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Leo Lins

O comediante Leo Lins foi condenado a 8 anos de prisão e 300 mil reais em multas por fazer piadas consideradas desrespeitosas com minorias, debochando de velhos, gays, crianças com deformidades físicas, etc. An questão não é se as piadas que ele conta são adequadas, boas, edificantes ou até respeitosas, mas se o Estado tem o direito de determinar que tipo de piadas podem ser contadas. A meu ver, e para muitas pessoas que não se deixaram seduzir pelo discurso identitário, ser preso por contar piadas é o fundo do poço da justiça autoritária brasileira. Parece certo que Juca Chaves tinha mais liberdade criativa durante a ditadura militar dos anos 60 do que um comediante atualmente.

Eu já assisti vídeos curtos das apresentações desse comediante e nunca gostei, e apenas por isso não assistirei a um show seu. Não gosto das piadas, acho apelativas e, acima de tudo, sem graça. Ou seja: não faço sobre elas uma análise moral, acho que lhes falta graça, humor. Entretanto, é óbvio que ninguém é obrigado assistir, muito menos gostar deste tipo de espetáculo, porém prender e multar alguém por contar piadas é absurdo, inaceitável, imoral e inconstitucional!! Conte a piada que quiser, só vai rir quem achar graça. Se acham inadequado, façam como eu: ignorem. Mais ainda: a ideia de tratar as minorias atingidas pelos chistes como “coitadinhos” que precisam ser protegidos de piadas não os ajuda. Esse é um modelo “maternal” que protege às custas da infantilização, e isso impede a conquista da maturidade. Quem deseja ser maduro deve renunciar às proteções excepcionais e fortalecer seu ego, ao invés de tentar impedir os gracejos alheios. Repito: essas proibições e criminalizações fazem mal aos grupos minoritários. Aqueles sujeitos ou grupos que desejam ascender à posição de protagonista necessitam abandonar a posição de vítimas (mesmo quando o são).

Creio ter deixado claro que a minha defesa é em tese. Eu já assisti vídeos desse humorista e percebi que no seu show ele força a barra. Tipo: vou contar uma piada de negro, gay, velho, mulher, deformidades físicas ou sobre lésbicas só para causar, para dizer que faço o que eu quiser, que brinco com qualquer coisa. Para mim soa falso e forçado; portanto, sem graça. Apesar disso, jamais aceitaria que esse tipo de piada fosse proibida, exatamente porque essa perspectiva proibicionista é comprovadamente inútil. As piadas do Juca Chaves (“comi muito a senhora sua mãe”) eram “proibidas” na minha juventude, mas na escola todos sabíamos de cor e salteado todas as “proibidonas”.

Tenho como uma regra de vida que nada pode criminalizar o humor. Nada mesmo. Pode fazer piada com qualquer coisa. Aliás, sobre assuntos delicados, o Ricky Gervais faz várias piadas em seu show; tudo depende do contexto. Estabelecer sacralidade sobre determinados assuntos é péssimo para ideias, propostas, a necessária transformação do mundo, as religiões, as personalidades, os grupos oprimidos e para as minorias. Proponho um exercício: imagine que seu filho Betinho chega no primeiro dia de escola, lugar onde as crianças exercitam tudo, inclusive a maldade. Todavia, seu filho nasceu com um problema: ele tem alopecia, é carequinha e não tem cabelo algum. Agora imagine a professora apresentando Betinho para a turma e dizendo “crianças, escutem: é proibido fazer piadas com o Betinho por ser careca”. Isso seria um desastre para o Betinho, pois seria excluído dos grupos e estaria sempre sendo visto como o protegido do sistema, infantilizado, sem desenvolver sistemas e estratégias de adaptação e proteção. O que a professora deveria fazer é não dar importância alguma para isso, reforçar sua autoestima, exaltar suas virtudes e ensiná-lo a se defender. Protegê-lo, como fazemos com as minorias por meio da lei, não ajuda esses grupos, muito menos o Betinho. Para muitos é difícil entender a perspectiva de quem diz que os grupos e os sujeitos – por si só – precisam desenvolver sistemas de proteção e defesa. Quem traduz o mundo pela visão materna terá sempre dificuldade para entender o mundo pela perspectiva da paternidade.

