“Mulheres que fazem cesarianas são muito corajosas. Afinal, são sete as camadas de tecido cortadas. Vocês devem se orgulhar de suas cirurgias”.
Sempre que vejo este tipo de publicação eu fico confuso. Será mais uma peça de exaltação da tecnologia como forma superior de lidar com os desafios do parto? Será o elogio à escolha por uma grande cirurgia, mesmo quando temos milhares de estudos comprovando ser a via natural a melhor e mais segura forma de trazer um bebê à luz?
Não, as cirurgias não são feitas porque as pacientes são corajosas; esta é uma leitura muito errada do que realmente ocorre. Pelo contrário: para alcançarmos taxas obscenas de cesarianas, as mulheres são assustadas, apavoradas e reduzidas aos seus temores mais primitivos até o ponto em que são obrigadas a ceder à pressão do cirurgião. A estrada do abuso de cesarianas é pavimentada com medo e pintada com as tintas do desmerecimento das qualidades inatas de gestar e parir.
Não há como considerar as mulheres levadas à cirurgia como “corajosas”, porque sequer são adequadamente informadas dos múltiplos riscos associados a esta operação. Se tivessem pleno conhecimento dos riscos e ainda assim escolhessem a cirurgia, talvez pudessem ser chamadas de “corajosas”, mas ainda seria necessário acrescentar outro adjetivo: “temerárias”. Mulheres devidamente informadas sobre o que significa privar o bebê de um nascimento natural conhecem os riscos que vão correr e entendem as múltiplas vantagens do parto fisiológico. Estas dificilmente são convencidas a abandonar a via natural de nascimento.
Em várias partes do mundo, e no Brasil em especial, mulheres se submetem a um número abusivo de cesarianas porque, inegavelmente, esta cirurgia traz inúmeros benefícios…. mas para médicos e hospitais, e não para mães e bebês. Nas cesarianas o hospital organiza com mais eficiência os horários dos procedimentos e as enfermeiras controlam melhor o trabalho a ser realizado. Os médicos não perdem seu descanso, nem suas férias, sequer as madrugadas ou fins de semana; muito menos as cesarianas irão atrapalhar seus horários de consultório. Além disso, a cesariana confere aos profissionais blindagem jurídica – não importa quantas cesarianas faça e nem o resultado trágico delas, o cirurgião sempre se protegerá atrás do escudo do “imperativo tecnológico”. A indústria de drogas e equipamentos lucra – e muito – com o excesso de cesarianas; os anestesista e auxiliares cirúrgicos também ganham seu quinhão na “roda da fortuna” das cirurgias sem indicação. A mãe, desempoderada e sem voz, ganha a ilusão de que fez o melhor possível. Afinal, que mais poderia ela fazer, além de alienar seu parto a “quem entende”?
Um dos resultados práticos da aventura intervencionista na assistência ao parto é a crescente incompetência dos obstetras na assistência ao parto. Habilidades de outrora, como as técnicas para atenção ao parto pélvico (bebê sentado), parto gemelar (de gêmeos), partos longos ou distócias de vários tipos estão sendo perdidas. Estas capacidades foram construídas durante milênios de aprimoramento por meio da observação, mas agora estão sendo aniquiladas pelo atalho cirúrgico – sem que existam claros benefícios para o binômio mãebebê. Na verdade, a assistência ao parto no contexto ocidental mais se assemelha a um teatro onde o espetáculo coloca em risco os figurantes (mães e bebês) para que os atores principais (equipe de assistência) fiquem seguros; só a saúde dos pacientes caminha na corda bamba.
A solução? Somente uma revolução do parto liderada pelas próprias mulheres e com a ajuda substancial de médicos, enfermeiras obstetras e obstetrizes, e o suporte luxuoso das doulas e da população em geral – homens e mulheres. Enquanto o parto for controlado por cirurgiões, o nascimento humano será um evento cirúrgico, que apenas ocasionalmente será fisiológico. O parto controlado por parteiras profissionais será fisiológico, humanizado, centrado na mulher e suas necessidades, e apenas ocasionalmente será cirúrgico. Esta é a escolha que as sociedades vão precisar fazer. O abuso de cesarianas não é um ato de coragem ou bravura; é tão somente desinformação de um lado e oportunismo do outro. E a solução para este dilema não está na conciliação de poderes, mas na tomada de consciência por parte das mulheres e na ação política de todos os atores sociais relacionados ao nascimento seguro.
(E, vamos lembrar apenas, mais uma vez, que este texto fala de cesarianas sem uma clara indicação, não a sua… que, todos sabemos, foi muito necessária.)
É forçoso lembrar que tudo, literalmente tudo que sabemos da Revolução Cubana é entregue a nós apenas após ter sido filtrado pelos sistemas de controle americanos. A credibilidade de relatos sobre a “ditadura cubana”, ou sobre os mortos da Revolução é zero. Quem as faz são os mesmos que pintavam a Revolução Russa como tendo “milhões” de mortos e onde as pessoas “comiam criancinhas”. Portanto, as descrições de violações de direitos humanos contra Cuba são suspeitas, em especial quando vem de países, como os Estados Unidos, que violam cotidianamente os direitos humanos dos países que invade.
Por outro lado, não há dúvida que existem exageros e verdadeiras violações de direitos humanos em países que realizam revoluções proletárias. Como bem disse Che Guevara, “matamos pouco; a população enfurecida queria muito mais”. Ou seja, o governo revolucionário teve que segurar a onda de justiçamentos contra os traidores, até para proteger aqueles vendidos ao imperialismo. O mesmo ocorreu na Rússia revolucionária (na guerra contra 14 países estrangeiros após a revolução), bem como no Vietnã, na Coreia Popular e na China. Não há como exigir que nos países que passaram pelo trauma de um processo dessa grandeza não haja nenhum tipo de exagero.
