Arquivo do mês: abril 2020

Gurus e súditos

O surgimento de gurus pressupõe (ou estimula) a supressão temporária (nos casos graves, definitiva) do senso crítico. De Jesus a Lula a veneração aos ídolos esvazia as almas dos seguidores. Esses que por ora estão nos portais do inferno, como João de Deus, Abdelmassi, Elizabeth Holmes, etc já tiveram legiões de fãs. Cuidado, ponderação e canja de galinha continuam não fazendo mal à ninguém…

Por essa razão os Estados democráticos no mundo inteiro só homenageiam seus heróis postumamente, para evitar surpresas. Mesmo assim, nem isso é suficiente para evitar dissabores, como provam as estátuas derrubadas do general Lee, do Lênin e do Stálin e – se Deus quiser – um dia será a vez da derrubada do monumento aos genocidas carniceiros bandeirantes.

Quase todos os youtubers são muito queridinhos quando comparados com qualquer terraplanista e negacionista, mas qualquer sujeito em evidência que se põe a falar de ciência lá pelas tantas começa a misturar ciência com autoridade acadêmica – que não são coisas necessariamente unidas. Aí mora o perigo, quando se iludem com a ideia de que a ciência é um ente “imaterial e positivo“, infenso à veleidade humana, e não uma entidade criada e conduzida pela alma corrupta dos homens.

Mais cedo ou mais tarde começam a dar pitaco em assuntos controversos. Muitos disseminadores de ciência se perderam por isso. Um deles, muito famoso por tratar de questões da filosofia, resolveu falar de comunismo e trocou os pés pelas mãos, e desse assunto só sai besteira. As luzes da ribalta danificam a maquiagem. Espero que não a de Rita com Hunty, mas até dela eu guardo distância segura para não me entusiasmar demais com o ineditismo e a qualidade ímpar do seu personagem.

Não seria a primeira vez que um personagem em evidência larga uma declaração ao estilo “…quem acredita nessas coisas são os mesmos que não tem fé nas vacinas, acreditam em homeopatia e fazem parto em casa“. E aí? Como fica o (meu) nosso amor? “Eu me desiludi com ele…” diz a moçoila, mas aí o vovô Ric lembra que para se desiludir é preciso primeiro…. se iludir.

Nesses momentos em que é fundamental cativar uma audiência segura é que aparece o ideólogo por trás do cientista – algo que todos carregamos. Esse erro muitos cometeram com aquele “médico do Fantástico”, menos eu que conhecia seu passado de desprezo pelo parto normal e sua visão preconceituosa com a medicina suplementar – da acupuntura, passando pela fitoterapia, até chegar à homeopatia.

Por estas razões eu acho bom ter cuidado sempre. Aliás, o cuidado que sempre pedi que as pessoas tivessem comigo mesmo, mas que não vejo ser estimulado por algumas “estrelas” que estão em evidência. Antes de escrever “mito” pra algo bonitinho que eu escrevi lembre que ali na esquina vai fatalmente se decepcionar, porque eu não tenho compromisso algum com a tarefa de agradar prosélitos.

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(In)Dignidade Médica

Entrei nesse grupo – incluído por alguém – há pouco menos de 10 anos e pude testemunhar o pior da espécie humana nos 15 minutos que consegui permanecer naquele antro pestilento de reacionarismo e racismo. Os médicos – como grupo e como corporação – são a escumalha fascista da sociedade. Sua representação política (CRMs e CFM e até os sindicatos) são fiéis representantes do que existe de pior na sociedade brasileira.

O racismo, o fascismo, o preconceito de classe, a arrogância, o preconceito de gênero (as agressões contra Dilma eram misóginas e nojentas) e o TOTAL descompromisso com a saúde da população estão representados nestes órgãos. Só o que vale é a proteção do quinhão, dos privilégios, das vantagens e dos benefícios. Sanguessugas do povo, aproveitadores e enganadores.

E não digo isso agora; minha visão negativa da estrutura dessa corporação tem a idade da minha inserção nela. “Dignidade Médica” é apenas a ponta de lança mais desavergonhada do fascismo da nossa classe médi(c)a. Puro lixo.

