Muita gente está sendo perseguida e chantageada devido a vazamentos de vídeos íntimos. Qualquer um munido de um celular e uma deficiência de caráter pode transformar momentos privados em formas de chantagem e/ou promoção. Agora é a vez de Glenn Greenwald, advogado e jornalista politico americano, judeu anti-sionista e autor da peça acusatória jornalística que veio a se chamar “Vaza Jato”. Esta semana noticiou-se que ele teve sua privacidade exposta por meio de um vídeo que circula no submundo da Internet. No meu entender, nada pode haver de muito chocante sobre a expressão sexual desses personagens; afinal, são todos são maiores de idade, portanto, adultos. Bem sabemos o quanto carregamos de fantasias, as quais guardamos num cantinho escondido da nossa gaveta de desejos; publicá-las, apenas mostra que somos inexoravelmente humanos. Entretanto, não me agrada ver estes personagens expostos a constrangimentos, e ainda me revolta saber que possam ser calados ou pressionados por isso.
Minha esperança é que chegará um tempo em que haverá uma total saturação com esse tipo de “escândalo de intimidade”. A partir de então, esse tipo de ameaça não poderá gerar mais nenhum tipo de pressão e nenhum constrangimento. O público, farto desse sensacionalismo tosco e vazio, vai simplesmente ignorar fotos, vídeos e circunstâncias pessoais de artistas, políticos, ativistas e jornalistas. O respeito à privacidade surgirá pela ineficiência das artimanhas para devassá-la. Glenn, a propósito desse fato, deixou bem claro que “não se envergonha” do que fez, o que me parece justo e maduro.
Por fim, mostrar a vida sexual das pessoas prova o quê? Que se divertem? Que fazem sexo? Que suas fantasias são múltiplas, variadas, pessoais e por vezes estranhas? Muitas dessas exposições – e as críticas sobre elas – parecem, acima de tudo, pura projeção: “vejam, não sou eu o pervertido; são eles”. Ora, faz parte da alma humana mergulhar nesses comportamentos; nada mais infantil do que a sexualidade humana, nada mais poderoso do que perder-se em fantasias. Como bem dizia o mestre Nelson Rodrigues: “Se cada um soubesse o que o outro faz entre quatro paredes, ninguém se cumprimentava”, e como quero saudar a todos que ajudam na construção de um novo mundo, prefiro não saber das intimidades de ninguém. Aliás, também é dele a frase “Por trás de todo paladino da moral vive um canalha”, o que deve descrever perfeitamente aqueles que agora apontam o dedo para Glenn.
De resto, espero que Glenn não se deixe abater por este tipo de violência. Sim, porque mesmo que não haja nada de vexatório nas imagens, esta exposição nada mais é do que uma violação de seu sagrado direito à privacidade de seus atos. Glenn Greenwald tem demonstrado uma coragem inquebrantável ao atacar não apenas a direita mais histérica, mas também os setores da esquerda liberal que ainda acreditam na “censura do bem”, guiados pela crença ingênua de que as sociedades podem progredir sem que haja liberdade irrestrita de opinião e manifestação.
Minotauro é uma criatura da mitologia grega que tem o corpo de ser humano, mas a cabeça e o rabo são de touro. Nasceu fruto da relação de Pasífae, esposa de Minos, o rei de Creta, com um touro dado a Minos por Poseidon. O Minotauro é uma criatura que está presente na mitologia grega aprisionado em um labirinto construído por Ícaro e Dédalo (lembram? Aqueles das asas de cera) a mando do rei de Creta. Minotauro era descrito como um ser monstruoso que devorava pessoas vivas. Quando chegou a Creta, Teseu conheceu Ariadne, filha do rei, e a jovem o presenteou com uma espada e um novelo de linha para derrotar o monstro e conseguir escapar. Teseu matou o Minotauro, fugiu do labirinto e salvou seus companheiros.