Aliás, essa queixa de violações sempre vem de países que cotidianamente matam milhões, seja para roubar terras e recursos, seja em guerras com este fim ou mesmo aplicando pena de morte em seus habitantes; ou quando seus cidadãos são atacados por serem da “raça errada”. Cuba vive um bloqueio indecente e imoral, que viola os direitos humanos há mais de 60 anos, mas o bloqueio quase não é citado como uma grave agressão à dignidade humana. Lá o povo é unido em sua paixão pela Revolução, e os traidores da pátria cubana não têm mesmo nenhuma simpatia. A morte de muitos desses traidores foi exigência do próprio povo.
As contradições são esperadas quando rupturas ocorrem, mas as pessoas que criticam fatos pontuais numa revolução como a cubana são os mesmos que se chocam com possíveis violações de direitos humanos no 7 de outubro sem se espantar com 76 anos de abusos, torturas, sequestros, assassinatos e opressão que ocorreram contra os palestinos antes da reação violenta que tiveram.
Quando escuto as tradicionais acusações dos direitistas e liberais aos “ditadores” comunistas (ou não) e suas listas de mortes – cujos números são sempre criados em “freestyle” ou usando dados do instituto TireyDoku – eu exijo que qualquer avaliação da história destes personagens não ceda às pressões do anacronismo e avaliem o contexto em que estas revoluções foram estabelecidas.
Olhem, como exemplo claro, a história da China e o “século de humilhações” pelo qual passou. Anos de exploração estrangeira, repletos de abusos e o confisco de suas riquezas. Pensem nas derrotas humilhantes nas Guerras do Ópio, a pobreza do seu povo, a espoliação produzida pelos colonizadores ingleses e ficará mais fácil compreender a necessária reação para a liberdade do povo chinês. Sem entender a realidade das múltiplas invasões estrangeiras e as lutas internas fica mais complicado colocar em contexto a libertação da China em 1949 através da guerra civil e a “grande marcha” de Mao Zedong. Entretanto, a ninguém seria lícito imaginar que a entrega da China aos chineses seria feita sem os tradicionais massacres que as nações imperialistas impõem como punição aos povos dominados. É necessário também lembrar o que era a China em meados do século XX e o quanto sofreu durante a invasão japonesa, a perda da Manchúria na segunda guerra mundial e os 14 milhões de mortos que sucumbiram nessa guerra brutal contra o domínio nipônico.
Como não lembrar a história da Coreia, a ocupação japonesa, a tentativa de extermínio de sua língua, de sua história e até dos seus patronímicos? A invasão americana na “Guerra da Coreia” (ou Guerra da Libertação, como é referida na Coreia Popular) exterminou 1/3 da população civil, mandando o país para a idade da pedra com a destruição de todas a sua infraestrutura (a exemplo do que se faz hoje em Gaza) e só quando estudamos a crueldade assassina das forças imperialistas é possível entender a história de Kim Jong-Un, seu pai, seu avô, sua gente e a luta por liberdade e autonomia do povo coreano. Não é justo esquecer o que a França fez com o Haiti e com a Argélia, uma história de dominação repleta de atos da mais absoluta selvageria e covardia. Como apagar a história brutal do Congo, e os 10 milhões de mortos sob o domínio da Bélgica do Rei Leopoldo. Portanto, seria de esperar que a resistência pela liberdade em resposta à esta brutalidade só poderia ser igualmente feroz.
É preciso ter em mente que 14 nações invadiram a União Soviética durante a “guerra civil” (na verdade, guerra de independência) e isso facilita para entender a necessidade que havia de lutar de todas as formas possíveis, pois isso representava a única possibilidade de manter a unidade nacional. Que dizer dos 20 milhões de mortos da União Soviética na luta vitoriosa contra o nazismo de Adolf Hitler e o preço pago pelos soviéticos para que o mundo se livrasse do fascismo da Alemanha? Em Cuba a revolução se estabeleceu na luta contra um governo corrupto e burguês, que mantinha a ilha como um bordel americano e uma gigantesca fazenda de cana de açúcar, mantendo a população miserável, oprimida e subjugada pelos latifundiários e seu sistema semi-escravista. Por acaso estes poderosos, apoiados pelo governo americano, entregariam a soberania de Cuba para os cubanos sem luta e sem violência? Seria condenável a reação violenta de um povo que por séculos sofreu de forma desumana?
E o que falar sobre o Hamas, este partido politico e seu braço armado (a brigada Qassam) e os demais grupos de resistência palestina que lideram uma luta de 76 anos contra os canalhas sionistas, racistas e abusadores, terroristas da pior espécie, violadores e assassinos de crianças? Há como analisar suas ações, em especial o 7 de outubro de 2023, sem levar em consideração as humilhações impostas pelos invasores sionistas nas últimas sete décadas? Há como apagar uma parte da história e manter apenas aquela que nos interessa? Por acaso eram “terroristas” aqueles que atacaram a realeza na França na queda da Bastilha, criando as fundações do mundo burguês no qual hoje vivemos? Ou seriam eles tão somente os bravos lutadores que resistiram ao poder despótico e injusto da cleptocracia monárquica? E a resistência francesa que lutou contra os nazistas em Paris? Seriam terroristas aqueles que lideraram o levante do gueto de Varsóvia? Ou a história provou que eles eram lutadores pela liberdade de seus povos? Será mesmo que a independência dos Estados Unidos, libertando-se da Inglaterra, foi feita com abaixo-assinados, ou foi como todas as lutas libertárias – a ferro e fogo? Ora, não sejamos tolos e ingênuos.