A proibição de gracejos sobre temas escolhidos (quem escolhe sobre o que se pode fazer piada?) seria a “lei seca” das piadas, que apenas as faz acontecer entre sussurros ou em locais fechados e seguros – e por esta razão mesmo elas se espalham. A sociedade não se move por decretos ou por proibições; só o que nos faz avançar é a lenta sedimentação de novos valores, que insidiosamente se espalham pela cultura. Proibir é mais do que inútil; isso amplifica a ação que se tenta combater. Por trás desse tipo de estratégia está a crença der que o judiciário pode modificar a cultura, quando a verdade é que ele apenas reflete os valores de determinadas culturas. A luta contra discriminações ou preconceitos não pode ser feita pelas leis, mas pela lenta sedimentação de valores na cultura. Compare este tipo de censura aplicada aos humoristas brasileiros com a liberdade dos comediantes de “stand up” como Ricky Gervais ou Dave Chappelle que fazem piada com tudo, literalmente qualquer coisa. Fazem até piada com abuso sexual(!!), mas sempre alertam para o cuidado especial com o contexto, o campo simbólico que envolve de significados qualquer anedota. Não gostar do tipo de piada é legítimo; proibir é abuso.

Minha discordância é que criar estas proibições, legislações e aumentar penas não defende as minorias, pois este tipo de ação jamais protegeu ninguém na história da humanidade. Repito: o que as proibições e as leis fizeram contra o nazismo, o álcool ou o comunismo? O que fará com o racismo? O que fará com o debate sobre o machismo? A resposta é clara: nada, pois o proibicionismo nunca produziu efeitos positivos na cultura. O que muitos pretendem é cercear a possibilidade de pensar, de expressar, de dizer piadas, mas é claro, só de alguns grupos. Não pode chamar de símio um grupo, mas pode chamar outro de gado.

E sobre as leis, acho que devem ser cumpridas. Quem desrespeitar as leis deve pagar sua dívida à sociedade. De toda maneira, sou contrário a qualquer lei que ataque a livre expressão de ideias e opiniões, por mais ofensivas que estas sejam, pela mesma razão que sou a favor de que qualquer partido tenha o direito de mostrar a cara e não se esconder em partidos de fachada.

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Misandria

Cara, que horror é esta matéria da Milly Lacombe sobre o Oscar 2025. Uma crítica ressentida, raivosa, focada nessa misandria cafona de alguns segmentos do feminismo e atacando este inimigo onipresente: o homem branco, cisgênero e heterossexual. Sua postura e sua visão unívoca, que coloca o patriarcado como a causa precípua dos problemas do capitalismo, é recheada de todo esse divisionismo anacrônico. Sua aposta na belicosidade dos gêneros parece um pão quentinho que sai fumegante do forno dos “think tanks” gringos. Ela é a versão feminista do Jean Wyllys – que poderia facilmente ter escrito uma crítica ácida ao fato de não haver homossexuais premiados ou sobre a injustiça cometida contra a atriz trans Sophia Gastón. Quem duvida que já existam crônicas falando da falta de negros no Oscar desse ano? A propósito, me ocorreu agora: já não era tempo do “Oscar” ter nome de mulher, ou vamos continuar com esse machismo?