O parto humano está preso em um labirinto cuja saída, até então, não conseguimos encontrar. Entramos por um caminho sedutor no início do século passado, com a introdução da tecnologia na atenção ao parto. Parecia que a absoluta artificialização do parto permitiria ultrapassarmos os ancestrais medos que acompanham a sociedade desde épocas primevas. Ao contrário do fato inesperado, a previsão de todos os eventos: ao invés da surpresa, o controle dos tempos. Ao invés das mortes e das dores, a vida resplandecente em cada nascimento. Bastaria para isso a absoluta alienação do processo: o parto passaria das mãos das parteiras às mãos dos cirurgiões; ao invés da do ambiente cálido e acolhedor da casa, o frio asséptico e luminescente das salas cirúrgicas. No lugar dos silêncios, os ruídos metálicos, a conversa dos médicos e o choro das mães. Também trocaríamos as bactérias maternas pelos micro-organismos hospitalares, as antissepsias, as roupas esterilizadas e os necessários antibióticos. Quem ousaria não se contaminar pelo entusiasmo da ciência vencendo a natureza, até então, indomável?
Como toda solução mágica, depois do seu esplendor é possível avaliar suas contradições. A alienação das mulheres cobra hoje um preço muito alto. A troca das especialistas, parteiras altamente capacitadas forjadas nos milênios de vigilância do parto, por cirurgiões, teve como resultado o afastamento da arte ancestral da parteria de sua prática cotidiana. Ao mesmo tempo, a epidemia de intervenções se tornou a norma: internações, drogas, isolamento, partos instrumentais, extrações cirúrgicas, infecções, desmame, banhos de luz, afastamento e solidão foram os resultados. Com o tempo fomos percebendo que até a segurança apregoada não era verdadeira: as modalidades cirúrgicas são muito mais arriscadas para mães e bebês do que a vivência puramente fisiológica do parto.
O caminho tecnocrático nos levou a um beco. Mães hoje percebem o quanto lhes foi subtraído com a adesão a um modelo alienante que lhes retirava o controle e a autonomia sobre o próprio corpo e as afastava da vivência plena do processo. Mães e bebês, a díade mais sagrada da história humana, se afastavam mutuamente, e o vazio que se produzia era preenchido com mais tecnologia, mais intervenção. Enquanto isso, a morbidade aumentada relacionada ao abuso das intervenções não podia mais ser escondida. A crise se estabeleceu e a insatisfação surgida entre as mulheres no final do século passado hoje está na voz de toda a gestante esclarecida.
Perdemos o fio, e o Minotauro ainda nos espreita. Nesse cenário, somente Ariadne pode nos conduzir. Ela, que conhece os meandros e os desafios do labirinto, precisa nos oferecer o seu novelo de ciência, conhecimento e sabedoria, para ser nosso guia na busca pela saída. Ela sabe que sem o protagonismo garantido à mulher, sem a visão transdisciplinar no nascimento e sem o embasamento na ciência, estaremos perdidos no labirinto do parto humano, acreditando em soluções ilusórias e em promessas vazias.
PS: Escrevi esse texto a partir do convite de Jan Tritten para participar da “Midwifery Conference”, uma conferência sobre parto e a preservação da arte ancestral da parteria, de 25 a 29 de setembro, na ilha de Creta, na Grécia. Provável participação especial do Minotauro, Ariadne e Teseu. Obrigado, Jan.
Minotaur is a creature from Greek mythology that has the body of a human being, but the head and tail from a bull. It was born out of the relationship of Pasiphae, wife of Minos, the king of Crete, with a bull given to Minos by Poseidon. The Minotaur is a creature that is present in Greek mythology that was imprisoned in a labyrinth built by Icarus and Daedalus (remember? those of the wax wings) at the behest of the king of Crete. Minotaur was described as a monstrous being who devoured living people. When he arrived in Crete, Theseus met Ariadne, the king’s daughter, and she presented him with a sword and a ball of thread to defeat the monster and escape. Theseus killed the Minotaur, fled the labyrinth, and saved his companions.