Isso não significa que as guerras de libertação não contenham ações bárbaras violentas, abusivas e até criminosas. Porém, quando vejo críticas a estes eventos do passado é impossível não lembrar de Bertold Brecht: “Dos rios dizemos violentos, mas não dizemos violentas as margens que os oprimem”. Do Hamas reclamamos a fúria, mas fechamos os olhos diante dos 76 anos de massacres, torturas, assassinatos, sequestros, o extermínio de famílias inteiras, o apartheid e a dominação opressiva por parte do Estado terrorista de Israel. O mesmo se pode dizer de todos os grupos de resistência que se levantaram contra a opressão. É preciso aprender a história dos povos para entender suas lutas e seus dilemas. E por fim é fundamental conhecer os personagens que são criticados pelos reacionários para saber em qual contexto eles atuaram.
Alguns esquerdistas liberais criticavam o fim da ocupação imperialista no Afeganistão e usavam como argumento a pretensa perda de “liberdade” das meninas afegãs, impedidas de irem à escola pela volta do Talibã – o que, aliás, nunca passou de especulação e ameaça. Na verdade os Americanos fizeram do Afeganistão a central de produção de opioides para o mundo, além de criarem uma rede imensa de abuso sexual de crianças no país. Tudo isso com o conhecimento e a conivência – é segundo alguns, com a promoção – dos senhores da guerra do imperialismo.
Assim, a derrubada do Imperialismo no Afeganistão era uma questão de vida ou morte, tanto para as mulheres e crianças quanto para os homens e combatentes do país. Entretanto, os identitários usavam a falácia das “liberdades individuais” das meninas na Escola (assim como fazem com os gays e feministas no mundo árabe) para fomentar revoluções coloridas, onde as minorias funcionam como uma oportunista massa de manobra do capitalismo mundial para a derrubada de governos nacionalistas.
Ou seja, para a nata da esquerda liberal, as meninas abusadas e seus pais mortos pelos drones yankees não são nada comparados à glória de ver alunas indo uniformizadas para a escola. Para estes menos importa que o país seja ocupado, mulheres sejam mortas e crianças fiquem órfãs, desde que essas identidades sejam aparentemente protegidas. E ainda será a suprema vitória se tiverem acesso irrestrito a uma parada gay com direito a assistir trans enroladas na bandeira americana.
“Ahh, não são excludentes. É possível proteger a escolarização de meninas e a autonomia do país”, dizem os liberais. É verdade, mas não vai acontecer nenhum avanço enquanto não houver um país autônomo e livre. As meninas, os gays, os trans e todas as minorias só terão seu justo espaço depois que o país se livrar dos cães imperialistas. Enquanto formos comandados por forças externas esses grupos serão sempre atingidos.
Cara…. eu vejo as manifestações na Europa, onde os cidadãos que protestam jogam coquetéis Molotov sobre os policiais fortemente armados, e fico imaginando como será a revolução proletária dos Estados Unidos, que vai ocorrer quando os 99% da população americana explorada se der conta que os governos burgueses que os controlam há séculos oferecem à classe trabalhadora apenas as migalhas do que arrecadam, gastando a maior parte na máquina de guerra e em benefício próprio. Os combates não vão ocorrer com os inocentes coquetéis dos civilizados sindicalistas franceses, ou os pedregulhos dos sofisticados ingleses, mas com AK47, pistolas, rifles de assalto e até tanques, carregadas por massas de brutamontes e “proud boys” cheios de ódio e Whey nas veias. Se alguém souber em qual canal vai passar, favor avisar…
O movimento de humanização do nascimento não se produz num vácuo conceitual mas, pelo contrário, surge no bojo das profundas transformações do pós guerra no que diz respeito à distribuição dos gêneros no mercado de trabalho, nos costumes, nos direitos sobre o corpo e nas questões relativas à sexualidade – incluindo aí a contracepção e o ciclo gravídico-puerperal. Nos anos 70-80 pela primeira vez se tornou possível mensurar de uma forma metódica e abrangente o resultado da invasão tecnológica sobre o parto ao confrontarmos os resultados obtidos pela institucionalização do parto com sua versão artesanal e domiciliar que foi o modelo hegemônico por toda a história da humanidade. Por esta razão nesta época apareceram no nosso horizonte os primeiros contrapontos ao modelo vigente.
No que diz respeito ao terreno das ideias, a partir desse período era possível beber em diversas fontes. Entre as principais referências estavam na Inglaterra o obstetra Grantly Dick-Read, que tratou da ambiência do parto e suas repercussões (em especial o ciclo medo-tensão-dor) e o parto como fato social; na França surgiu Fernand Lamaze que falava dos domínios do consciente sobre o parto. Mais uma vez na França surgiu a questão da violência na atenção ao parto, e Frederick Leboyer surgiu com a perspectiva do recém-nascido e o conceito de “imprint”. Ainda na França, Michel Odent abriu um portal no entendimento do parto ao falar desse evento como fenômeno “mamífero”, com seus estudos da etologia e os efeitos da ocitocina para o rtabalho de parto e o psiquismo materno. Finalmente, nos Estados Unidos surge o trabalho da antropóloga e Robbie Davis-Floyd que nos apresenta a perspectiva ritualística do parto, e os elementos simbólicos das rotinas obstétricas. Estes foram personagens e ideias que produziram o arcabouço ideológico que fomentou nossa perspectiva teleológica do processo de nascimento. O modelo humanista, surgido do caldo de ideias desses pensadores, ocorre em contraposição à crescente alienação das mulheres no ato de parir e o domínio da tecnologia sobre seus corpos. Certamente que a tarefa de desconstrução sobre o modelo tecnocrático de atenção ao parto só poderia ocorrer de forma conflituosa, porque sobre o corpo das mulheres existem claras demarcações, zonas de domínio, que são próprias da estruturação do modelo patriarcal. Desta forma, o movimento de humanização passou por etapas cujo reconhecimento é extremamente essencial para sua continuidade. Também é importante entender que, como todo fenômeno social, estas etapas não são estanques e são intercambiáveis no tempo e no espaço.