Ou seja: que se foda o cinema, eu quero é ver a minha tribo representada!! E se, para a defesa e a exaltação das minhas identidades for necessário atacar homens brancos e héteros, ainda melhor. A articulista sequer se dá conta que esses três filmes: “Anora”, “Ainda estou aqui” e “Emília Perez” são centrados na figura de mulheres e seus dramas. São elogios às múltiplas faces e papéis das mulheres na sociedade contemporânea e sua importância central na cultura. Essa postura de ataque sistemático aos homens é chata demais. Entretanto, fica fácil ver que é um discurso proposital; este tipo de matéria busca engajamento numa esquerda cada vez mais perdida no identitarismo do partido democrata americano e das ONGs que sustentam a separação. Boicotam a luta de classes por meio da fantasia da “diversidade”, uma arma de propaganda das direitas do mundo todo. Estas, não por acaso, são as mesmas instituições que foram solapadas com a vitória de Trump/Musk, e que agora choram pelo espaço perdido.

Ver estas personalidades minguando em profundo desespero é o único consolo pela vitória de um psicopata arrogante e estúpido.

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Jean Wyllys

Em dezembro passado em grupo de soldados israelenses explicitamente gays, depois de destruírem um bairro inteiro no norte de Gaza, realizaram uma “parada gay” na praia para comemorar sua vitória contra os civis palestinos. Em sua marcha de escárnio e horror, devem ter passado por cima de corpos mutilados e carbonizados de mulheres e crianças enterrados sob os escombros. A vitória do “ocidente branco” e cristão sobre os “bárbaros” do leste muçulmano se expressa através dos seus símbolos, e nada melhor do que os gays, veganos e trans serem nossos melhores representantes.

Essa festa é o que mais claramente representa a insanidade do identitarismo: a vitória da identidade sobre todos os outros valores, inclusive a vida e a condição humana dos inimigos. A festa de horror incluiu entre os participantes muitos veganos, para quem o amor aos animais os faz calçar botas feitas de PVC, para não serem obrigados a usar produtos de origem animal. Em sua perspectiva os animais que protegem valem muito mais do que as crianças palestinas que bombardeiam. Também os soldados trans estiveram representados, mostrando a plena diversidade entre aqueles que promovem a carnificina em Gaza. Esta comemoração macabra, porém pedagógica, está descrita no minuto 18:50 dessa entrevista de Max Blumenthal.

Ao mesmo tempo em que este horror acontece em Gaza, Jean Wyllys, o sujeito cujo apoio a Israel causou uma onda de repúdio alguns anos atrás, agora decreta a aposentadoria de Lula, a posição subalterna do PT no cenário nacional e o lançamento de Simone Tebet como candidata à presidência, que deveria ser entusiasticamente apoiada pelo partido dos trabalhadores. Que ele um dia tenha sido ativista LGBT, e integrado o PSOL eu até entendo, pela sua postura identitária, mas ser aceito como filiado ao PT é um escárnio com a esquerda brasileira. Acho necessário que abandone o campo progressista e assuma sua posição na direita identitária, lugar que sempre foi o seu. Simone Tebet de presidente e Sílvio Almeida de vice foi a proposta de Jean Wyllys, e quando o entrevistador ficou abismado com a ideia de oferecer o protagonismo a uma representante da direita ruralista, Jean explicou: “Você pode dizer que ela é uma ruralista de direita, mas eu respondo que ela é uma mulher, e a gente precisa das mulheres no século XXI. Sílvio representa os antirracistas, que o mundo também necessita.” Eu fico impressionado como pudemos ser enganados por tanto tempo por este farsante. Jean é um ignorante político e uma fraude identitária.

Por outro lado, eu me senti de alma lavada. Essa fala atual mostrou que minhas falas anteriores contra Jean Wyllys – pela sua posição covarde e oportunista sobre Israel e o sionismo – estavam corretas e não foram exageradas. Jean Wyllys é o maior exemplo do estrago identitário nas esquerdas.

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Diversidade

Há 40 anos passados eu trabalhava como interno (estudante de medicina) em um pronto socorro privado da capital. Em uma oportunidade, enquanto conversava com a recepcionista em meio a um plantão monótono de fim de semana, vi um casal se aproximar da recepção trazendo uma criança ao colo.

– Meu filho está com febre. Preciso uma consulta. Vocês atendem pelo INPS?