Human childbirth is stuck in a maze whose exit, until then, we have not been able to find. We entered a seductive path at the beginning of the last century, with the introduction of technology in childbirth care. It seemed that the absolute artificialization of childbirth would allow us to overcome the ancestral fears that have accompanied our species since early times. Contrary to the unexpected fact, the prediction of all events; instead of surprise, the control of the times. Instead of death and pain, life resplendent at every birth. The absolute alienation of the process would suffice for this: childbirth would pass from the hands of midwives to the hands of surgeons; instead of the warm and welcoming environment of the house, the aseptic and luminescent cold of the operating rooms. Instead of silences, metallic noises, the talk of doctors and the cry of mothers. We would also exchange maternal bacteria for hospital microorganisms, antisepsis, sterilized clothing, and the necessary antibiotics. Who would dare not be contaminated by the enthusiasm of science overcoming nature, hitherto indomitable?
Like any magic solution, after its splendor it is possible to evaluate its contradictions. The alienation of women today takes a very high price. The exchange of specialists, highly trained midwives forged in the millennia of childbirth surveillance, by surgeons, resulted in the removal of the ancestral art of midwifery from their daily practice. The epidemic of interventions became the norm: hospitalizations, drugs, isolation, instrumental deliveries, surgical extractions, infections, weaning, light baths, withdrawal and loneliness were the results. Over time we realized that even the security touted was not true: surgical modalities are much riskier for mothers and babies than the purely physiological experience of childbirth.
The technocratic path has led us to a dead end. Mothers today realize how much was subtracted from them by adhering to an alienating model that removed their control and autonomy over their own body and kept them away from the full experience of the process. Mothers and babies, the holiest dyad in human history, drifted apart from each other, and the void that was produced by this distance was filled with more technology, more intervention. Meanwhile, the increased morbidity related to the abuse of interventions could no longer be hidden. The crisis has settled and the dissatisfaction that emerged among women at the end of the last century today is in the voice of every enlightened pregnant woman.
We’ve lost the thread, and the Minotaur is still stalking us. In this scenario, only Ariadne can lead us. She, who knows the intricacies and challenges of the labyrinth, needs to offer us her novel of science, knowledge and wisdom, to be our guide in the search for the way out. She knows that without the guaranteed agency of women, without the transdisciplinary vision of birth and without the foundation in science, we will be lost in the labyrinth of human childbirth, believing in illusory solutions and empty promises.
PS: I wrote this text after the invitation of Jan Tritten to participate in the “Midwifery Conference”, a conference on childbirth and the preservation of the ancestral art of the parteria, from September 25 to 29, on the island of Crete, Greece. Probably special participation of the Minotaur, Ariadne and Theseus.Thanks, Jan.
A página de um influencer gremista fez uma postagem com essa foto conclamando torcedores a se unir a Israel e condenar os grupos de resistência Palestina que sequestraram estes soldados. Apela para o amor clubista para que nos associemos no clamor pela soltura dos soldados presos pelo Hamas.
É inacreditável essa postagem pró sionista. Parece que Israel não matou mais de 50 mil pessoas, 70% delas crianças e mulheres, além de destruir todas as casas e impor fome para uma população inteira, submetida a crimes de guerra continuados. É uma vergonha ver o nome do Grêmio envolvido com a exaltação de canalhas racistas que estão cometendo os crimes mais atrozes do século XXI.
Pois eu respondo que os sionistas devem parar de matar crianças palestinas antes de pedir pela libertação de seus soldados. A vida desses dois não é mais valiosa do que as 20 mil crianças mortas pelos terroristas de Israel. Nossas preces pela paz e pela liberdade devem ser para todos, e não somente para dois sionistas que estavam fazendo uma festa ao lado de um campo de concentração ao ar livre, não se importando com a vida miserável imposta aos prisioneiros de Gaza. Sim, espero que eles sejam libertos, mesmo que representem o sionismo, a ideologia mais racista e supremacista já criada pela humanidade, mas só depois de Israel cumprir os acordos de libertação dos prisioneiros palestinos, torturados cotidianamente nas masmorras de Israel.
