após a expulsão dos japoneses em 1949. Após o fim da guerra civil e durante os primeiros anos da revolução, a Rússia experimentou um crescimento vertiginoso de sua economia, na chamada NEP. Um dos estados nacionais mais pobres da Europa em 1917, a Rússia foi a responsável direta pela derrota de Hitler na segunda guerra mundial. Seu avanço tecnológico permitiu que, duas décadas após o fim desta guerra –  que vitimou entre 7 e 15 milhões de russos – colocasse Yuri Gagarin como o primeiro humano em órbita, mostrando a pujança dos ideais, da técnica e da economia soviéticas.

Entretanto, nos anos 50 do século XX, uma série de contradições na então União Soviética se tornaram aparentes a partir da morte do georgiano Josef Stálin, que havia sucedido o grande líder Lênin. A ascensão de Nikita Krushov aos poucos foi desvelando ao mundo os crimes do líder anterior. No final dos anos 80 a economia soviética estava prestes a entrar em colapso quando assumiu o controvertido presidente Mikhail Gorbachev, que instituiu a “Glasnost” (transparência) seguindo-se da “Perestroika” (restauração). Estas novas perspectivas, combinadas com a queda do muro de Berlim – que separava por um muro a capital da Alemanha invadida – e a eleição de Bóris Yeltsin como presidente da Rússia decretaram o fim do “socialismo real” que desaparecia junto com a “União Soviética”, posteriormente esfacelada em suas múltiplas repúblicas.

Essa queda do sonho socialista fez com que muitos países da Europa repensassem o seu ideário socialista, formando-se grandes partidos chamados “reformistas”, que se contentavam em ajustar os desvios do capitalismo – em especial sua doença de concentração de renda e esgotamento de recursos naturais – sem combater a sociedade de classes. Surgia assim, no mundo inteiro, a “Social Democracia”, que mescla ideais do sistema de “bem-estar social” do socialismo com a observância das regras e partidos da democracia burguesa.

Enganam-se, entretanto, como fez Francis Fukuyama, que se tratava do “Fim da História”. Em verdade, o socialismo está cada dia mais vibrante, seja na sua vertente social democrata quanto na “revolucionária”. Existem inúmeros partidos da “nova esquerda” que rezam pela cartilha social liberal, mas os partidos de estrutura revolucionária sobrevivem em várias partes do mundo. No Brasil os partidos de centro esquerda são o PT, o PSOL, o PCdoB e outros, que se configuram como partidos eleitorais regulares. O PCO – Partido da Causa Operária – é o mais importante partido comunista revolucionário da atualidade no país.

A história do socialismo está longe do fim. Sua meta principal é a socialização dos meios de produção, o respeito à ecologia e à diversidade, o fim do racismo e do machismo, o extermínio da sociedade de classes e a ditadura do proletariado.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Gênios

Todos os grandes gênios da humanidade mostraram a pequenez do ser humano, e por isso não podiam ser perdoados. Atacar nossa autoestima é um crime grave. Copérnico o fez ao mostrar que não somos o centro do universo, Darwin por provar que não somos o centro da natureza e Freud por mostrar que não somos guiados pela razão, mas por uma constituição psíquica tripartite, onde os motores principais de nossas ações se encontram nos calabouços do inconsciente. Já Marx mostrou que somos governados pela história e pelas forças de choque entre as classes, as quais produzem mais efeitos na sociedade e na cultura do que os avanços científicos.

Os grandes gênios são necessariamente incompreendidos, atacados, segregados e difamados. Portanto, como regra geral, se as suas ideias fazem muito sucesso é apenas porque suprem necessidades momentâneas. Como diria Nietzsche, “um gênio verdadeiro só é compreendido após a passagem de um século”, e não há como fugir muito dessa regra”.

Rudolph Schlitzer, “The Quantum of Transformation”, Ed. Borromeo, pag. 135

Rudolph Schlitzer é um físico, professor universitário e escritor austríaco, nascido em Viena em 1932.

Deixe um comentário

Arquivado em Citações

Iconoclastas

Não é impressionante o fato de aparecerem textos descrevendo Belchior como um péssimo pai e com terríveis defeitos em sua vida pessoal. Em verdade é da natureza humana destruir seus velhos ídolos como parte de uma “lei de destruição”, para que novos ícones não sejam bloqueados pela memória dos que se foram. é um fenômeno natural. E ele não é ruim em essência, pois isso humaniza os ídolos, sejam eles quem forem. O “sujeito perfeito” se desmancha mantendo apenas seu trabalho imaterial: suas ideias e suas obras. Eu apenas peço que esse processo natural de “humanização pela destruição” aguarde um período razoável de luto.

para além desse respeito a quem acabou de deixar este mundo, concordo totalmente com a ideia que diz ser fundamental separar a obra do autor. Caso contrário acabamos caindo num debate cercado de infantilidades, como algumas que escutei no quartel: “Marx era realmente um homem muito inteligente, mas foi um péssimo pai de família“, onde a ênfase era colocada na segunda parte da frase. Precisamos mesmo deste tipo de perspectiva?