Sim, há muitos médicos de qualidade técnica, ética e moral, mas nenhum nesses lugares.

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Sexismo

Alguns ataques pelas redes sociais a personagens ligados ao movimento do parto humanizado se referem a um velho ranço da turma da humanização do nascimento com a presença de homens nas suas fileiras. Essa mescla contemporânea de humanização + feminismo abriu as portas para esse tipo de rejeição. Sofri isso de forma velada desde o primeiro post que publiquei na Internet há mais de 20 anos, e vejo isso até hoje (o que me garantiu o recorde mundial de blocks: mais de mil). Evidentemente que eu não posso dizer que tal circunstância é “culpa” do feminismo, assim como as cruzadas não foram culpa do cristianismo – muito menos do próprio Cristo. Entretanto, o uso inadequado do feminismo como projeto de silenciamento do masculino – em todos os níveis – é o parefeito de um projeto que, por sua origem, deveria promover a escuta de todas as vozes, sobrepujando em definitivo as barreiras de gênero.

A rejeição aos homens no debate sobre o nascimento sempre foi um fato muito evidente para mim, expressando-se através de uma constante desautorização e pelo desmerecimento de falas. Essa questão deveria ser abertamente debatida, se é que o movimento de humanização se deseja plural e aberto, e não um mero braço do movimento feminista mais radical.

Se é verdade que os homens estão alijados de falar DE parto, pois que anatomicamente estão impedidos a isso, (e aqui não vou tratar da questão trans), nada os impede de falar SOBRE o parto e por cima de suas experiências profissionais e/ou pessoais com o evento. Calar a voz de especialistas em parto como se sua masculinidade fosse um defeito é um ato criminoso.

Acho também que essa é uma questão menor, por certo, mas que vejo como importante de ser tratada nesse ambiente restrito. O mais importante no atual momento é o estrelismo, que mais uma vez nos acomete. A exaltação de egos, dos Messias da ciência, de salvadores e de “mensageiros da verdade científica” está produzindo uma autofagia absolutamente inútil e desnecessária. Ao invés de reconhecermos a nossa fragilidade diante de uma pandemia sobre a qual MUITO POUCO OU QUASE NADA sabemos ficamos destruindo reputações on line, atacando colegas e mandando “indiretas” como adolescentes.

Sei que essa minha opinião não é compartilhada por muitas pessoas, e boa parte chamará esse desabafo de “mimimi“, curiosamente a mesma expressão usada secularmente para as ilustrar queixas justas das mulheres a respeito dos abusos sobre elas cometidos. Não esqueçam que os ataques misóginos contra a presidenta Dilma foram tratados com o mesmo desdém, chamados de puro chororô de perdedor. Entretanto, também é importante olhar com os olhos dos milhares de homens que trabalham com o parto, de enfermeiros, obstetras, parteiros e pediatras que gostariam de participar desse debate, mas que são afastados dele pelos constantes ataques – por vezes sutis, muitas vezes indiretos – mas que na emergência de crises como a de agora se tornam explícitos, duros, incoercíveis e até cruéis.

Paz…

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Desafios

Não me venha falar de de desafios

O movimento de humanização do nascimento no Brasil sempre foi movido pela chama do impossível. Nossa história, que se iniciou há 27 anos, sempre foi marcada por grandes batalhas para a garantia dos direitos de gestantes, parturientes, puérperas e sua família. Estivemos presentes quando o direito aos acompanhantes foi sacramentado na lei. Discutíamos o trabalho da enfermagem obstétrica na atenção ao parto quando esse trabalho era inacessível a elas. Reforçamos com nosso ativismo a criação da escola de obstetrizes na universidade. Lutamos pelo reconhecimento do trabalho das doulas quando essa função era um mistério até para os próprios atendentes do hospital. Debatemos a escolha do local de parto desde que esse tema tomou conta das discussões na esfera popular e acadêmica. Desbravamos o parto domiciliar planejado e a abertura das Casas de Parto no Brasil carregando em uma das mãos as evidências científicas e na outra o sagrado direito das mulheres escolherem onde parir. Continuamos a enfrentar forças poderosas, mas nos mantivemos fiéis no combate à opressão e violência de gênero que ainda ocorrem nas instituições – e fora delas.