1-Indignação e Acolhimento
A primeira etapa é o que eu chamo de “Acolhimento“. O acolhimento vai ocorrer quando um sujeito, vítima real de uma situação ou contexto, procura a ajuda de pessoas que possam lhe escutar e entender suas feridas e traumas. Os primórdios da humanização do nascimento, desde o início das “list servers” sobre parto humanizado, eram recheados de histórias e relatos de partos onde a dignidade e a autonomia das mulheres e bebês foi claramente ofendida. Era tarefa dessa comunidade acolher as vítimas de um modelo de atenção que lhes parecia violento e insensível. O problema é que o ser humano tem mecanismos de satisfação que lhe permitem obter vantagens pela sua condição de vítima, seja por benefícios ou privilégios. Essa atitude é muito primitiva em nós, bastando para isso ver uma criança que chora copiosamente ao cair, sabendo que isso significará um ação acolhedora da mãe. Com o tempo esta atitude pode se tornar padrão de comportamento, criando uma criança manhosa, que percebe na sua condição real (ou fantasiosa) de vítima uma chance de receber o prêmio do carinho que deseja. Na atenção ao parto muitas mulheres se recolhem na condição de vítimas do sistema e o movimento de humanização às acolhe, gerando um circuito que oferece a elas um gozo pela sua condição.
É evidente que esta ação não pode perdurar porque uma regra básica das relações humanas é que a pessoa que se encontra na condição de vítima não pode ser protagonista, uma condição antagônica a esta posição. Desta forma o padrão maternal acolherá a criança ou o adulto vítima e lhe dará o cuidado necessário para sua proteção e recuperação, mas manterá o sujeito preso a um vínculo de dependência. Somente a posição paternal subsequente poderá livrar o sujeito dessa condição, obrigando-o a uma posição proativa. É importante notar que posições maternais e paternais se referem às funções e não aos personagens mãe e pai e muito menos às identidades de mulher e homem.
2-Punição
Essa condição de vítima é geradora de ressentimentos e o ressentimento vai produzir o segundo passo neste processo que é o “Punitivismo“. Esta foi uma tendência marcada nos primeiros anos do movimento de humanização. Se conhecíamos as vítimas de uma atenção inadequada por certo que haveria aqueles a quem culpar, em especial os que detém mais poder e conhecimento autoritativo. Nessa etapa muito se discutia sobre as punições devidas aos médicos e hospitais que utilizavam de forma exagerada e insensata os recursos tecnológicos. Da mesma forma como o enxergamos nos problemas sociais, o punitivismo na obstetrícia se baseia na crença que o aumento ou alargamento das punições sobre médicos e hospitais poderia garantir uma maior qualidade da atenção, pela simples eliminação da impunidade. Décadas de observação e inúmeras experiências nos mostram que esta é uma estratégia equivocada e de resultados pífios. Se punir quem vendia álcool na lei seca não diminuiu seu consumo, porque a punição aos médicos poderia trazer qualquer benefício, em especial quando sabemos que eles são igualmente reféns do “imperativo tecnológico” que os mantém prisioneiros de um modelo tecnocrático e intervencionista, mesmo quando têm pleno conhecimento de que não é o mais adequado.
3-Idealismo
A etapa seguinte eu chamo de “Idealismo”. Esta etapa ocorre quando vemos o florescimento de uma enorme quantidade de ideias e propostas relacionadas à atenção ao parto. Começamos a nortear nossas ações centrados nos trabalhos, pesquisas e estudos de ideólogos e pesquisadores que produziram um olhar desafiador sobre o parto. Assim, o “parto Leboyer” surgiu como uma prática – repleta de variantes – a partir das ideias do obstetra francês Frederick Leboyer. Alguns anos após, outro francês, Michel Odent, nos convidava a refletir sobre nossa ancestralidade e as reais necessidades de uma gestante em seu momento de parir. A partir deles, muitos outros vieram, entretanto, como pode ser facilmente observado, “nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam”. O livro de Robbie “Birth as an American Rite of Passage” foi publicado há mais de 30 anos, e nessas três décadas o cenário do nascimento humano no mundo ocidental apenas piorou no que diz respeito à autonomia das mulheres, mesmo com grande acúmulo de perspectivas inovadoras e estudos que as embasam. As taxas de cesariana no Brasil chegaram a um platô que se situava entre 55 e 57% e não conseguem descer abaixo disso – em verdade os últimos relatórios falam de uma taxa de 59.7% de cesarianas e 82% no setor privado – inobstante as boas iniciativas de algumas instituições e poucos profissionais. As Intervenções continuam em alta, apesar de inúmeras publicações demonstrando sua inutilidade e mesmo seu efeito deletério para o binômio mãe-bebê
Fica evidente que as ideias são incapazes – por si só – de promover mudanças. Por mais que os médicos saibam da inutilidade da episiotomia, da alta taxa de cesarianas, dos enemas e da posição de litotomia, o simples reconhecimento desses erros não os leva a mudanças significativas em suas atitudes. Esse tipo de pensamento idealista nos levou a fazer “caravanas” pela humanização do nascimento no início do século, baseados na ilusão de que a simples confrontação com a verdade das pesquisas seria capaz de imprimir novas condutas médicas. Ledo engano; não houve nenhuma mudança significativa; nenhum índice de intervenção se tornou melhor pela demonstração prática de sua inadequação. Mesmo o programa “Parto Adequado” que foi utilizado em hospitais privados – o ponto nevrálgico das intervenções desmedidas – teve um “sucesso” inicial de diminuir em 1% as intervenções de nascimentos cirúrgicos, mas os valores voltaram a crescer algum tempo depois. A “educação médica” não parece surtir efeito, pois parte de uma perspectiva que não reconhece a dinâmica de poder que permeia a atenção à saúde.
