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Lacre

Testemunhamos nos últimos tempos que a política virou guerra de lacração, e que a verdade não é mais medida pela comprovação dos fatos ou pela capacidade de previsão dos fenômenos, mas por qualquer manifestação que possa produzir inúmeros likes e visualizações – ou pelo menos maior do que aquelas do adversário. Acima de tudo, está cada vez mais claro que a verdade é insuficiente como ferramenta de combate. Quem pensa o contrário disso adota o que alguns pensadores chamam de “supremacismo da razão“: a ideia de que uma postura racional é superior e capaz de dar conta das mentiras que se ocupa em atacar. Reconhecer os limites da verdade não significa unir-se aos inimigos na produção de mentiras, farsas, ciladas ou versões adulteradas de fatos históricos, mas entender que apenas desmentir tais narrativas fraudulentas não basta para produzir convencimento.

Essa é a verdade; somos seres apenas superficialmente racionais. Nossa razão é uma fina e diáfana película a cobrir as ancestrais camadas de crenças e temores que nos constituem. A verdade, por si só, não consegue dar conta das emoções que sustentam nossas convicções mais profundas. Por isso, mesmo que hoje em dia seja fácil e rápido o acesso a verdades bem estabelecidas – como a esfericidade do globo onde vivemos – existem aqueles que acreditam em perspectivas mais fáceis para a tradução do mundo. A razão para isso é que estas perspectivas irracionais nos oferecem atalhos entre a realidade aparente e sua estrutura última, sem que seja necessário o entendimento dos intrincados caminhos que os unem. Entretanto, como diria Karl Marx: “se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”. É muito mais fácil acreditar que o político com o qual não simpatizamos é um ladrão do que tentar entender a intrincada rede de pressões e concessões às quais eles são submetidos.

Portanto, não basta atingir a racionalidade dos sujeitos sociais e contrapor a onda de mentiras com as versões lógicas e verdadeiras; também não basta desmascarar as falsidades e fake news com torrentes de acertos; é preciso tocar as emoções, a alma, os sentimentos, pois que estes são muito mais intensos e calorosos do que a frieza do real. Mais do que uma batalha por likes, “humilhações” e “atropelamentos” virtuais, é preciso falar a linguagem do povo, de suas necessidades, com a sua língua, com seus trejeitos e sotaques, direcionando nosso discurso para dar conta de suas específicas percepções. Por esta razão eu não assisto às mentiras que chegam de um lado, mas também não me entusiasmo com o contraponto oferecido pelo nosso campo, porque sei que estas manifestações apenas convertem os já convertidos. Essa guerra em nada nos ajuda: para avançar precisamos bem mais do que isso.

Não consigo imaginar um único fascista que tenha mudado de opinião após escutar os argumentos que apresentam a verdade dos fatos. Ninguém. Esse discurso converte quem já se converteu, mas é incapaz de mudar, através da razão, crenças adquiridas fora dela. Ou seja; não é possível mudar uma visão irracional usando argumentos racionais. A esquerda deveria parar de acreditar na ilusão de que “lacração de redes sociais” é capaz de produzir efeitos práticos na realidade.

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Censura

Agora o Facebook impõe a concepção imperialista de “organização terrorista”, que não está em sintonia com a visão do governo brasileiro. Essa é uma verdade cristalina que conhecemos há anos, desde o tempo em que o Facebook censurava imagens de amamentação baseado em concepções americanas de pudor, e não na forma como nós abordamos a naturalidade do aleitamento materno.

Isso é grave, porque o Facebook impõe censura a mando do governo americano através de suas instituições afiliadas, como Facebook e Google. Um país soberano não pode ser governado e regulado por legislações alheias à sua norma jurídica. É urgente que as redes sociais sejam entendidas pelo governo federal como concessões públicas, assim como acontece com as rádios e TVs, para que obedeçam às regras locais e não as regras dos seus países de origem. Terrorismo é o que fazem Israel e os Estados Unidos, matando mulheres e crianças, espalhando o terror e disseminando o horror e a destruição no mundo. Quem resiste a isso exerce o legitimo direito à vida e à dignidade.