Para tudo isso contamos sempre com nossa fé inabalável na capacidade humana de se transformar e evoluir, tendo como norte a equidade, a justiça, o bem comum e a segurança aplicados ao nascimento humano.

Para quem teve que enfrentar tantas dificuldades não é surpresa alguma para nós o desafio do COVID-19. Sabemos que os princípios de proteção ao binômio mãebebê se mantém intocados, mas também estamos cientes de que a nossa união, como ferramenta de proteção aos direitos da gestante, precisa ser assegurada.

Existem diversas abordagens e vários pontos de vista, visto que essa pandemia pegou a comunidade científica de surpresa pelas suas características específicas e pela sua extensão. Ninguém imaginaria que o mundo inteiro estaria privado do toque, da proximidade e do conforto que a presença de alguém pode nos produzir no momento do parto, exatamente aquilo que é o centro ideológico da humanização do nascimento. Exatamente pelo ineditismo de uma restrição global ao contato é natural que haja, mesmo entre os humanistas do nascimento, opiniões divergentes, e por vezes até antagônicas na forma como tratar a situação dramática da pandemia.

Se por um lado conquistas históricas – como a presença de doulas e o acompanhante – não podem se esvair por entre nossos dedos, também é certo que a emergência de agora – a pandemia do Corona vírus – demanda um cuidado especial, diferente do que aconteceria em situações corriqueiras. Por esta razão, é preciso desarmar os espíritos e manter a cabeça fria. Acalmar nossa alma, respirar fundo, pensar lentamente e tomar cuidado com a rudeza das palavras. Precisamos estar unidos para pensar soluções novas, criativas e adequadas. Como sempre fizemos.

Unidos somos fortes; desunidos somos presa fácil para todos os que não aceitam os avanços nos direitos humanos que conquistamos nas últimas três décadas.

Paz para todos.

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A Paixão de Cristo

A sexta feira é da PAIXÃO!!!

Sim, da paixão, essa chama indócil que nos arremessa para destino incerto, mas sempre em direção à vida. A força motriz de toda realização humana, o motor de nossas ações, das mais nobres às mais brutais, mas que “desacata a gente, que é revelia“. A paixão que nos mostra o que, em verdade, é ser humano.

“Paixão” deriva de passus, particípio passado de patī “sofrer”, é um termo que designa um sentimento muito forte de atração por uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é intensa, envolvente, um entusiasmo ou um desejo forte por qualquer coisa. Mas para entender a “sexta feira da paixão” é preciso aceitar que a paixão de Cristo ultrapassava os limites do mero objeto de desejo, e se espalhava por todo o seu povo, na sua busca por igualdade, justiça social e autonomia.

O Jesus que eu conheço é o Messias, o ungido, o escolhido para liderar seu povo para a liberdade. O Cristo que enfrentava os senhores da lei, o mesmo que chicoteou os vendilhões do templo e aquele que deixou claro que veio trazer a espada, não a paz. O Jesus ativista, líder dos explorados. O Mestre corajoso, que entregou-se com bravura aos seus algozes por amor aos seus ideais. Um Jesus de coragem, fibra, destemor e LUTA.

Esse Messias é agora esquecido, em nome de um líder cheio de amor e paz. Um Jesus domado, constrangido, bonzinho, que coloca criancinhas no colo. Um Messias para os opressores, loiro e de olhos azuis. Um Jesus que se mesclou com os poderosos para ser aceito, a ponto de perder sua face revolucionária. Um Cristo para o paladar dos conservadores. Vendido por Paulo aos romanos, virou a imagem da docilidade, da submissão, do amor incondicional e da bondade, mas sua origem miserável, rodeado por analfabetos, pescadores, prostitutas e ladrões nos mostra que ele era do povo, da luta, da navalha e do confronto. Sua paixão era pela liberdade.

Que a nossa paixão seja pela mudança, pelo enfrentamento e pela consciência de classe. Não podemos permitir que o legado de um marceneiro negro, oprimido pelo poder absoluto e despótico de Roma seja transformado na imagem do cordeirinho loiro e bonzinho que aceita a iniquidade, as injustiças, o racismo e a violência sem reclamar e sem esboçar reação

Não esqueçamos que não é hora de chorar.

“Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.”

(Ijuca pirama – Gonçalves Dias)

Era a poesia que minha mãe recitava quando eu era menino…

FELIZ SEXTA FEIRA DA PAIXÃO…

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Telemedicina

Sobre telemedicina…

Eu estava na formatura da minha filha, no meio de um festerê medonho. Meu Whatsapp faz um “blip”e recebo a mensagem de uma amiga. Dizia ela que estava na casa de uma colega e que esta havia sido mordida por uma aranha. Perguntei como sabiam, e ela me disse que acham ter visto a bichinha correndo. Depois disso o whatsapp faz um novo “blip”e elas me mandam a foto da “mordida”. Era uma região de pele inchada, vermelha e bem circunscrita, na coxa, muito próxima da região inguinal. Poderia mesmo ser uma picada de aranha, mas não havia como ter certeza. No meio do barulho da festa, resolvo responder e escrevo: “e dá pra ver a aranha?”

Parei no meio e tive um acesso de riso. Não mandei a mensagem, claro…

PS: ambas passam bem, a paciente e a aranha…

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Psicólogos cristãos

O problema dessa publicação é que produz um falso dualismo, como se a prática corrente em consultórios de psicólogos fosse estimular a sexualidade dos clientes. Nunca ouvi nenhuma corrente reconhecida da psicologia que estimule pessoas – em especial adolescentes – à prática sexual contra seus valores religiosos. Por outro lado, a prática CORRENTE na ideologia da chamada psicologia cristã é promover a castidade. Posso afirmar que, o caso trazido acima (um relato da “amiga, da amiga da minha vizinha da praia que me contou) só pode ser entendido de duas formas: a) uma interpretação errônea por parte do paciente de uma orientação do profissional ou b) uma péssima abordagem psicológica, onde uma terapeuta se arroga o direito de influenciar valores e crenças de seus clientes, estimulando a prática sexual entre um casal de namorados cristãos. Entretanto, o post insinua a falsa simetria de que “ambos os lados cometem erros“, quando em verdade a ideologia cristã é que induz a este tipo de doutrinação pela castidade, enquanto NENHUMA corrente da psicologia ensina, reproduz ou estimula a prática sexual de adolescentes que preferem não o praticar.

Um profissional da psicologia pode ter problemas com a religião, sem dúvida. Quem não tem suas dúvidas e questões mal resolvidas com a religião, qualquer seja ela? Pode também ser ateu, carnívoro ou vegano. Pode ser hétero ou gay. Pode gostar de samba ou “death metal“. Pode ser sexualmente ativo, casto, casado, solteiro, bi ou transexual. Pode ser uma pessoa normal ou considerada por muitos como “bizarra”. Pode ser introvertido ou extrovertido, tímido ou esfuziante.

Entretanto, e creio que sobre isso não há dúvida, nenhuma dessas escolhas pessoais e subjetivas pode interferir na fala do seu cliente. Nenhuma preferência ou escolha do terapeuta pode influenciar a forma como o seu cliente organiza seu inconsciente através do exercício da fala, na aventura do discurso livre. Um psicólogo “cristão”, ao recomendar castidade (ou fidelidade…) ao seu cliente estará interferindo em suas escolhas através de uma projeção de SEUS valores, crenças, medos e fantasias, o que em nada poderá auxiliar a saúde psicológica de seus clientes. É possível até que os adolescentes estivessem mesmo se punindo através da castidade, mas isso é irrelevante para o tratamento. Pode ser que estivessem apenas exercitando o “gozo da contenção”, mas isso também não importa. Um consultório psicológico não é lugar para a prática da “selvageria interpretativa”, onde “verdades” são jogadas e valores cuspidos sobre pacientes desamparados.

Estabelecer uma dualidade entre “psicólogos neo-progressistas” e “psicólogos cristãos” não é justo e nem honesto. O que é descrito como no texto como um psicólogo “neo progressista” nada mais é que uma abordagem inadequada e condenada por todas as correntes da psicologia. Outrossim, reforçar conceitos como “castidade” antes do casamento é um dos pilares que sustenta a ideia de uma “psicologia cristã”. Ambas são equivocadas, mas apenas uma é estimulada pelos seus correligionários.