4-Reformismo
A próxima etapa é derivada do idealismo e se refere a um movimento que ainda é hegemônico entre os obstetras “liberais”, aqueles simpatizantes do parto normal (também conhecidos como “vaginalistas”) e entre muitos profissionais das correntes da humanização do nascimento. Ela se chama “Reformismo“, que consiste na ideia de que é possível transformar a atenção ao parto se houver uma educação ampla, reforma no ensino da medicina, contratação de médicos alinhados com os projetos de humanização e estímulo à contratação de enfermeiras obstetras pelos centros de atenção ao parto. Essa proposta acredita que é possível “moralizar” a atenção apostando no sujeito, nos “bons profissionais” (os “good guys”) na suavização de suas práticas, na eliminação de intervenções desnecessárias, na educação e na informação científica atualizada – mas não na mudança do sistema no qual estes profissionais estão inseridos.
Existem inúmeros hospitais de caráter reformista na atualidade, alguns por acreditarem nessa proposta, enquanto outros por entenderem que se trata de um modelo intermediário para uma verdadeira mudança que só ocorrerá num futuro distante. No último congresso internacional da ReHuNa houve um momento profundamente revelador dessa proposta: o convite para que o presidente da Febrasgo (Federação das Associações de Ginecologia e Obstetrícia do Brasil) tivesse uma fala. Nesta ocasião ele se mostrou educado, afável e compreensivo com as reivindicações dos seus entrevistadores. Para muitos um ato de reconhecimento de nossa relevância. Todavia, deveria ter ficado evidente para todos os presentes em sua palestra que a sua concordância – ou não – com as nossas propostas é absolutamente irrelevante para uma real transformação. O mesmo acontece com uma mesa em que representantes israelenses se encontram com a população palestina para discutir o futuro da região. As posições jamais serão alcançadas através da simples concordância com as visões dispares de mundo, e qualquer solução só poderá brotar do atrito e do choque de poderes – mais ou menos violento. Para isso é preciso uma abordagem “materialista e dialética”.
O Materialismo dialético é uma concepção filosófica e uma metodologia científica que propões a visão de que o ambiente, o sujeito e os fenômenos materiais e físicos tanto modelam a sociedade e a cultura quanto são modelados por eles; ou seja, que a matéria está em uma relação dialética com o psicológico e o social. Por mais que seja evidente a correção da luta por autonomia das mulheres em relação ao parto e nascimento, estas ideias somente terão avanços quando o ambiente social se modificar e as próprias mulheres se colocarem à frente do processo de mudança. Precisamos tanto de melhores profissionais quanto melhores clientes para o parto. Médicos e gestantes estão sujeitos ao mesmo modelo, atuam dentro dele e ao mesmo tempo são afetados por ele, e precisam agir em consonância para que este seja transformado. No atual estado da arte, a Medicina e sua lógica da intervenção está em antagonismo com as reivindicações das gestantes que desejam um parto humanizado. Jamais conseguiremos uma modificação profunda no sistema através de reformas que não mudam em profundidade o sistema de poderes que governa o corpo das mulheres, sua sexualidade e reprodução.
Enquanto o parto for considerado “ato médico” e se mantiver nas mãos de cirurgiões nenhum avanço significativo será alcançado, pois que a perspectiva médica e a visão da parteria são antípodas no espectro da atenção. A lógica médica aplicada ao nascimento objetualiza as pacientes, transformando-as em objetos dóceis e inermes para a sua atuação e intervenção. Essa lógica é essencial para o tratamento de muitas doenças e em especial para a realização de cirurgias, mas não se aplica ao atendimento de um evento fisiológico como o parto sem excluir as mulheres e seus bebês da equação. A aventura da Medicina no percurso do nascimento humano levou inexoravelmente ao apagamento das mães de qualquer decisão, colocando nas mãos dos médicos toda a responsabilidade do que vai acontecer a elas. Não por outra razão em nossa cultura os médicos “fazem partos”.
5-Revolução
O que resta como solução é deixar para trás as ilusões, entendendo a arena do nascimento como uma “luta de classes” que não vai chegar a qualquer consenso enquanto os médicos mantiverem o controle político e econômico sobre o processo de parir. Somente com a queda deste poder, e a ascensão das especialistas no parto – parteiras profissionais e tradicionais – haverá possibilidade de uma verdadeira “Revolução do Parto”, mas que só vai acontecer quando as massas, nutridas pela inescapável indignação, reivindicarem que a assistência volte ao controle das próprias mulheres e através do auxílio dos profissionais mais capacitados para este ofício. Cabe também resguardar aos médicos a nobre tarefa de agir nas circunstâncias em que a trilha da fisiologia se perdeu no emaranhado único de cada nascimento e adentrou na rota perigosa da patologia, para que eles sejam os heróis que tanto necessitamos. Todavia, diante dessa tarefa, é importante lembrar de Simon Chapman, professor de Psicologia na Austrália, que durante muitos anos estudou a questão do tabagismo e expôs a indústria de tabaco pelos seus malefícios à saúde humana. Em suas palavras “uma vez que seu trabalho ameace uma determinada indústria, corporação ou ideologia dominante, você será atacado sem tréguas e de forma cruel. Portanto, crie para si mesmo uma couraça de rinoceronte”. Todo aquele que deseja confrontar os poderes estabelecidos sobre o parto e, portanto, sobre o controle da sexualidade feminina, será atacado de forma incessante e violenta por aqueles que se sentem ameaçados pelo novo paradigma. Nunca isso foi tão verdade como agora.