O fato de usar a camisa do Grêmio não transforma um soldado israelense – ensinado desde o berço a desumanizar e matar palestinos – em uma boa pessoa. Não esqueçam que muitos assassinos confessos são presos usando camisetas de clube, e nem por isso seus crimes se tornam aceitáveis. O Grêmio não apoia Israel, o Grêmio não é um clube racista e o tricolor não se associa ao terror de Estado imposto pelo sionismo racista de Israel.
É possível falar de humanização do nascimento sem ser político? Seria a humanização da atenção ao parto um tema técnico, científico, positivo, que nada tem a ver com as questões sociais ou com temas mais abrangentes como direitos humanos, reprodução e sexualidade e mesmo o direito à vivência sexual plena?
Lembro de um encontro traumático com um membro do Conselho de Medicina quando este, do alto de sua imperial arrogância, disparou: “Não existe ideologia em Medicina, apenas boa ou má prática médica“. Ou seja: para este conselheiro, a medicina é uma expressão positiva da atividade humana; aplicá-la pressupõe que a verdade precisa ser comprovada a partir de técnicas científicas válidas. Além disso, traz a ideia de ciência cumulativa, ou seja, transcultural, atingindo toda a humanidade, inobstante qual cultura surgiu ou se desenvolveu. Parte da ideia de corpos sem alma, sem história, sem subjetividade, onde um muro se ergue entre os aspectos físicos e as questões anímicas. Por certo, o que este profissional pretende se contrapõe a experiência cotidiana de milhões de médicos que se deparam com as características subjetivas de cada sujeito que os procura. Além disso, é evidente que na manifestação de doenças concorrem aspectos emocionais, psicológicos, afetivos e sociais. Desta forma, na análise das doenças como manifestações de transtornos sociais, a política é uma das ferramentas mais importantes para compreender e tratar o adoecimento.
Partindo deste pressuposto – a influência da cultura e da política na saúde e na doença – eu não acredito ser possível defender a humanização do nascimento sem assumir uma posição ideológica, o que não significa necessariamente adotar uma posição partidária. Mais ainda: eu considero o abandono do debate político um dos grandes erros cometidos pelo movimento da humanização do nascimento nos últimos 25 anos. Sem o saber, adotamos uma posição claramente revisionista, almejando uma ilusória “conciliação de classes” com os detentores do poder, sem nos darmos conta de que, assim como em qualquer luta social, aqueles que tem nas mãos o poder jamais o entregam de forma pacífica. Além disso, a revolução do parto só vai acontecer quando abandonarmos as ilusões juvenis e assumirmos a necessidade de um enfrentamento firme. Sem entendermos que o “direito de parir direito” é uma luta social e que “revolução” significa câmbio de poder, não vamos atingir os fins últimos a que nos propomos.
O mesmo descaso que observo como regra para as vozes femininas na política também observei durante décadas no silêncio das mesmas vozes no que diz respeito ao parto. Portanto, não se trata de silenciar uma mulher em especial, mas reconhecer o temor inconfesso da sociedade patriarcal em escutar vozes dissonantes que possam questionar os “poderes naturais”. Quem teria mais autoridade para questionar como as mulheres são tratadas em seus partos do que elas próprias? Quando gestantes são desprezadas e diminuídas, eu escuto o eco silencioso de centenas de vozes suprimidas, brotando do peito de mulheres assustadas com seus partos, caladas e impedidas de decidir sobre seus corpos. E aqui não ser trata de questionar a fala de Janja sobre o TikTok – sobre a qual discordo – mas de analisar a repercussão violenta contra essa personagem.