O INPS é o antigo SUS. O casal e seu filho estavam vestidos de forma muito simples, algo pouco usual para um serviço privado em um bairro nobre da cidade. A secretária olhou para mim e sorriu com o canto da boca, como que a dizer “mais um daqueles”.

– Não atendemos pelo INPS, somente de forma particular. A consulta custa 5 mil cruzeiros.

O casal se olhou e sequer explicou que não teriam dinheiro. Resignados, limitaram-se a perguntar onde haveria um hospital público. A secretária apontou a direção e eles saíram com o filho febril nos braços.

– Todo sábado aparece um “cabeção” com esse tipo de pergunta, disse a secretária.

Cabeção, na gíria médica da época, representava o “sujeito pobre”. Alguns outros médicos tratavam esse personagem por “jacaré”, talvez por reclamarem muito, serem “boca grande”. Eu sempre recordo desse fragmento de história porque ele me ensinou algumas coisas relevantes, e a mais importante delas é a ilusão de pertencimento. Eu conhecia aquela secretária; ela era mãe de duas crianças e solteira. Ganhava um salário muito baixo e morava na periferia da cidade. Apesar disso, olhava com ares de superioridade para as pessoas do seu mesmo estrato social que apareciam inadvertidamente no ambulatório. Porém, por estar numa posição de relativo poder, e rodeada de profissionais da medicina, se considerava superior aos “cabeções” que, por ingenuidade ou desinformação, vinham procurar um serviço vedado à sua classe social. O fato de ser oriunda das classes populares não produzia a empatia que se poderia esperar; em verdade, muitas vezes esta condição produz o inverso: a identificação com o opressor.

Esta história se conecta com outras percepções que desenvolvi na minha vida. Uma delas é o meu repúdio às soluções cosméticas que jamais atingem a fonte dos problemas. Colocar uma pessoa das classes trabalhadoras em uma posição de relativo poder não significa garantir um atendimento mais empático, e a história está repleta de exemplos do quanto estas ações são apenas dissimulações para manter inalterada a estrutura social. Para alguns ainda é difícil entender porque a esquerda radical repudia o identitarismo, mas o veto ao cessar fogo em Gaza sendo dado, pela segunda vez, por um negro (representando um país majoritariamente branco) é mais um excelente exemplo. Diante da potência avassaladora do imperialismo, a cor da pele, a origem, os dramas compartilhados e as raízes são impiedosamente pulverizados. O sujeito, seja qual for sua identidade, será objeto de manipulação pelas forças reais que comandam a nação. A ideia de que negros, gays, trans, mulheres e quaisquer outros que se julguem oprimidos fariam a diferença pela sua representatividade é ingênua – no mínimo – mas é usada para dar a ideia de que sua escolha sinaliza as tão sonhadas equidade e diversidade na sociedade. Puro diversionismo macabro; na verdade os cordéis continuam sendo manejados pela elite exploradora; mudamos apenas a cor e a vestimenta dos marionetes. Nada muda, nada se transforma, mas oferecemos a suprema encenação para que os poderes sigam intocados.

Repito o que digo há décadas: se a representatividade tivesse valor neste nível, a entrada das mulheres na atenção ao parto – como ocorreu de forma marcante nas últimas décadas – teria um efeito revolucionário na assistência ao nascimento. Afinal, mulheres atendendo mulheres e criando entre elas uma sintonia fluida e natural, faria brotar a empatia redentora entre as cuidadoras e suas pacientes. A migração feminina para a obstetrícia deveria produzir uma marcada transformação no cuidado, diminuindo, até quase a extinção, qualquer resquício de violência obstétrica institucional. Essa era, para quem se lembra dos debates dos anos 90, a esperança compartilhada por muitos profissionais da nascente corrente da humanização do nascimento. Nada disso ocorreu. O que se viu na entrada do novo milênio foi que essa esperança era falsa, e a mudança simples no gênero dos atendentes não produziu nenhuma alteração perceptível nos níveis de abuso e violência no parto.