O século XX nos colocou diante de uma enorme reformulação na forma como entendemos as questões relacionadas à saúde e, em especial, como atendemos partos e nascimentos. Também, no outro extremo, passamos a questionar as maneiras de fechar o ciclo da existência; hoje em dia morremos em salas altamente sofisticadas, em ambientes assépticos e rodeados de maquinário e tecnologia de ponta, onde antigamente havia tão somente a presença da família, dos amigos e dos amores. Em ambas as pontas do circuito da vida percebemos que a tecnologia invadiu de forma inexorável, prometendo a esses eventos mais segurança, ao mesmo tempo em que os desnaturalizava – e com isso os tornava paradoxalmente mais arriscados. Os nossos momentos mais marcantes sofrem uma perda crescente do contato com os aspectos mais sutis da vida – a nossa conexão com a natureza, nossas emoções e as relações amorosas que cultivamos – e, por esta razão, existe uma constante crítica aos caminhos que as sociedades contemporâneas traçaram para lidar com eles.
O Movimento de Humanização do Nascimento há muitos anos lança um olhar crítico às tendências da obstetrícia hegemônica, questionado o caráter intervencionista de suas práticas, que acabam por alijar as mulheres das decisões sobre seus próprios corpos e transformando um evento fisiológico em uma série infindável de intervenções que adicionam, apesar de oferecer mais segurança em eventos limites e de ordem patológica, aumentam o risco ao processo fisiológico de nascer. Hoje em dia em nações industrializadas como os Estados Unidos, mas também no Brasil, a chance de uma mulher passar pela experiência de um parto fisiológico e sem interrupções exageradas (e até abusivas) é de apenas 5%. Ou seja; 95% das gestantes vão se submeter aos procedimentos obstétricos invasivos que surgiram há menos de 100 anos, seduzidas pela ideia de que, sem eles, as mulheres estariam correndo sérios riscos, tanto para si quanto para seus filhos. Todavia, ao contrário da avalanche alienante e invasiva do modelo obstétrico contemporâneo ocidental, milhares de artigos e estudos atestam a falsidade destas propostas, e apontam o parto normal e vaginal como a maneira mais segura de parir e nascer.
A verdade é que, mesmo reconhecendo a importância da tecnologia aplicada à saúde – das cesarianas às UTIs sofisticadas – é inegável que houve um exagero ao se colocar nas mãos de cirurgiões a condução prioritária de um processo fisiológico e natural como o parto. Fica claro que, sendo formados e treinados intensamente para as intervenções salvadoras e para medidas emergenciais e dramáticas, os médicos obtém sua respeitabilidade e valor social através da utilização dessas ferramentas. É ingenuidade imaginar que formaremos profissionais capacitados para tarefas importantes e complexas como estas e depois os impediremos de utilizá-las livremente. Por esta razão, não é justo para a população – e menos ainda para os médicos – que a tarefa da atenção fisiológica do parto esteja delegada preferencialmente a estes profissionais, que seriam muito mais bem aproveitados se colocados na linha de frente das ações salvadoras e heroicas, e não na atenção cotidiana ao nascimento fisiológico e de risco habitual.
Para a tarefa de acompanhar e assistir os partos eutócicos (de risco habitual) já temos profissionais cujo história na atenção aos processos femininos de gestar, parir e amamentar remontam à aurora da humanidade. São as parteiras profissionais – enfermeiras obstétricas, obstetrizes (estas com formação superior) e parteiras tradicionais em suas comunidades – aquelas que realizam esta tarefa com a máxima qualidade e com segurança superior. Elas são as mais capacitadas para distinguir os processos que estão disfuncionais e encaminhá-los para os profissionais médicos. São elas as profissionais mais qualificadas para a atenção do parto normal, pois congregam os ensinamentos técnicos para uma atenção segura com a especial característica afetiva, emocional, social e espiritual de cuidar das mulheres em seus períodos de transição. O novo paradigma da Parteria precisa se apoiar sobre o trabalho destas profissionais, porém sem jamais negar a importância do trabalho médico em atuar nas franjas do processo, naqueles especiais momentos em que a rota da fisiologia dá lugar aos caminhos tortuosos e perigosos da patologia.
“As estimativas extraídas de estudos indicam que onde ocorrem intervenções realizadas por parteiras profissionais, como planejamento familiar, controle do diabete, parto assistido e apoio à amamentação, 4.3 MILHÕES de vidas poderão ser salvas por ano até 2035″
Não há mais dúvida de que o mundo ocidental não pode aceitar as promessas de um “reformismo obstétrico” imaginando treinar – ou condicionar – profissionais para uma conduta mais suave, mais embasada em evidências, menos intervencionista quando é da essência da própria prática médica a intervenção sobre o corpo doente para lhe restaurar a saúde. Todavia, o parto não se adapta a esta lógica pois não há saúde a ser restaurada, apenas para ser mantida. E para esta tarefa é muito mais importante o suporte, o cuidado, a proximidade e a empatia entre a profissional do cuidado e aquela mulher que está parindo. Esta é a tarefa para qual a parteria está qualificada e sempre demonstrou resultados superiores.
O pensador austríaco Wilhelm Reich (1897-1957) já dizia que “A civilização começará no dia em que o bem-estar do recém-nascido prevalecer sobre qualquer outra consideração.” Ou seja, não podemos mais admitir que a atenção ao parto e ao recém nascido com segurança, qualidade e com os profissionais mais adequados seja condicionada por questões econômicas, políticas, religiosas ou de qualquer outra ordem diferente do nem estar das mães e dos bebês. A transformação deste paradigma se dará também com o questionamento cada vez mais intenso do capitalismo aplicado à saúde e a vinculação dos tratamentos às grande corporações farmacêuticas. A maior utilização de “Tratamentos e práticas complementares” como acupuntura e homeopatia entre outros, é um passo nesse sentido, e todo profissional de saúde deveria adquirir conhecimentos destas alternativas para oferecer uma ampla gama de possibilidades terapêuticas às gestantes.