Ou seja: os ataques às mulheres que alcançaram, de alguma forma, o poder nada mais são do que reflexos de uma cultura que ainda receia escutar o que elas têm a dizer. Muito do sofrimento que escutamos das mulheres mais velhas está relacionado às palavras não ditas em sua juventude, guardadas no peito, trancafiadas em silêncios dorosos que se transformam em sintomas e lágrimas. Permitir que as energias do parto tenham vazão é cuidar da saúde de todos, tanto quando reconhecer o direito às mulheres de expressarem suas ideias e sentimentos.
Minha experiência com ídolos da música e das artes em geral é que eu me decepciono em 90% das vezes que leio ou escuto uma entrevista que aborde algo além de seu trabalho. Quase nunca estes personagens oferecem as virtudes e a postura que eu desejaria encontrar em um ídolo. Muitos são reacionários, outros tantos são superficiais, alguns são claramente incultos e tolos e muitos outros são abertamente egoístas e oportunistas. Estas são qualidades tipicamente humanas, as quais igualmente carrego como marca de minha imperfeição, mas que me incomodam nos ídolos.
O erro, portanto, não está nestas porções de humanidade que os artistas carregam consigo, mas na idealização ingênua que sobre eles fazemos. Acreditar que um sujeito capaz de criar uma obra carregada de criatividade e genialidade tenha também qualidades morais e intelectuais é um erro, e os exemplos são encontrados em qualquer pesquisa que se faça. Por esta razão, a separação entre o autor e sua obra é uma postura sábia, necessária e madura. Sem esta linha demarcatória corremos o risco de criar barreiras morais para a arte e para a ciência. E pior: baseadas na nossa definição estreita e subjetiva de moralidade. Hoje penso que do artista é justo cobrar apenas sua arte, sua coerência e sua perspectiva de mundo. E, como diria meu pai, “Dele são as virtudes; já os defeitos são de de seu tempo”.
Às vezes eu me perco pensando nas apostas altas que alguns personagens da política fazem. Muitas vezes em suas mentes passa um letreiro onde se lê: “é tudo ou nada”. Por esta razão estou convencido de que, tivesse Bolsonaro vencido as eleições – que perdeu por meia duzia de votos – e hoje Carla Zambelli seria uma das estrelas do seu governo. As manchetes do Estadão falariam da “mulher destemida” que enfrentou bandidos esquerdistas com arma na mão. Haveria elogios ao seu comportamento, provável que tivesse conquistado um ministério no Bolsonaro II e talvez já houvesse um documentário da Globo sobre sua vida, trazendo como fato central seu ato de coragem perseguindo um criminoso pelas ruas de São Paulo.
Como o Mito foi derrotado, o projeto bolsonarista veio abaixo, muitos crimes foram desnudados e ela ruiu com seu ídolo. A narrativa mudou, o próprio Bolsonaro a abandonou, culpando-a por sua derrota e a justiça a perseguiu impiedosamente por associação com o golpe frustrado. Depois de alguns anos, seus casos estão sendo julgados e tudo indica que pegará uma pena pesada que, por certo, não será cumprida, mas talvez sepulte sua carreira política.
Para mim fica claro que os fatos – a perseguição ridícula de arma em punho, a ligação com o Hacker para violação de documentos e a participação na elaboração do golpe – são irrelevantes no seu julgamento. O que comanda seu inferno astral de agora são os interesses dominantes, os mesmos que cuspiram Bolsonaro como uma casca de uva, e que agora a enxergam como uma desvairada inconsequente. Tenho convicção que aquilo que consideramos vergonha e crime agora seria visto como virtude e coragem caso Bolsonaro tivesse vencido e fossem outras as forças políticas e midiáticas a controlar a narrativa nacional.
O “Bebê Reborn” não é exatamente uma novidade; é a mesma crise com feições diferentes. Agora podemos criar bonecos que imitam de forma impressionante os bebês, em especial os recém-nascidos, mas antes disso vieram os comportamentos sociais compensatórios, os bichinhos domésticos e, entre eles, os indispensáveis gatinhos. Tudo isso para suprir uma pulsão extremamente forte que, na sociedade hedonista ocidental, sofre profunda repressão: a maternagem.