As taxas de violência e abusos praticadas por profissionais na atenção ao parto, sejam eles homens ou mulheres, são praticamente idênticas. O peso da medicina e a pressão corporativa são muito mais fortes que a identidade. O jaleco branco, a caneta “Parker” e o estetoscópio pendurado no pescoço são mais relevantes do que sua história, sua origem social ou sua identidade. Também por isso havia negros na polícia racista da África do Sul, árabes no exército sionista e pobres e negros nas forças de repressão brasileiras nos inúmeros massacres perpetrados contra a população negra e pobre das periferias brasileiras; a farda pesa mais do que a cor da pele.

Que isso nos sirva de lição na luta contra os preconceitos e a exclusão: a luta precisa ser compartilhada, sem diversionismo. A grande revolução será em torno da luta de classes, não das cores, dos gêneros e dos jeitos de ser. Não existe emancipação de mulheres, negros, gays, etc. que não passe pela revolução contra o capitalismo, atingindo a sociedade de classes e eliminando as barreiras sociais.

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A Encruzilhada da Esquerda

A polêmica a partir das manifestações do humorista do Porta dos Fundos expõe de forma clara e didática a decisão essencial que caberá às esquerdas no futuro próximo, um embate que representa a própria sobrevivência de suas ideias. Não restará alternativa que não passe por uma decisão fundamental: ou mantemos nossas mãos atadas pelo identitarismo, fazendo o jogo das elites, dividindo a classe trabalhadora e debatendo costumes em posição prioritária ou partimos para a unificação das pautas da classe operária, aquelas que historicamente nos constituíram e que fazem – ao contrário do que a esquerda liberal que Gregório representa e apregoa – da luta de classes sua tarefa precípua e fundamental.

Para alguns, a defesa do humorista deveria ocorrer para não municiar a direita com um debate que nos desgasta. Penso diferente; esta questão não é, conforme alguns articulistas, um “tiro no pé” ou um fratricídio pois não se trata de “dividir a esquerda” com pautas secundárias, até porque é mais do que evidente que a esquerda já foi dividida de forma arbitrária para que, amansada e domesticada, tratasse de questões marginais, como os costumes, os gays, a visibilidade, a diversidade, os trans, os direitos de minorias, o racismo etc. Por certo que estes temas não são desimportantes mas, quando olhamos as origens dos dramas contemporâneos, percebemos que estão atrelados ao sistema de poderes burgueses que comanda o agir social. Desta forma, deslocar o discurso da esquerda para a marginalidade dos temas sociais tem a clara intenção de forçar o abandono da sua pauta mais radical: a luta de classes e o fim do capitalismo.

A manobra foi sendo silenciosamente construída pelo Partido Democrata americano como forma de criar uma esquerda mansa, a chamada esquerda “moderna”, uma esquerda “anticomunista”, que superou os embates contra a burguesia e procura a “conciliação” com o capital, envolvida pelo clima de “fim da história”. Todos sabemos que essa conciliação é impossível, e já temos décadas de evidências de que nesse embate a classe trabalhadora será sempre sacrificada. Mas, na sede do Império, era preciso criar a ilusão de um “atalho”, para que um único partido governasse, ilusoriamente dividido em duas facções – idênticas na essência e diferentes na aparência.

Não só fizeram isso com seu país, como também exportaram esta estratégia para sua região de domínio – o seu quintal. Não é à toa que os grandes think tanks imperialistas – George Soros, irmãos Koch, Fundação Ford, Fundação Gates, etc. – apostam e investem pesado em instituições do mundo inteiro cujas pautas são identitárias, porque isso força a criação de uma esquerda confiável, não combativa, não operária, sem o fervor anticapitalista e também porque sabem o quanto estes temas têm a potencialidade de dividir e enfraquecer a luta operária. Oferecem a coleira à própria esquerda para, por fim, controlá-la.