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O Império dos Sentidos

Em 1976, quando eu ainda era adolescente, foi lançado com grande furor um filme chamado “O Império dos Sentidos” do diretor japonês Nagisa Oshima. No enredo uma ex-prostituta se envolve num caso tórrido, obsessivo e altamente erótico com seu patrão, numa história que envolve possessão, sexo e morte. O filme tinha como atrativo inédito uma cena de sexo explícito que ficou famosa, apesar do filme ter seus méritos para além desta cena, e ser um drama tenso, pesado e com final trágico. Claro, eu fui assistir com a mesma cara de pau de quem comprava revista Playboy e depois dizia que era “pelas entrevistas”. Sim, eu fui ver o filme porque sempre fui “um amante do cinema japonês”…

Outra curiosidade era que, quando as pessoas falavam que no filme havia essa cena de sexo explícito, logo emendavam a frase dizendo que os protagonistas eram “casados na vida real”, o que oferecia uma curiosa “liberação” para esta exposição pública do sexo entre eles. Tipo, “ahh, se eles são casados, tudo bem”. Parecia que o fato de estarem legalmente unidos através dos sagrados laços do matrimônio retirava da cena uma grande parcela de pecado, e aposto que essa desculpa foi uma das razões para permitir que este filme pudesse ser exibido em plena ditadura militar.

Na verdade, eu lembrei do filme por outras razões. Foi o nome da película que me fez imaginar uma interpretação alternativa. Digo isso porque hoje vivemos, de uma certa forma, no “Império dos Sentidos“, mas não nos “sentidos” com o significado das percepções que captamos do exterior e que nos impressionam, como o tato, o paladar, a visão, etc. Não, eu me refiro aos “Sentidos” com a conotação de “magoados” ou “ofendidos“.

Vivemos, assim, no “Império dos Magoados” onde os sentimentos alheios valem mais do que a própria verdade. Qualquer palavra, expressão, dependendo de sua origem (e não do seu conteúdo), pode ofender pessoas, grupos, etc. As piadas e os gracejos não podem mais se arriscar a tocar as feridas de todos os “(re)sentidos”, pois estes podem se machucar ao ouvi-las. Com isso a cultura fica paralisada, imóvel, temendo os cancelamentos inexoráveis que podem partir de qualquer pessoa e coletivo que se julgam ofendidos. Os comediantes, em especial, vivem sob vigilância extrema, e vivemos hoje em um tempo em que o humor perdeu boa parte da sua potência transformadora. Humor que não rompe barreiras e que não agride conceitos recalcitrantes é entretenimento anestesiante. Nesse Império os grupos historicamente oprimidos se tornaram os mais poderosos na cultura, ditando de forma autoritária o que pode e o que não pode ser dito. Como afirma Zizek, “ser branco, cis, hetero e homem nos tempos atuais tornou-se um crime para o qual não há mais perdão“.

Não nego que houve avanços em algumas áreas – em especial nas agressões que eram travestidas de piada – mas as perdas também são inegáveis. Por isso uma reação evidente já pode ser vista no horizonte. O “Império dos Sentidos” começa lentamente a ver sua força diminuir diante da reação de pessoas e grupos que não acreditam mais na capacidade da censura, dos silenciamentos e dos cancelamentos em oferecer solução para as desigualdades ou para acabar com o preconceito. Não se muda a cultura proibindo e punindo, mas educando e transformando as relações de poder.

A ideia de que os sentimentos feridos devem ser considerados superiores à justiça, à realidade e à verdade é um conceito que precisa acabar. O modelo de “maternagem” condena os oprimidos à uma posição inferior e reativa na sociedade, mas o que eles precisam é de protagonismo e poder de decisão, não de proteção infinita.

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O Martírio da Verdade

Já tentou entender o horror que é para um artista quando o único tradutor possível para os rabiscos e ideias que escreve ou desenha é ele mesmo? Consegue imaginar a solidão de ser o único falante de um idioma que desapareceu e nunca foi compartilhado? Por ventura já procurou saber a dor de ser o guardião de um tesouro ameaçado, e apenas você tema chave do cofre que o encerra?