Quanto mais os cuidados dispensados aos filhos forem escasseando, por escolhas pessoais que não nos cabem julgar ou dificuldades específicas, mais prevalentes serão os derivativos culturais, seja com profissões que se esmeram no cuidado com os pequenos, com a adoção de animais de estimação ou mesmo usando próteses bem construídas para dar conta desse sentimento represado. Spielberg falou disso em “AI”, lembram?
Portanto, não se trata de debater se essa tendência é algo “certo ou errado”, mas de entender as raízes do fenômeno, suas razões profundas e inconscientes. Sim, existe comércio, exploração, moda, exibicionismo e sofrimento real, tudo junto e misturado, mas por baixo destas camadas existe um fenômeno social importante e que deveria ser estudado com mais rigor. Há um planejamento na estruturação da nossa espécie que não pode ser desprezado sem que sintomas apareçam à superfície. É fundamental que esse debate seja expandido e que as pessoas possam compreender a força impressionante dessas pulsões na estruturação dos sujeitos.
Vamos deixar algo bem claro: é nítido o desconforto de muitos com a figura de Janja no cenário da política nacional. Vários são os fatores, e o mais importante é que Janja é uma mulher querendo exercer protagonismo sem ter recebido votos para isso. Ou seja: ela estaria agindo na sombra do Lula. Mesmo entre os analistas identificados com a esquerda, existem pessoas que a criticam por falar quando não devia e se intrometer em assuntos de “gente grande”. Além disso, suas posições são francamente liberais, à direita do espectro político e identitárias. Para a esquerda raiz, uma pedra no sapato apertado do governo Lula.
Ainda assim, creio mesmo que os narizes torcidos para Janja que surgem na esquerda são devidos à ligação que muitos carregam na memória com dona Marisa, o que eu acho compreensível pela importância da ex-esposa de Lula na criação deste personagem político e para o próprio surgimento do PT. É possível entender esse sentimento, mas é certo que não se pode justificá-lo. Janja, para estes, seria a madrasta a tomar o lugar de nossa mãe. Entretanto, é inegável que a essência de muitas das críticas revela um evidente pendor misógino, algo que conhecemos muito bem. Quem poderia esquecer os adesivos de Dilma nos automóveis, o massacre midiático sobre qualquer deslize em seu discurso, as perguntas invasivas e indiscretas e as acusações falsas que acabaram por retirá-la do governo? Nada disso teria acontecido se, dos porões do inconsciente social, não brotasse uma frase, que continuamente era sussurrada: “este não é o seu lugar”. Mesmo entre aqueles que se diziam a favor da equidade, da diversidade e reconheciam os méritos de Dilma se incomodavam com ela, em especial com o seu sucesso.
Agora, mais uma vez, a esquerda caiu com extrema facilidade no discurso orquestrado pela mídia burguesa. A “víbora” da vez é Janja, que teria saído do seu lugar de “sombra” e tomado a palavra em um jantar durante a visita de Lula à China. Sem pedir licença ao marido, acabou por constranger o presidente Xi Jinping com perguntas indevidas sobre o TikTok. A direita se deleitou com o relato, apresentou a cena como um acidente diplomático e descreveu Janja como uma personagem falastrona, indiscreta, boquirrota e deselegante. Parte da esquerda uniu-se aos ataques dizendo que ela prejudica os esforços de Lula em construir pontes com a China, e que faria melhor caso se mantivesse calada. “Janja calada é uma poetisa”, diriam alguns.