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Onde você está?

O isolamento me impede de visitar o meu pai. Com 90 anos, lúcido, sobrevivente de um AVC (que não deixou sequelas físicas) e confinado em casa, recebe apenas a visita da minha irmã. Desde que enviuvou há algumas semanas não saiu mais de casa. Nossas conversas são agora por telefone e, quase sempre, acabam na política. Eu “comuna”, ele um “coxinha”. Por vezes a conversa fica áspera, mas eu entendo o porquê. Ele deve pensar: “Daqui a pouco vou morrer e vou deixar esse comunista desamparado”.

Ontem foi a mesma coisa. Risadas, histórias, críticas e a espiral concêntricas sobre crise-capitalismo-Lula-comunismo. Ele se irrita com o meu idealismo, que lhe parece estéril. Eu me incomodo com sua cabeça dura para aceitar as mudanças necessárias – e inevitáveis. Por outro lado, esse confronto de ideias sempre foi uma marca da família; somos uma família de conversadores e debatedores. Ninguém fica bravo com os exageros retóricos alheios. Como ele sempre diz, “os debates se concentram apenas no terreno das ideias”.

Ontem, depois de quase duas horas de conversa animada a ligação caiu…

– Alô? Pai, está aí?
Silêncio…

Resolvo ligar de novo. Ele atende.

– Puxa, tua irmã ligou e caiu nossa ligação. Ela está chegando aqui com as compras.
– Não tem problema pai, eu tenho mesmo que almoçar, disse. Até outra hora. Assim que passar tudo eu e o Lucas vamos te visitar.

Ele ficou uns segundos em silêncio e perguntou:
– Onde tu estás?
– Ora, na Comuna. Não saio daqui há quase um mês. Estamos completamente confinados.
– Na comuna? Não pode…
– Por quê?
– Tu foi no banheiro? Está ligando daí? Há 5 minutos atrás estavas aqui comigo, conversando na sala!!

Não consegui conter a risada…
– Pai, a gente estava conversando o tempo todo pelo telefone!!
– Sério? (escuto ele levantar para ver se tem alguém no banheiro). Bahhh, a conversa estava tão animada que achei que estavas aqui comigo. Diz isso e cai na gargalhada. Eu também…

Acho que envelhecer bem é conseguir rir até das suas próprias limitações….

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Oração de Santo Euphrásio

Não coloque sua vida nas mãos de ninguém, vivo ou morto. Beba de todas as fontes sem jamais deixar que qualquer visão de mundo, por mais justa e adequada que lhe pareça, o faça esquecer a infinita pluralidade de perspectivas. Nunca atue porque algum mestre iniciático assim o determinou, mas porque suas ações servem ao crescimento, ao bem comum, à vida e à própria humanidade. Seja fiel à si mesmo, mais do que a qualquer imagem ou ideia. Esqueça todas as idolatrias, pois que elas limitam teu escopo de visão sobre a realidade. Creia na verdade e desconfie de todos os seus mensageiros.

Amém

“Integram Sanctim opera Euphrasio”, Ed. Capitolium, pag. 135

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Les Mystéres des Voix Bulgares

Já que estão falando de música sertaneja e seus desdobramentos na cultura permitam-me que eu fale um pouco dos meus gostos estranhos para música. Sempre gostei de música vocal, acapella, corais, etc. Por certo que foi herança do meu pai que curtia músicas religiosas “gospel” tipo “Kings Heralds” ou “Arautos do Rei” – sua versão brasileira – e também música alemã de coral. Por causa dessa influência muito cedo descobri Joseph Shabalala – falecido em fevereiro 2020 – e os “Ladysmith Black Mambazo”, e o fiz antes de Paul Simon. Também curtia “Take 6”, “Boca Livre” e até “Da Boca pra Fora”, do meu amigo Lúcio Santos.