Meu irmão Mikael, durante seu último surto, mostrava com a ponta do indicador um minúsculo ponto localizado entre os olhos e me indagava: “Você consegue imaginar a sensação de ter todo o conhecimento do universo concentrado bem aqui, uma matéria tão densa e tão pesada que se impossibilita de conter? Consegue entender a dor de saber o que a ninguém é dado conhecer? Percebe a solidão que a verdade me condena?”

Não, Mikael, dessa dor só você pode falar. A mim não foi dado ter essa clarividência; minhas verdades são minúsculas, pessoais, passageiras e fugazes. Mas, se me fosse oferecido o benefício da escolha, ficaria com a mediocridade das minhas pequenas mentiras. Não me vejo capaz de suportar o martírio das verdades cruas e brutais.

Wolfgang Hübner, “O Imperador das Estepes”, ed. Dexter, pág. 135

Wolfgang Hübner é um escritor austríaco, nascido em Viena em 1⁰ de Janeiro de 1900. Cresceu na cidade que era o centro da cultura europeia no início do século XX e foi testemunha ocular dos acontecimentos determinantes para a ascensão do nazismo. Graduou-se em literatura na Universidade de Viena e foi professor de escolas secundárias durante boa parte de sua vida. Dedicou-se à literatura escrevendo colunas sobre arte e política nos jornais vienenses e passou posteriormente a se dedicar aos romances. Seu livro de estreia foi “Bleib zu hause, geh nicht raus” (Fique em casa, não saia às ruas) onde descreve a agitação na sociedade alemã na década de 20 relacionada ao crescimento da extrema-direita. Escreveu 10 romances no período entre a Primeira Guerra Mundial e o fim da segunda, a maioria deles ambientados na Áustria ocupada e na crueza da luta pela sobrevivência. Em “O Imperador das Estepes” ele descreve as agruras do jovem serralheiro Amadeus que busca fugir da ocupação alemã na Áustria em direção à Bélgica, carregando consigo o irmão esquizofrênico Mikael, que ficou sob seus cuidados após a morte dos pais e da irmã Helga. Wolfgang Hübner morou a vida inteira em Viena, nunca teve filhos e morreu em 1951, de câncer na laringe.

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Terraplanismo e Negacionismo na Ciência e na Política

Afinal, a Terra é Plana ou não?

Todos já ouviram ou testemunharam algum dia o discurso de um sujeito que acredita na planicidade do planeta Terra em contraposição à versão hegemônica de que ela é redonda – ou bem perto disso. A esfericidade da Terra sempre nos pareceu um conceito bem claro, cientificamente determinado, claramente estabelecido por milhares de anos de observações e comprovações vindas do mundo da Ciência. Todavia, por mais estabelecida que seja esta crença ela começou a sofrer há poucos anos uma contestação muito poderosa de um grupo chamado de Terraplanistas.

Em verdade a ideia de contestar a versão dominante de uma Terra esférica renasceu depois de milhares de anos apenas em meados do século XIX. Quem primeiro a lançou foi um médico e inventor chamado Samuel Rowbotham (1816-1884) que escreveu em 1849 um panfleto (posteriormente transformado em livro em 1881) chamado Astronomia Zetética – A Terra não é um Globo”, sob o pseudônimo de “Parallax”. Neste livro ele aponta uma série de “contradições” no modelo “globalista” e demonstra que a Terra é, em verdade, um disco com o polo Norte ao centro, tendo em suas bordas uma muralha de gelo, estando o Sol, a Lua e as demais estrelas apenas alguns poucos quilômetros acima de nossas cabeças. Essas ideia acabaram ficando restritas a um grupo diminuto de pessoas até que em 2016 começaram a ser publicados vídeos no YouTube que defendiam a tese de uma Terra Plana em contraposição à crença disseminada de que ela é uma bola que gira, tão redonda quanto o Sol, a Lua e as estrelas do firmamento. Aí se inicia o apogeu desta tese.

Entretanto, mais interessante do que entender porque Samuel e seus seguidores resolveram questionar uma das concepções mais arraigadas do conhecimento popular, é o título do livro: “Astronomia Zetética“. Afinal, o que isso quer dizer?