Precisamos desmedicalizar a vida, em especial suas pontas: nascimento e morte. É urgente uma “revolução do parto“, onde as ordens hierárquicas sejam transformadas para que os valores da segurança e satisfação de mães e bebês estejam acima de qualquer outra consideração, e onde os profissionais ocupados com o nascimento sintam-se plenamente realizados ao participar desta grande aventura da vida.
The 20th century has put us in front of a huge overhaul in the way we assist births. Also, at the other extreme, nowadays we die in highly sophisticated rooms, in aseptic environments and surrounded by state-of-the-art machinery and technology, where in the past there was the presence of family, friends and loved ones. At both ends of the circuit of life, we perceive that technology has inexorably invaded, promising more security to these events while, at the same time, denaturalizing them. These moments now suffer a growing loss of contact with the subtle aspects of life – our own connection with nature, our emotions and the loving relationships we cultivate – and, for this reason, there is a constant criticism on the paths that human beings have traced to deal with them.
The Movement for the Humanization of Birth all over the world has been debating the trends of hegemonic obstetrics for many years by questioning the interventionist tendency of its practices, removing women from decisions about their own bodies and transforming a physiological event into a series of interventions that add risk to the process. Nowadays in industrialized nations like the United States, but also in my country Brazil, the chance of a woman going through the experience of a physiological birth without exaggerated and even abusive interruptions is only 5%. Around 95% of pregnant women will undergo invasive obstetric procedures that emerged less than 100 years ago, with the illusion that, without them, all women would be at serious risk.
The truth is that, even recognizing the importance of technology applied to health – from cesarean sections to sophisticated ICUs – it is undeniable that there was an exaggeration in its overuse and in placing the management of a physiological and natural process – such as childbirth – in the hands of surgeons. It is clear that, being educated and trained intensively for lifesaving interventions and dramatic measures, physicians obtain their respectability and social value through the use of these tools. It is naive to imagine that we will train qualified professionals for important and complex tasks and then prevent them from using them freely. For this reason, after more than 30 years working with childbirth care, I realized that it is not fair to the population – and even less to doctors – that the task of physiological childbirth care is delegated primarily to these professionals, who would be very best used if placed at the forefront of lifesaving actions rather than in the daily attention to normal birth.
For this task, we already have professionals whose history in the attention to the female processes of gestating, giving birth and breastfeeding goes back to the dawn of humanity. It is the midwives – nurse midwives, midwives and traditional midwives in their communities – who perform this task with maximum quality and superior safety. They are the most qualified professionals for normal childbirth care, as they bring together the technical teachings for safe care with the special affective, emotional, social and spiritual characteristic of caring for women in their transition periods. The new paradigm of midwifery care needs to rely on the work of these professionals, but without ever denying the importance of medical work in acting on the fringes of the process, in those special moments when the route of physiology gives way to the tortuous and dangerous paths of pathology.
There is no longer any doubt that the western world cannot accept the promises of an “obstetric reform” imagining that training – or conditioning – obstetricians for a smoother, more evidence-based, less interventionist assistance could produce good outcomes. Indeed, intervention over the sick body to restore its health is the essence of medical practice itself, but childbirth does not adapt to this logic because there is no health to restore, only to maintain. And for this task, support, care, proximity and empathy between the caregiver and the woman who is giving birth are much more important.
The transformation of this paradigm will also take place with the increasingly intense questioning of capitalism applied to health and the linking of treatments to large pharmaceutical corporations. The greater use of “Complementary treatments” such as acupuncture, homeopathy, among others, is a step towards this goal, and health professionals should be aware of these alternatives to offer a wide range of therapeutic possibilities to pregnant women.
We need to demedicalize life, especially its most crucial points: the beginning and the end, birth and death. There is an urgent need for a “childbirth revolution”, where hierarchical orders are transformed so that the values of safety and satisfaction of mothers and babies are above all other considerations, and caregivers can be fully satisfied by participating in that great adventure of life.
Acho curiosa essa manifestação de condenação à retomada do Afeganistão pelas tropas talibãs, especialmente quando a gente sabe que morreram MUITO mais mulheres e crianças pela invasão americana do que pela ação dos talibãs durante toda a sua história…
Tortura pelas tropas americanas na prisão iraquiana de Abu Ghrabi
“Pobres afegãs”, dizem agora aqueles que analisam o fenômeno no conforto de suas casas há milhares de quilômetros de distância das atrocidades da guerra, como se as tropas americanas não tivessem alta tecnologia em subjugar através de estupro e tortura, inclusive de mulheres e crianças. Acaso esquecemos tão facilmente assim Mi Lay e mais recentemente Abu Ghraib? Acaso será necessário aguardar mais um documentário horroroso da ocupação do Afeganistão para – DE NOVO – comprovar as atrocidades americanas cometidas contra os “povos inferiores”, cucarachas e moreninhos?
Proponho então um exercício simples… (baseado em antigas conversas com minha mãe, uma gringófila confessa)
Imaginem que os Estados Unidos invadiram o Brasil. Mataram nossos soldados, destruíram o exército, expulsaram o presidente, desembarcam milhares de soldados, controlaram as TVs e a Internet (ops, isso já fazem) e tomaram as ruas com seus marines, canhões e tanques.
No dia seguinte à vitória o “Comandante em Chefe” do Governo de Ocupação entra em cadeia de rádio, TV e Internet e explica para o país que a invasão se deu em função da destruição da Amazônia, as fraudes nas eleições e um genocídio em curso. Claro, prometendo proteger as mulheres, a fauna, a flora e as minorias. A tomada do poder se deu como recuso heroico para restabelecer valores democráticos e salvar a floresta. Era, afinal, uma intervenção humanitária para auxiliar os brasileiros e, porque não, ajudar o mundo.