A ideia de que precisamos de defensores de pautas no Supremo Tribunal Federal é algo que deveria causar arrepios em qualquer um que admira o direito e que já teve a curiosidade de entender porque aquela senhora que segura as balanças está vendada. Para entender isso não é necessário muito esforço; bastaria lembrar o estrago irreparável que um juiz, representante da burguesia e defensor de uma pauta – a destruição do PT e da esquerda – fez na Lava Jato. E não esqueçam, que a extrema direita até hoje o defende exatamente pela sua parcialidade (e não apesar dela), como se fosse justo à um magistrado assumir a defesa aberta de um dos lados.

Não acredito na possibilidade da esquerda se manter relevante no século XXI sem que as pautas identitárias sejam expurgadas da linha de frente de suas demandas. Ou somos a resistência ao capitalismo decadente através da luta de classes ou é melhor desistir do sonho por uma sociedade mais fraterna e mais justa, onde as pessoas não sejam mais divididas por castas. Se não for pela radicalidade da luta anticapitalista então teremos que aceitar que um negro, gay, indígena, mulher ou trans apresentando o Fantástico – ou sentando numa cadeira do STF – já estará de bom tamanho.

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Identidades

Lutar contra o racismo não é identitarismo. Combater o machismo, idem. O identitarismo, como o nome diz, é a luta pelas identidades a despeito das divisões da sociedade em classes distintas, as quais nos separam em proletários e burgueses. Esse modelo, em última análise, transforma um homem branco miserável em um opressor, enquanto o negro que divide com ele a mesma marquise é visto como um oprimido, ambos vítimas de uma sociedade injusta e cruel. Usar a luta antirracista para combater essa disparidade sempre serviu aos interesses de quem não quer que a sociedade capitalista seja questionada.

“Você é oprimido porque é preto”, “Você não é valorizada por que é mulher, ou gay” quando por trás desses fatos existe um modelo perverso de sociedade e uma concentração absurda de riqueza que sacrifica a todos nós, trabalhadores.

Grandes organizações antirracistas estão lentamente rompendo com esse sectarismo e abandonando a postura identitária. O pulo do gato é acordar para o fato de que a raiz do racismo não é a melanina, assim como a raiz do machismo não é aquele X a mais.

Os grupos antirracistas e feministas que se deram conta disso estão rompendo lentamente suas amarras com o sistema capitalista. Chamam a isso “interseccionalidade”, que nada mais é do que perceber que esses modelos opressivos são tão somente máscaras usadas para justificar uma sociedade dividida, baseada em classes.

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Minorias

Dave Chapelle (comediante de stand up americano) conta uma história muito interessante em seu último espetáculo. Após um dos seus shows – politicamente incorreto, como todos deveriam ser – foi ele confrontado por uma mulher trans que não gostou de suas piadas. Ele respondeu como é de praxe “Sinto muito que tenha se ofendido. São piadas, não tem a intenção de ofender, mas de nos fazer pensar”, etc. Ela não aceitou a desculpa, e dois enormes amigos gays que estavam ao seu lado resolveram interceder, ameaçando Dave. Houve uma breve troca de insultos. Como legítimo representante da “hood” Dave pagou pra ver. Cerrou os punhos e disse “bring it on”, chamando os dois para a briga.

Um dos gays, então, calmamente pegou o telefone e… chamou a polícia.

“Foi aí que eu entendi com mais profundidade a dinâmica das minorias”, disse Dave em seu show. “Excetuando-se eu, todas as pessoas nesse encontro eram brancas. Os gays se sentiram ofendidos por serem uma minoria oprimida, mas tão logo a situação chegou no limite do confronto físico eles imediatamente se tornaram parte da maioria branca, pois só um branco seria capaz de chamar a força do Estado para resolver um conflito”.

Num passe de mágica, pularam de uma minoria ofendida para uma maioria opressora. Fossem eles gays negros e jamais chamariam os tiras. Numa comunidade de pretos (hood) a polícia sai batendo indiscriminadamente, e não quer saber quem foi o “Clifford que fez a queixa” – todos são iguais para a borracha do cassetete. Precisa ser muito branco para confiar que a intermediação da polícia em uma briga lhe trará alguma vantagem.