Zetética é uma palavra derivada do grego “zetein“, e significa perguntar, questionar, perscrutar e tem como finalidade desmanchar as concepções pétreas que carregamos como verdade, sem perceber que não são baseadas na observação clara dos fenômenos, colocando-as sob escrutínio infinito, sendo, portanto, explicitamente especulativa. O fundamento básico do zeteticismo é a dúvida, e seu método é analítico. Desta forma, para fazer suas investigações sobre a razão primeira de qualquer fenômeno, vai fundo no questionamento das premissas que o sustentam. Ou seja, o zeteticismo é essencialmente um modelo cético e radicalmente empírico de busca da verdade.

Nas palavras da professora Sabine Hossenfelder a ideia da Terra Plana está, apesar de toda a retórica que a sustenta, profundamente equivocada, mas isso não torna a ideia terraplanista uma profunda estupidez. Apesar de estar errada, sua sustentação é criativa, inteligente e curiosa, mas se sustenta em um erro lógico importante: afirmam que a Terra é plana pela falha dos seus detratores em provar o contrário. Em verdade, os erros do terraplanismo são até fáceis de explicar, mas os argumentos utilizados pelos cientistas para provar que vivemos em um Globo não são aceitos por seus adeptos por serem meros “argumentos de autoridade“. Como existe uma ciência muito elaborada para explicar o conceito de globo terrestre e a lei da gravidade, que não é acessível imediatamente aos sentidos, as evidências são rejeitadas.

Mesmo que as concepções da Terra Plana tenham se modificado nestes últimos 150 anos, o modelo de compreensão continua baseado na filosofia zeteticista, a qual assevera que “se quisermos entender a natureza deveremos nos basear tão somente na informação que nos chega através dos sentidos”. Por isso é tão fácil contestar o heliocentrismo, já que os nossos sentidos atestam com clareza que o sol se move diariamente sobre nossas cabeças, enquanto o chão se mantém estático. Quando navegamos pelos inúmeros vídeos que circulam pela Internet a respeito do tema veremos que os argumentos utilizados pelos defensores se baseiam claramente nesta perspectiva filosófica. Em um deles pessoas contestam a esfericidade da Terra ao mostrar a Lua e o Por do sol ao mesmo tempo, demonstrando que ambas estão visíveis a partir de uma terra plana. Outros vídeos, ainda mais simples, mostram pessoas com réguas emparelhadas com o horizonte do oceano, como a demonstrar que a ideia de uma curvatura é falsa, e que nossos sentidos provam essa falácia. Em seu livro Rowbotham nos diz explicitamente que “não vivemos em um mundo heliocêntrico esférico, e isso pode ser comprovado pelos nossos sentidos“.

Essa tese é muito semelhante ao zeteticismo aplicado pelos bolsonaristas nas últimas eleições, que exercitam um ceticismo e um empirismo que os leva às últimas consequências. Por isso pedem provas de que as urnas não foram fraudadas sem, contudo, apresentarem provas de ilegalidades ou vícios nas votações de 1º e 2º turnos. Assim, vociferam contra as eleições como autômatos, apenas por não aceitarem a derrota que o bolsonarismo teve nas urnas. Por certo que por trás dessa descrença não existe um “amor exaltado pela verdade”, mas sim um interesse de caráter político para permitir que os fazendeiros, latifundiários, financistas, militares, líderes evangélicos e especuladores possam manter um mandatário do seu interesse – e sob seu controle – no governo central. Por fim, é claro que os argumentos usados por estes “patriotas” – que se aglomeram em frente aos quartéis, passando privações e usando banheiros unissex enquanto cantam hinos nacionalistas – muito se assemelham ao zeteticismo dos terraplanistas, pois rejeitam a realidade através de um ceticismo radical pelo qual se negam a enxergar a vitória das forças populares nas eleições majoritárias de 2022. Desta forma, entender as bases dessa filosofia e suas consequências mais radicais nos ajudam a entender o bolsonarismo e sua negação da realidade, suas fantasias e o delírio anticomunista que pregam.

É importante levar a sério tanto os terraplanistas quanto os negacionistas que desejam a volta da ditadura militar. Se eles partem de um ponto correto – o ceticismo que nos estimula a duvidar e investigar sem preconceitos – eles o desvirtuam ao rejeitar sistematicamente as evidências científicas sólidas e bem estruturadas que lhes são apresentadas, demonstrando que seu ceticismo é apenas a fachada para encobrir ações antidemocráticas que desprezam a ciência em nome dos seus interesses.