Portanto, eu pediria um pouco de paciência. O corpo do Belchior ainda está quente e acredito que para este exercício de iconoclastia seria gentil com a família esperar pelo menos que os vermes deem conta de sua carne (fraca). A velocidade para a destruição de um homem diz menos dos seus defeitos do que das fraquezas dos seus algozes.

Se uma pessoa da sua família tivesse morrido ainda ontem e alguém escrevesse uma crítica mordaz sobre ela enquanto seus entes queridos ainda estão devastados pela perda, como você sentiria isso? Teria mesmo essa postura altiva de dizer “ninguém pode calar nenhuma crítica”, ou “cada um sabe do seu sofrimento”? Não, você não aceitaria isso pois existe um código de civilidade para a morte: Respeito e silêncio. Foi o que permitiu Lula receber Temer no velório de Marisa. Ali não era a HORA e o local para este tipo de rancores. Romper com esse pacto civilizatório (o respeito à  dor por uma perda), que ocorre até entre inimigos declarados, é um passo em direção à  barbárie e à perversão, pois sinaliza a incapacidade de estabelecer uma relação empática com o outro, forçando no sentido de desumanizá-lo. Como a afirmar “não acredito em tua dor, só a minha tem razão de ser“.

Para mim o melhor exemplo de respeito à  dor alheia vem de Salatino, grande herói árabe (ele era curdo) na conquista de Jerusalém. Depois de findas as batalhas, e tendo derrotado seu oponente Ricardo III, ele foi pessoalmente ao encontro do seu inimigo e o convidou para entrar na Terra Santa, para que sua dor pela derrota fosse mitigada com uma visita aos locais sagrados. A compreensão desse homem e o respeito pela dor do inimigo são exemplos de dignidade e integridade até com os que combatem contra nós. Como eu disse anteriormente, nada contra a iconoclastia, desde que não seja seletiva. Vamos criticar Freud, Marx, Darwin, Belchior e até Simone de Beauvoir pelos crimes cometidos contra a humanidade, mas pelo menos tenhamos a humanidade de aguardar um tempo para que as pessoas que os amaram possam superar esta perda.

Eu não tenho a menor dúvida de que meus inúmeros inimigos não vão esperar sequer meu último suspiro para me detonar; vão começar a me espinafrar ainda na UTI. E eu vou fingir estar comatoso só pra me divertir com a decomposição ainda antes dos micróbios saprófitos fazerem seu serviço.

Deixe um comentário

Arquivado em Pensamentos

Socialista de IPhone

Li e nas redes sociais:

Emilio Odebrecht falou de uma conversa que teve com o general Golbery do Couto e Silva, um dos ideólogos da teoria de Segurança Nacional da Ditadura. Na ocasião, Golbery fez uma descrição do ex-presidente Lula que marcou Emílio Odebrecht: “Emílio, o Lula não tem nada de esquerda. Ele é um bon vivant”.”

O grande erro e o monstruoso preconceito da direita é (ainda!!!) imaginar que um homem da esquerda ou um socialista não pode ser um “bon vivant” ou usar IPhone. Por quê? Por que Lula não tem o direito de gostar de um bom vinho ou um bom charuto? Onde está a incoerência? Onde está escrito que um socialista não pode usufruir o que seu trabalho lhe proporciona? Que leitura equivocada e pervertida do socialismo tem essas pessoas!!!!

A direita precisa abandonar o discurso dos anos 60 o quanto antes. Sério, gente… tá chato.

Deixe um comentário

Arquivado em Política

Esquerda caviar

Marx

Critica interessante: “Golpe é a CUT usar dinheiro dos trabalhadores para fazer manifestações, enquanto a esquerda caviar não se importa com o golpe que o governo atual deu nos pobres”

Mas então eu pergunto: a CUT deveria usar o dinheiro de QUEM para defender os trabalhadores?????? Quem são os que acusa de serem “esquerda caviar”? Talvez esteja se referindo às pessoas de classe média (como eu) que pensam além do próprio umbigo e lutam para que TODOS tenham uma vida digna, e não apenas seu pequeno círculo de amigos ou sua corporação. Além disso, o governo pode ter cometido erros (mas duvido que saiba apontá-los e oferecer-lhes alternativa), porém não serão resolvidos com um golpe de estado promovido por notórios corruptos.

Admita: nunca foi a corrupção e lhe mobilizar a indignação. O que lhe dói, machuca e indigna é o fato de que sua sensação de riqueza e superioridade de classe se desmancha quando os pobres dividem uma fila de aeroporto ou a sala de classe de uma Universidade. Como disse Danuza Leão “Paris perdeu a graça quando o porteiro do meu prédio também viajou para lá”, e o fim dessa exclusividade de classe é percebida como uma perda.

Não, não é a corrupção que os escandaliza. É a própria democracia e sua incipiente conquista de equidade o que tanto horroriza uma classe média que se julga superior.

Deixe um comentário

Arquivado em Política, Violência