Uma combatente americana posa ao lado de um iraquiano carbonizado pelas armas de guerra imperialistas
Depois disso, como aconteceu na Líbia, no Iraque, na Síria – e aconteceria na Venezuela – empresas americanas iniciam prospecção e retirada de petróleo do pré-sal, ferro, ouro, bauxita, madeira, soja e até o famoso nióbio. Agem como se aqui fosse o seu quintal, brincando de desenterrar tesouros escondidos. Todavia cumprem a promessa de cuidar da Amazônia; ou pelo menos assim o dizem, pois como controlam a imprensa não informam nada que nos faria vê-los de forma negativa. De tudo fazem para mostrar que só praticam o bem para todo o mundo e que os antigos donos do país eram cruéis e covardes, os verdadeiros assassinos e genocidas. Possuem em suas mãos a mais potente de todas as armas da guerra híbrida: o controle da informação e da propaganda, a ponto de transformar verdades em mentiras, fracassos retumbantes em vitórias gloriosas – e vice-versa, se assim for conveniente.
Um soldado americano se diverte com o horror de um prisioneiro no Iraque.
Pergunto: qual o preço que se suporta pagar pela liberdade e pela autonomia? E se o povo brasileiro decidisse que a eliminação da extrema direita era tarefa nossa, de acordo com nossas propostas e nossos valores, e não pelas escolhas de invasores estrangeiros? E se o projeto de expulsão dos bandoleiros americanos – assassinos cruéis como em toda parte do mundo onde estiveram – fosse liderada pelas milícias bolsonaristas, deveríamos saudar ou lamentar nossa libertação? Seríamos a favor da manutenção da ocupação genocida e exploradora dos nossos recursos ou marcharíamos ao lado dos milicianos?
Então imagine-se agora no Afeganistão….
Mulheres e crianças sendo abusadas pelas tropas americanas no Vietnã
Nesta foto ao lado pode-se perceber a angústia das mulheres sob o controle das tropas americanas em Mi Lay, e o exército americano atuando em “favor das mulheres”, da sua liberdade, de sua autonomia, etc. Melhor nem contar o que existe por trás dessa imagem. Sério…. eu fico enlouquecido de ver as pessoas diminuindo – ou relativizando – a importância da luta contra o imperialismo. E se o Talibã não tinha no horizonte a luta anti-imperialista (o que é uma afirmação cheia de preconceito com as lutas alheias, pois pressupõe que só as nossas lutas tem valor, as dos outros são interesseiras) o resultado objetivo é a DERROTA do império, e isso é, por si só, uma vitória para a autonomia dos povos.
Não é por outra razão que Venezuela e Cuba, que se ergueram contra o Império americano, são alvo de boicotes, ameaças, agressões e tantas outras violências. Se houvesse tanta ardor feminista estariam todos agora lamentando o salafismo da Arábia Saudita, APOIADO pelos gringos, ao invés de atacar uma luta de liberdade que já dura 20 anos e MATOU milhares de mulheres em sua esteira de exploração e destruição.
E posso acrescentar: eu DETESTO a perspectiva de mundo talibã. Odeio profundamente o machismo e a colocação das mulheres em um patamar social inferior, mas não posso aceitar que a solução para isso seja reviver o colonialismo. Quem sabe, então, voltamos de novo para a África para catequizar aqueles “machistas e ignorantes”?
Não tenho nenhuma resistência ao feminismo, que apoio, e reconheço o risco de retrocessos, em especial no que diz respeito aos direitos das mulheres. Porém, sou contrário aos identitarismos, o que é bem diferente. A crítica ao Talibã – que eu mesmo faço de forma incansável – não me impede de ver que a derrocada do imperialismo é um processo MUITO MAIS IMPORTANTE do que a simples proteção do estudo das meninas afegãs, ou do uso de burcas, até porque uma menina ter a oportunidade (ou a garantia) de frequentar a escola depois de ver seus pais mortos pelas bombas americanas não vai aumentar sua qualidade de aprendizado.
Defender a revolução talibã não significa aceitar seus pressupostos, mas também digo o mesmo em relação às revoluções anticoloniais da Argélia, do Congo, de Angola, de Moçambique e do Vietnã. Nem mesmo da Índia colonial ou da China sob o tacão britânico. Entretanto, a luta contra o IMPERIALISMO está acima dos valores de grupos específicos, por mais que estes valores me sejam caros.
Não esqueçam do “pinkwashing” que Isr*el usa para criticar a pretensa homofobia dos palestinos, como se isso pudesse justificar a ocupação da Palestina. A comparação com a Arábia Saudita é perfeita. Lamentamos a ascensão dos Talibãs mas sacudimos os ombros para a dominação dos salafitas sobre as mulheres sauditas. Por que nunca ouço lamentos sobre isso????
Não acho justo que ocorra uma comemoração para a volta do Talibã, mas pela queda do Império, e de onde veio sua derrocada é algo menos importante – apesar de ser essencial manter a crítica à forma como os Talibãs encaram o feminino, assim como fiscalizar os acordos assinados que garantem uma postura respeitosa com as mulheres.
Quando lemos sobre os 18 do forte e sua intentona revolucionária suicida é de estarrecer que, passados quase 100 anos, a macheza hoje se resume a ameaças e bravatas no Facebook. Não se faz mais homens de fibra como antigamente, e os ideais de justiça social são menos valiosos que um IPhone novo na caixa.
Constantino Arruda, “História das Revoluções Fracassadas”, Ed. Hystos, pág. 135