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O Dilema de Snape

Na minha cabeça aparece frequentemente o roteiro de um romance no qual o tema central é uma ação dissimulada protagonizada por um sujeito cuja vida é guiada por um “sentido de dever”, e que leva este sentimento como algo superior inclusive à sua própria vida e o seu legado. Essa imagem aparece para mim desde que eu era adolescente, como um dilema angustiante, uma encruzilhada aflitiva, mas infelizmente percebi que ela nada tinha de original. Em Harry Potter ela aparece no dilema de Severo Snape.

O drama é esse: imagine que você precisa fazer algo justo e correto, mas terá que aparentar estar fazendo exatamente o oposto, agindo de forma muito errada e contrária à sua vontade e seu padrão moral, pois sabe que apenas assim sua ação poderá ter sucesso. A maldade será a máscara perfeita para as suas atitudes. Agirá tendo como orientação secreta a virtude e um objetivo moralmente irrepreensível, porém deverá parecer a todos como egoísta, orgulhoso, vaidoso, imoral, ganancioso e rude. Tudo fará para reforçar sua imagem de mau, pois só assim terá acesso aos recursos para levar a contento sua tarefa elevada.

Todavia, ao contrário de Severo Snape – cuja ações nobres foram desveladas após sua morte e sua memória resgatada como alguém que sempre lutou contra as “forças do mal” – as suas verdadeiras intenções JAMAIS serão descobertas. Você morrerá como traidor, visto por todos como a personificação do mal, passará para a história como o canalha egoísta, aquele que tanto mal fez aos seus semelhantes. Será visto nos livros de história como o perverso, o estúpido, o desleal e alguém que representa o oposto da virtude e do bem. Enquanto isso, em seu íntimo, saberá o bem que acabou produzindo. Você será o único ser no universo a carregar esta verdade, e não há nada e nem ninguém que poderá salvá-lo dessa maldição. Terá apenas as estrelas como testemunhas de suas intenções puras.

A simples ideia de enfrentar esse dilema me deixa angustiado. Pergunto: quem teria a nobreza de aceitar esta missão? Creio que, se esse sentimento existir e for provado, será possível acreditar que a verdadeira fraternidade existe, ou seja, a capacidade de fazer o bem sem receber qualquer recompensa, inclusive aquelas puramente simbólicas.

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Censura

Hoje o debate no Facebook sobre riscos, eficiência, vantagens e benefícios de vacinas está banido. Canais no YouTube estão sendo excluídos e todas as vozes dissidentes estão sendo silenciadas. Censurados, em nome do bem geral, da saúde pública, para o “greater good”, decidido por algumas poucas pessoas que pensaram por nós, decidiram por nós, falaram por nós e apertaram o botão “delete” para milhões no mundo todo.

Não, este post não é sobre vacinas, é sobre a liberdade de debater e conhecer todas as faces da verdade.

Peço paciência para uma analogia. Fiz todo o meu transcurso pela escola médica e na época da residência em ginecologia escutando a exaltação das mamografias, Elas eram exames de baixíssima periculosidade, boa acuidade e poderiam fazer diagnósticos de tumores ainda abaixo da possibilidade de palpação e a tempo de se fazer uma cirurgia curativa. Quem poderia ser contrário a este tipo de milagre da tecnologia? Quem poderia questionar os resultados positivos de mulheres que foram operadas e recuperaram a saúde após a descoberta de um minúsculo tumor na mama?

Pois houve gente que, mesmo diante deste aparente sucesso, teve desconfianças e resolveu investigar a fundo o difícil campo dos riscos e benefícios de irradiar uma mama de forma rotineira e periodicamente para descobrir tumores escondidos nos tecidos mamários. O trabalho iconoclástico do meu herói pessoal, Peter Gotzsche, vai exatamente nesse sentido.

Suas conclusões foram impactantes. Para alguns este exame deveria ser banido. Para outros ele não deveria ser usado de forma rotineira e, muito menos, com tamanha frequência.