Entretanto, há uns 25 anos atrás meu caiu às mãos uma crônica de Tárik de Souza (escrita na Veja, quando esta revista ainda era um semanário de qualidade) sobre “Les Mystere des Voix Bulgares”, um grupo de mulheres que cantam músicas folclóricas da Bulgária. Poderia ser mais uma coluna de crítica musical elogiosa a um grupo que mantém intactas as tradições de seu país, ou sobre o ressurgimento de músicas folclóricas e tal. Mas não… Tárik falava de uma “sonoridade diferente” daquela conhecida no ocidente. Algo estranho de escutar. Falava de uma música chamada “Sekoj Fali” como “a entrada em uma nave espacial que, solta pelo éter, produz uma forma especial de conjugar sons e palavras, timbres e silêncios” (é o que minha memória reteve de suas palavras).

Fiquei muito intrigado com sua descrição, e totalmente tomado de curiosidade. “Como pode haver uma sonoridade desconhecida, que poderia até soar agressiva aos nossos ouvidos?‘. Li também que se tratava de um grupo formado apenas por mulheres, sem vozes masculinas. Comecei a procurar o CD (sim, já existiam) até que encontrei um lugar que os vendia, que mandei buscar fora do Estado.

As músicas me arrebataram por completo. Realmente, uma viagem lisérgica e estranha. Fiquei completamente chocado pela emoção que as músicas – cujas letras eu não entendia uma palavra sequer – me transmitiam. Foi uma descoberta impressionante.

Muitos anos depois, em 2012, recebi o email de uma querida parteira búlgara chamada Olga Ducat que havia lido o capítulo que escrevi no livro de Robbie Davis-Floyd (chamado “Team Work”) e desejava conhecer o modelo de trabalho transdisciplinar que havíamos implantado em Porto Alegre, com parteiras, obstetras e doulas trabalhando em horizontalidade e de forma cooperativa. Olga ficou sabendo que eu estaria dando um curso de Educadoras Perinatais em Portugal e assim solicitou que déssemos uma “espichada” até Sófia, na Bulgária, para apresentar um workshop e uma série de palestras no congresso que estava organizando.

Evidentemente que aceitei sem pestanejar, e a primeira coisa que me veio à mente foi a possibilidade que conhecer o “Mistério das Vozes Búlgaras“. Pedi para Olga e sua amiga Liubomira Lilova para verem da possibilidade de conseguir ingressos para um show delas, caso houvesse algum durante nossa estada de apenas 1 semana na capital búlgara.

Foi exatamente o que aconteceu. Mal descemos do avião e lá estava Olga para nos receber. Fomos ao hotel, deixamos as roupas e malas sobre a cama e rumamos céleres para um gigantesco teatro no centro de Sófia. Com Liubomira ao nosso lado, assistimos eu e Zeza à apresentação das mulheres de vozes misteriosas e belas. Não consegui parar de chorar durante toda a apresentação, o que é constrangedor e ridículo, mas honesto.

Perguntei para Liubomira se é comum elas se apresentarem em Sófia, ao que ela me respondeu: “Pelo contrário. Faz uns 4 anos que elas não tinham apresentações públicas. Foi muita sorte de vocês“.

Não foi sorte, foi um milagre….

Deixo abaixo a música Izlel e Délio Hajdutin, uma música de amor que fala do romance entre Délio, líder da guerrilha búlgara, por Gyulsumé, torturada pelos exércitos otomanos, mas que se manteve fiel ao seu amor pelo guerreiro libertador.

Existem muitas lendas sobre Délio. Esta música se refere à lenda sobre sua morte, embora seu fim trágico não seja mencionado diretamente. Acreditava-se que Délio era invencível – nem bala nem espada poderia matá-lo. Assim, seus inimigos, os anciãos de Zlatogrado, subornaram (ou forçaram) uma velha a implorar (ou roubar) dele uma moeda de prata. A bala de prata forjada com aquela moeda matou Délio enquanto ele relaxava ao pé de sua pedra favorita, junto ao rio. Sua amada, Gyulsumé, o alertou sobre a emboscada, mas ele não deu atenção ao seu aviso, pois pensava estar protegido pela anistia do sultão, anunciada recentemente.

Diz-se que a rocha, chamada Pedra de Délio, sangra – fica coberta por orvalho sangrento – todas as manhãs de sexta-feira.

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