A esquerda brasileira deveria aprender com isso. Cada vez que vejo parlamentares ou membros da esquerda exaltando as forças do estado burguês, acreditando que judiciário pode lhes proteger, eu lembro dessa história. Essas instituições servem à proteção da burguesia e não servem ao cidadão pobre que vive nos cinturões de pobreza, e também não estão a serviço daqueles que dão apoio político ao proletariado. Quem fica o tempo todo pedindo censura, exigindo a cassação de cegas parlamentares e apelando às instituições acaba se chamuscado com a própria fogueira que tanto abanou.

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Censura

Eu me acostumei a ver os humoristas brasileiros – em especial os stand-up da última geração – sendo acusados de fazer bullying contra grupos oprimidos. Com o tempo, a partir da vigência do “politicamente correto”, criaram-se lugares fechados, vedados ao humor, ambientes proibidos às piadas, pois que tais espaços estariam ligados ao sofrimento de grupos tradicionalmente oprimidos por sua etnia, orientação sexual, identidade de gênero, deficiências físicas, etc. O humor a partir de tal imposição cultural transformou-se. Através de um patrulhamento feroz do que era dito o humorismo amansou-se, tornou-se civilizado e domesticado. A censura não ocorria mais por parte de “escolhidos” pelo estado para filtrar o que era adequado para os ouvidos sensíveis de nossa população cristã e conservadora, mas por mecanismos culturais descentralizados. Fazer graça se tornou perigoso, mas o humor perdeu uma de suas principais funções: a crítica social mordaz, ferina.

Segundo David L. Paletz, a sátira é uma forma de humor em que as instituições sociais e políticas, os indivíduos são ridicularizados e humanizados. Isso pode nos levar a liberar a tensões e, assim, levar a mudanças no sistema. Dado que a frustração é uma das principais causas da agressão, não surpreende que as pessoas que frustram nossos objetivos e prazeres sejam os principais alvos do humor (como reis, rainhas, políticos, médicos, policiais, clérigos, professores, mandatários, etc.). Com a introdução do humor “controlado”, que evitaria ofender, criou-se um humorismo contido, uma comédia amordaçada, que serviria ao impedimento da segregação desses grupos. Aliás, praticamente todos os programas de humor dos anos 80 e 90 seriam proibidos atualmente. Pense em Chavez, Trapalhões, Viva o Gordo, Zorra Total etc. Nada disso seria aceitável no mundo de hoje.

É compreensível esse movimento. A empatia nos impulsiona a tentar proteger essas pessoas mais fracas de um determinado espaço social, como uma mãe faria com seus filhos. Este para mim é o padrão “maternal”, que abriga criando uma cápsula da amor protetivo, impedindo as agressões que vem de fora. Por esta perspectiva, a censura poderia ser aplicada a qualquer um que estivesse fazendo zombarias sobre esses grupos. Seria uma “censura do bem”, para proteger sujeitos fragilizados dos ataques de uma cultura degenerada e excludente.

Apesar de entender as razões pelas quais se adotam estas medidas na cultura, sempre me posicionei de forma absolutamente contrária a esta proposta. Não acredito que, em médio e longo prazos, qualquer censura possa ser benéfica. A censura sempre é a imposição de força de um grupo sobre a liberdade de expressão de um sujeito ou de coletivos. Baseada em critérios morais ou políticos, julga a conveniência da publicação ou divulgação de uma obra humana impedindo sua liberação à exibição pública. A censura se baseia na ideia autoritária de que existem sujeitos em uma sociedade capazes de julgar o que devemos ou podemos escutar, ver ou admirar. Todavia, da mesma forma como não existe “ditador do bem”, a censura falha em seu intento principal de livrar a sociedade de uma ideia que tenta se expressar; com o tempo – por melhores que sejam suas intenções – ela apenas mantém essa ideia prisioneira no inconsciente social, onde se nutre e cresce.