A verdade veio no dia seguinte por intermédio do presidente Lula em entrevista coletiva: não foi Janja quem questionou o presidente Xi; a pergunta partiu do próprio Lula. Além disso, não foi sobre TikTok especificamente, mas o incluiu. Janja apenas pediu a palavra para endossar a posição expressa de Lula sobre o entendimento de boa parcela da esquerda de regulamentar as redes sociais e deu sua opinião sobre o domínio do TikTok pela extrema-direita. Ou seja: não houve “quebra de protocolo”, ela não foi indelicada, não causou constrangimento e o presidente Xi concordou com a ideia de mandar um representante ao Brasil para debater o tema das redes sociais sequestradas pelo fascismo.
Sobra uma verdade nesse caso: é preciso mudar a forma de pensar sobre a manifestação das mulheres e o seu direito de expressar livremente suas opiniões e suas perspectivas de mundo. Mesmo quando discordamos – e deixo claro que rejeito a ideia de cercear a livre expressão de ideias – é forçoso reconhecer que o fato de ser uma mulher a falar incomoda, irrita e nos faz desvalorizar seu ponto de vista. Isso precisa mudar, pois é injusto com as mulheres que chegam ao poder. Não é mais admissível tratar metade da população do mundo como se fossem cidadãs de segunda categoria. E deixo claro: não é blindagem aos erros que Janja possa porventura cometer; eu mesmo sou crítico contumaz de suas posições. Entretanto, é necessário aceitar que, entre os seus possíveis equívocos, não podemos incluir a “falha imperdoável” de ser mulher.
A imprensa burguesa nacional insiste em chamar em seus telejornais o presidente Putin de ditador. Eu pergunto: baseada em quê? Putin foi eleito com mais de 80% de aprovação. Democraticamente, nas urnas, seguindo as regras da decadente democracia liberal representativa. Hoje deve ter mais de 90% de apoio popular, conquistado pela sua excelente condução da economia bloqueada da Rússia e suas vitórias na guerra com o vizinho. É sempre bom lembrar que ele invadiu a Ucrânia depois de 8 anos de agressões incessantes contra a população russa étnica do Dombas, impiedosamente atacada e massacrada. A invasão ocorreu logo após trabalhadores serem queimados vivos na Ucrânia por sua conexão com a Rússia. Os ataques da Ucrânia já haviam causado mais de 14 mil mortes. Há consenso nas esquerdas de que Putin foi paciente até demais com as ameaças nazistas de Kiev.
Hitler invadiu a Polônia e a França sem ser agredido. Suas intenções eram outras. Putin invadiu Donetsk e Lugansk para salvar os russos de serem chacinados pelas milícias nazistas da Ucrânia. A diferença é gritante. O projeto russo é – de novo!!! – a desnazificação do seu vizinho, que planejava ser um entreposto da OTAN apontando canhões para Moscou – aqui, sim, na cara dura. Por favor, mostre onde estão as evidências de que na China Popular, na Venezuela e na Rússia não existe a distinção entre os poderes. Eu posso, entretanto, provar que No Brasil o STF trabalha em sintonia com os interesses da burguesia e mesmo aqueles interesses mais obscuros do imperialismo. As provas estão em toda a parte, em especial no apoio do STF para todos os golpes contra a democracia brasileira. Seremos, por isso, uma ditadura? Na Rússia matam opositores? Quem? Na Venezuela? Qual? Na Rússia? Qual a evidência disso? Já no Brasil um candidato à presidência foi morto num acidente de avião, isso sem falar de Getúlio, de Jango e de Juscelino, assassinados (Getúlio foi levado a se matar) por serem ameaças ao poder das ditaduras. Podemos ser considerados, por estas mortes, uma ditadura?