Agora imagine que há alguns poucos anos o debate sobre mamografias tivesse sido banido, por diminuir a taxa de pacientes submetidas a este escrutínio e, portanto, teoricamente aumentado o número de pacientes não diagnosticadas precocemente. Jamais teríamos descoberto que as vantagens das mamografias rotineiras nem de longe produzem o resultado que imaginávamos produzirem.

O que é “desinformação” hoje pode não ser amanhã. Existe muita pesquisa sendo feita para mostrar problemas relativos às vacinas, de boa, excelente e até de péssima qualidade. Banir todas elas com a desculpa de “proteger as pessoas” é uma atitude totalitária. Eu lembro da unanimidade em relação às mamografias há 20 anos, e a fúria contra qualquer médico que resolvesse questionar sua validade. Cesarianas a mesma coisa. Enteroviofórmio idem. Se alguém quisesse questionar o uso de raios X nos primeiros anos do século XX, seria tratado como um retrógrado, inimigo da ciência.

Poucos lugares do conhecimento merecem e necessitam tanto de iconoclastia como a medicina. Poucos são mais necessários do que aqueles que se contrapõem às posturas hegemônicas. Esses sujeitos – como Peter Gotzsche – são essenciais.

Bem sei o que a direita tem feito com essa questão, adicionando misticismos, mentiras e fraudes sobre achados científicos. Entretanto não se retiram os dedos por infecções nas unhas. Não há como ressuscitar a censura com a desculpa de “proteger pessoas”. Lembre que o macartismo se guiava por este mesmo norte. A liberdade de pesquisar e divulgar dissidências dos conhecimentos hegemônicos deve ser sempre garantido. Existe boa ciência entre aqueles que questionam vacinas e, como eu disse, muita bobagem, mas em qualquer campo existe algo parecido. Que às pessoas seja garantido o direito de decidir. E veja… aqueles que se contrapõem à avalanche de informações favoráveis às vacinas são ratinhos lidando contra elefantes, mas também o era Galileu ao dizer “eppur si muove”.

Outras coisa perigosa é “entre os pares”. O debate científico tem pressupostos rígidos do debate e da pesquisa, mas não são os cientistas que devem pautar a vida cotidiana. A propósito… que horror seria uma vida coordenada por cientistas!!! Portanto, esse debate DEVE obrigatoriamente verter para a discussão pública, para que as pessoas, os governos, as sociedades e os grupos possam decidir com os argumentos que as ciências lhes oferecem, e não pela IMPOSIÇÃO do debate secreto e fechado entre pares. É por isso que os cientistas divulgam seus achados na imprensa, para provar ou negar achados para gente comum, como nós.

Agora pensem… apesar de ser doloroso ter que aguentar posições que agridem nossas convicções mais profundas a censura é uma tragédia para o conhecimento, a liberdade e o próprio avanço das ciências. A facilidade como as pessoas aceitam este tipo de proibições (em especial na esquerda festeira identitária) é uma tragédia social. Parece que vamos precisar reinventar os princípios básicos da civilização, baseados na liberdade de expressão, novamente, partindo do zero. Nunca as palavras de Evelyn Beatrice Hall, erroneamente atribuídas a Voltaire, fizeram tanto sentido: “Discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

Ainda haverá no mundo paixão suficiente para a defesa destes princípios?

Veja AQUI o trabalho de Peter Gotzsche publicado no Lancet.

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Mentiras em 3D

Ultrassom 3D ou 4D(?) se refere a estas imagens que parecem moldes de cera com formato de feto dentro do útero, e são uma produção virtual cibernética e criativa que brota desse imenso campo das fantasias humanas.

Vou usar uma comparação tosca, mas que poderá servir de analogia.

Uma vez uma paciente me contou de um acidente terrível de automóvel que resultou na morte de uma criança de sua família. Depois de alguns meses a família enlutada procurou uma sensitiva, uma médium, que poderia trazer a palavra da criança já no plano espiritual. A paciente contou então do alívio provocado pela narrativa, ao saberem que a criança estava bem e que sua estada na terra foi abreviada um função de dívidas emocionais contraídas em outras encarnações. Estava feliz e tinha já encontrado o tio X, a vó Z e estava se recuperando do trauma de sua partida inesperada.

Não me cabe discutir a veracidade desse relato, e nem tem relevância aqui, mas apenas entender do que se constitui a mensagem da médium.

Diante do encontro com essa criança desencanada os fatos narrados por ela poderiam ser de dois tipos básicos: ela poderia contar uma história de superação, de otimismo, de positividade e de esperança, como de fato foi o relato que ela reproduziu à família. Por outro lado haveria outra possibilidade: ela poderia ter falado do seu sofrimento, da raiva, do ódio que ainda sentia e do ressentimento de ter sido expulsa dessa vida de forma tão abrupta. Poderia estar no “umbral”, sofrendo, consumida pelo ódio e pelo rancor, em especial contra as pessoas que não a protegeram ou que causaram sua partida precoce.

Pergunto: tendo diante de si uma família pesarosa, culposa, arrasada emocionalmente e destruída afetivamente quem diante desse quadro contaria a verdade, caso tivesse escutado da alma da criança a segunda versão? Conseguiria ser plenamente verdadeiro e fiel às palavras da menina ou mentiria, sabendo que esta mentira acalmaria seus corações e lhes traria a paz tão desejada, enquanto a verdade dura jogaria mais profundamente a todos no abismo de suas dores?

Eu acho que, inobstante a veracidade desses relatos, os videntes “mentem” (ou adocicam a dureza da verdade) para satisfazer aqueles que os procuram, pois sabem exatamente o que eles desejam – ou precisam – ouvir. É preciso ser movido por uma enorme crueldade para ser honesto e verdadeiro diante de tanta dor.

Nas ultrassonografias o programa “mente”, suaviza as bordas, preenche de forma automática as lacunas e falhas que o ultrassom não capta, acrescenta um colorido que os sons não reconhecem, oferecendo uma mentira que a todos agrada e satisfaz, além de aliviar as angústias e fantasias dos pais. Criamos um método baseado no falseamento das formas e na homogeneização dos contornos, mas curtimos essa mentira na medida que ela nos alivia a alma e diminui o peso das nossas ansiedades.

E nós todos caímos, claro, porque a angústia do desconhecido é mais poderosa do que as evidências e a própria verdade.

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Amor e Verdade

“Se o seu amor à causa for maior que seu amor à verdade, sua causa já morreu e você não notou”.

Erastus de Medina

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Verdades

Não existe “verdade ou mentira. Aliás, não existem sequer fatos, apenas perspectivas. A “verdade” é uma ficção contada por quem controla a narrativa, por aqueles que detém o discurso hegemônico.

Verdade e mentira se inserem nessa luta pelo discurso autoritativo, e não podem ser analisados de forma positiva. Sempre existirá uma disputa por narrativas, pois que essa é a essência humana. Já a verdade é uma construção coletiva que depende de poder e persuasão para estabelecer hegemonias. A construção da “verdade” nunca é solitária e pessoal, mas uma construção de uma coletividade. Você pode ter sua opinião pessoal e seu viés, mas não pode produzir seus próprios fatos. A disputa por versões da realidade é inalienável do humano. As muitas versões construídas sobre qualquer tema estabelecem uma disputa entre perspectivas e julgamentos. Vence a versão mais poderosa, mesmo quando falsa.

É óbvio que nosso ego sempre cultivará a ilusão de tudo saber, basta escutar qualquer sujeito falando de suas perspectivas Entretanto, a “verdade” não é uma construção subjetiva ou pessoal; ela se constrói socialmente nos choques paradigmáticos tão bem descritos por Thomas Kuhn em sua obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”.

Por isso a verdade contemporânea é de que a terra é esférica, mesmo que visões pessoais a tratem como plana. Não esqueça que o terraplanismo já foi a vertente hegemônica de saber sobre a forma da terra!!!

Assim como no modelo darwiniano de sobrevivência das espécies, a sobrevivência das ideias também obedece as mesmas regras. Não são os mais fortes ou os “corretos” que sobrevivem na natureza, mas os mais adaptados. Mutatis mutandis, algumas ideias toscas – e inclusive comprovadamente falsas – sobrevivem pela sua maleabilidade e pelos poderes e interesses que a sustentam.

O capitalismo é apenas uma dessas ideias que sobrevivem pela força e pelo poder de quem o mantém, mesmo dando sinais inequívocos de decadência e incapacidade de solucionar os graves entraves do planeta.

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