O que é recalcado não desaparece, e fatalmente se fortalece.

Danilo Gentili foi um dos principais comediantes atacados por grupos identitários. Sofreu processos, ataques e violências por contar piadas sobre mulheres, crianças, nutrizes e muitos outros grupos. Apesar de ele se situar no ponto oposto ao meu no espectro político, creio que ele está correto em sua perspectiva sobre o humor. Ele é vítima da censura que uma parte da esquerda faz e se tornou incansavelmente perseguido pelos identitários e pelas patrulhas de costumes, algo absolutamente medieval. A “hegemonia da ofensa” – onde as piadas são inadequadas apenas a partir de uma escolha política – que ele denuncia é real. Nela se condena por preconceito alguns grupos, enquanto outros são liberados. Fazer piadas com gays, afirma ele, é errado, mas com a pretensa homossexualidade do filho de um presidente de direita, está liberado.

As punições que os stand-up receberam nos últimos anos são a imagem mais clara da absoluta falta de respeito com a liberdade de expressão que existe no Brasil. Acreditar que uma piada possa ser proibida daria arrepios na espinha de qualquer liberal que aceita as liberdades individuais como elemento fundador da democracia, mas no Brasil recebe aplausos até daqueles que repudiam o fascismo e se se acreditam democratas. Censurar uma música do Chico Buarque ou uma piada tosca do Rafinha Bastos tem o mesmo peso, pois na censura não há debate sobre o mérito e a qualidade da obra, apenas sua conveniência moral ou política. Portanto, deveríamos reagir com a mesma energia contra qualquer uma destas arbitrariedades.

O grande problema com a proteção aos grupos “frágeis” é que a blindagem destes grupos – mulheres, gays, negros, deficientes, trans, etc, sobre o que se pode – ou não – dizer gera mais exclusão do que algum efeito pedagógico. Uma pessoa cujas falhas não podemos apontar e zoar (como fazemos todos os dias com nossos amigos) é alguém diferente de nós; frágil e intocável. Estes grupos passam a carregar o status de crianças, fracas demais, demandantes de proteção. Existe um preço a ser pago se alguém se considera (ou é considerado) acima das críticas – ou abaixo delas. Se você não pode brincar com suas características, não vai conseguir proximidade. Entre os próprios protegidos existe reação, pois que o preço da proteção é a eterna imaturidade.

“Ahhh, mas negros, gays, loiras etc eram humilhados com piadas que os diminuíam”. Isso é verdade, mas a maneira de lidar com esse problema não pode ser a repressão, que só piora a exclusão – como bem nos ensinou Freud. A forma mais justa é, diante de um ataque contra estes grupos, valorizar o fato de alguém ser mulher, ser gay, ser negro, ser loira ou ter alguma deficiência e não excluí-los das piadas, pois estas auxiliam na criação de um fator especial nas comunidades humanas: a intimidade. Além disso, todos nós aprendemos desde muito cedo a diferenciar as piadas e seus contextos, em especial reconhecer quando a piada é um simples veículo usado para um ataque preconceituoso. Esta sim é deletéria, mas não passa de uma falsa piada, um gracejo que apenas dissimula uma agressão. Entretanto, mesmo ela não se extermina com censura, apenas com educação e convivência. Aliás, o grande elixir para curar o preconceito é esse: jamais segregar e sempre estimular o convívio dos diferentes; esta sempre foi grande arma para derrubar os muros entre nós.

Tenho profunda admiração por humoristas que rompem essa barreira. Danilo Gentili tem meu total repúdio por sua postura política, mas minha solidariedade pelo direito de fazer e contar piadas sem a ameaça de ser censurado. Muitos outros humoristas enfrentam o bombardeio da “correção política” e se colocam como linha de frente da ampla e irrestrita liberdade de expressão. Entre eles, Rick Gervais e Dave Chappelle são os melhores exemplos de humoristas do politicamente incorreto, e por isso merecem minha admiração e respeito.

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