Um exemplo de separação dos sistemas judiciário e executivo é o da China. “O sistema judicial da China compreende não apenas os Tribunais Populares, mas também a Procuradoria Popular (Ministério Público) e a Segurança Pública. O Governo Central respeita a tradição dos sistemas judiciários das regiões autônomas especiais, Hong Kong e Macau, colonizadas pelos ingleses e portugueses.Os Tribunais Populares são criados pelo Congresso e a ele prestam contas. O sistema chinês possui um Tribunal Popular Supremo, Tribunais Populares locais e especiais. O Tribunal Popular Supremo, órgão máximo na hierarquia judiciária, tem três seções: civil, econômica e penal. Seu presidente é nomeado pela Assembleia Nacional para um mandato de cinco anos, que pode ser renovado duas vezes. O Tribunal Popular Supremo pode reexaminar sentenças das instâncias inferiores quando houver um recurso admitido. Como ele é o intérprete máximo da legislação, acaba sendo um guia de orientação aos demais tribunais, sua jurisprudência acaba sendo, na prática, vinculante.Os Tribunais Populares podem dividir-se em tribunais locais, intermediários ou superiores. Os primeiros, Tribunais Populares Básicos, localizam-se em distritos e municípios. Tribunais Populares Intermediários, uma instância acima, situam-se nas capitais das províncias ou regiões autônomas. Já os Tribunais Populares Superiores, que estão abaixo do Supremo, são 31 e estão em províncias ou municípios dependentes diretamente do governo central.” Como pode ser dito que a China é uma ditadura, afirmando que o “judiciário está na mão do presidente”? O sistema russo é ainda mais ocidentalizado, assim como o de Cuba, mas isso não impede a nossa imprensa burguesa de chamar de ditaduras tudo aquilo que não é espelho.
Por que todos os políticos democraticamente eleitos e que se posicionam contrários ao imperialismo são chamados de ditadores? Maduro foi eleito democraticamente, Putin da mesma forma. O presidente de Cuba e da China através dos sistemas sociocráticos de suas democracias, mas todos são chamados de “ditadores” apenas porque se opõem aos interesses do poder Imperial. Não é interessante? Fosse isso adequado, não poderíamos esquecer do Ditador Bush, cuja reeleição foi uma fraude, mas por que a Globo e o Estadão jamais usaram esse epíteto para designar o presidente americano?
Seria Lula subserviente à China e à Rússia apenas por perceber a necessidade de estreitar laços com estas potências? Putin e Xi são os líderes da “nova ordem”, que já controla o maior PIB do planeta e quase 80% da população mundial. Por que haveria Lula de se omitir dessa aliança que só tem a nos ajudar? Quem perdoaria Lula caso perdesse essa oportunidade histórica de se unir aos líderes do mundo multipolar? Putin e Xi são mesmo admiráveis em suas posições contra-hegemônicas e de enfrentamento ao imperialismo. Na verdade, estamos testemunhando os últimos anos da presença de 3 grandes lideres mundiais no nosso convívio: Putin, que tirou a Rússia do buraco causado pela derrocada criminosa do socialismo por Yeltsin e Gorbachev, de Xi Jinping, que alçou a China a primeira nação desenvolvida do mundo e Lula, líder popular que se contrapõe (ainda que de forma limitada e atabalhoada) ao poderio massacrante do imperialismo fascista e assassino.
Repito, a pergunta mais justa seria: por que deveria Lula desprezar essa chance histórica de oferecer protagonismo ao Brasil e de estar ao lado da corrente mais importante da política e da economia do século XXI?
Quando soube da notícia do novo Papa eu lembrei de uma antiga piada que meu pai contava. Ele dizia que, durante um Conclave, os cardeais reunidos elegeram o primeiro Papa dos Estados Unidos. Porém, havia uma preocupação: os cardeais avisaram ao escolhido que não aceitariam misturar o papado com o capitalismo, pois a Igreja não toleraria atos de mercantilismo.
O Papa aceitou, mas como bom americano, ficou contrariado. “Afinal, que mal há em disseminar a palavra do Senhor e, ao mesmo tempo, ganhar uns trocados?”
Instantes antes de saudar o povo na praça, ele recebeu uma ligação no seu celular e pediu aos colegas cardeais um minuto de privacidade. Durante algum tempo ficou ocupado ao telefone e, após terminar a ligação, aproximou-se da sacada do Palácio no Vaticano, olhou para a multidão que o aguardava e disparou: