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A concubina e a madrasta

Vamos deixar algo bem claro: é nítido o desconforto de muitos com a figura de Janja no cenário da política nacional. Vários são os fatores, e o mais importante é que Janja é uma mulher querendo exercer protagonismo sem ter recebido votos para isso. Ou seja: ela estaria agindo na sombra do Lula. Mesmo entre os analistas identificados com a esquerda, existem pessoas que a criticam por falar quando não devia e se intrometer em assuntos de “gente grande”. Além disso, suas posições são francamente liberais, à direita do espectro político e identitárias. Para a esquerda raiz, uma pedra no sapato apertado do governo Lula. 

Ainda assim, creio mesmo que os narizes torcidos para Janja que surgem na esquerda são devidos à ligação que muitos carregam na memória com dona Marisa, o que eu acho compreensível pela importância da ex-esposa de Lula na criação deste personagem político e para o próprio surgimento do PT. É possível entender esse sentimento, mas é certo que não se pode justificá-lo. Janja, para estes, seria a madrasta a tomar o lugar de nossa mãe. Entretanto, é inegável que a essência de muitas das críticas revela um evidente pendor misógino, algo que conhecemos muito bem. Quem poderia esquecer os adesivos de Dilma nos automóveis, o massacre midiático sobre qualquer deslize em seu discurso, as perguntas invasivas e indiscretas e as acusações falsas que acabaram por retirá-la do governo? Nada disso teria acontecido se, dos porões do inconsciente social, não brotasse uma frase, que continuamente era sussurrada: “este não é o seu lugar”. Mesmo entre aqueles que se diziam a favor da equidade, da diversidade e reconheciam os méritos de Dilma se incomodavam com ela, em especial com o seu sucesso.

Agora, mais uma vez, a esquerda caiu com extrema facilidade no discurso orquestrado pela mídia burguesa. A “víbora” da vez é Janja, que teria saído do seu lugar de “sombra” e tomado a palavra em um jantar durante a visita de Lula à China. Sem pedir licença ao marido, acabou por constranger o presidente Xi Jinping com perguntas indevidas sobre o TikTok. A direita se deleitou com o relato, apresentou a cena como um acidente diplomático e descreveu Janja como uma personagem falastrona, indiscreta, boquirrota e deselegante. Parte da esquerda uniu-se aos ataques dizendo que ela prejudica os esforços de Lula em construir pontes com a China, e que faria melhor caso se mantivesse calada. “Janja calada é uma poetisa”, diriam alguns.

A verdade veio no dia seguinte por intermédio do presidente Lula em entrevista coletiva: não foi Janja quem questionou o presidente Xi; a pergunta partiu do próprio Lula. Além disso, não foi sobre TikTok especificamente, mas o incluiu. Janja apenas pediu a palavra para endossar a posição expressa de Lula sobre o entendimento de boa parcela da esquerda de regulamentar as redes sociais e deu sua opinião sobre o domínio do TikTok pela extrema-direita. Ou seja: não houve “quebra de protocolo”, ela não foi indelicada, não causou constrangimento e o presidente Xi concordou com a ideia de mandar um representante ao Brasil para debater o tema das redes sociais sequestradas pelo fascismo.

Sobra uma verdade nesse caso: é preciso mudar a forma de pensar sobre a manifestação das mulheres e o seu direito de expressar livremente suas opiniões e suas perspectivas de mundo. Mesmo quando discordamos – e deixo claro que rejeito a ideia de cercear a livre expressão de ideias – é forçoso reconhecer que o fato de ser uma mulher a falar incomoda, irrita e nos faz desvalorizar seu ponto de vista. Isso precisa mudar, pois é injusto com as mulheres que chegam ao poder. Não é mais admissível tratar metade da população do mundo como se fossem cidadãs de segunda categoria. E deixo claro: não é blindagem aos erros que Janja possa porventura cometer; eu mesmo sou crítico contumaz de suas posições. Entretanto, é necessário aceitar que, entre os seus possíveis equívocos, não podemos incluir a “falha imperdoável” de ser mulher.

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Uma rede de amor

A proposta de criar uma rede social baseada “no amor” e sem ofensas vai ser um fracasso brutal. A descrição que o Anderson França faz da plataforma é a coisa mais bizarra possível. Inacreditável alguém propor que o discurso e as falas sejam mediados por um grupo de notáveis, representantes de minorias, e a tesoura da censura possa correr solta, para que só exista amor, alegria e ninguém se sinta ofendido. Quem vai decidir o que é racismo? Os mesmos que criaram factoides para controlar o que se fala? Quem vai decidir o que é homo e transfobia? As supostas vítimas? Imagina alguém denegrir a imagem de outra pessoa pela rede??? Que horror!!!

Opss, creio que no “Bunker” meu post sequer conheceria a luz do dia, porque alguém poderia interpretar erroneamente minha resposta como racista. Não quero zicar, até porque não precisa, mas é evidente que uma plataforma centrada no controle das falas será insuportável. Pior: dará à falsa imagem que a esquerda é favorável à censura, ao silenciamento e ao cancelamento. Vocês já pararam para pensar que mundo teríamos hoje se as pessoas não pudessem falar suas verdades por medo de ferir sentimentos subjetivos? Será justo calar as vozes dissonantes, a indignação, o ódio e as falas ofensivas? Que preço pagamos por este silêncio? É justo calar alguém quando, por qualquer razão, ferir os sentimentos alheios?

Quem ganha com esse bom comportamento? Ora a gente sabe. O Facebook censurava a rodo as publicações sobre a Palestina. Não pode exaltar um guerreiro das brigadas Al Qassam assim como é proibido mostrar a bandeira do Hamas (e ainda tem que usar esses ridículos asteriscos). Não pode xingar Israel, mas pode mostrar o Musk e seu Sieg Heils. E por quê? Ora, porque quem censura trabalha para o chefe; ele é quem contrata, e “quem paga a banda escolhe a música”.

O “X” e o “Facebook” mudaram porque os clientes exigiram. Ninguém aguenta mais esse autoritarismo da censura. A maioria que esta lendo isso não viveu a época da ditadura no Brasil e na América Latina, mas eu lembro bem disso: ser controlado por censuradores é humilhante; por isso, é inaceitável ver gente de esquerda aceitando isso.

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Inquisição

Acho triste e decepcionante ver gente da esquerda contrariada com o fim da censura explícita do Facebook. Para estas pessoas a mentira desapareceria como mágica ao silenciarmos os mentirosos, sem perceber que isso apenas garante a eles ainda mais força. Para um verdadeiro democrata, a liberdade de expressão não pode ter freios nem limites, pois sabe que a mentira só pode ser exterminada com o contraponto da verdade. Por que haveria de ser a censura solução para os enganos e a falsidade? Silenciar vozes que atrapalhavam seu projeto político é exatamente o que os militares faziam após o golpe de 64. Eu mesmo já fui banido dezenas de vezes, e sou repreendido todos os dias por denunciar os crimes sionistas na Palestina. Ou seja: a censura atinge preferencialmente aqueles que se contrapõem às normas sociais burguesas e os interesses do capitalismo global. A solução aventada há alguns anos foi a criação de agências de “checagem”, mas restava a pergunta: quem controla os controladores? O que se viu é que estas agências se tornaram braços do poder burguês, órgãos do Estado Americano e instituições financiadas por bilionários como Soros e Gates, e o resultado só poderia ser o travamento do discurso público. Neste campo, os identitários – adoradores da censura e do silenciamento – são os que estão mais furiosos, porque não conseguem verdades suficientes para contrapor as mentiras que julgam encontrar nas redes sociais. Porém, inobstante as boas intenções que algumas pessoas possam ter, a política do cancelamento e o silêncio imposto a quem expõe divergências é uma prática fascista, de quem tem medo de enfrentar a falsidade apresentando o contraditório da verdade.

Vocês não eram nascidos, mas nos anos 70 e 80 eu saí às ruas contra a censura e levei borracha no lombo por agir assim. Por esta razão dói minha alma ver a esquerda aplaudindo essa aberração. Entendam: não existe censura do bem!! Não existem silenciamentos e cancelamentos bem intencionados; o que estas ações escondem é o medo do debate, o pavor de ver ideias que não gostamos sendo espalhadas e conquistando mentes e corações.

“Ahhh, mas isso vai espalhar ideias fascistas; eles vão tomar conta das redes sociais”. Provavelmente, mas e daí? Precisamos criar um sistema de combate a este discurso através da apresentação de uma perspectiva justa da realidade, e não calando a boca dos opositores. Também é obvio que Mark Zuckerberg não tomou essa atitude por amor à verdade, mas por razões claramente econômicas. As redes sociais estavam se tornando insuportáveis. As milícias identitárias, que querem calar e processar a todos, tomaram conta das esquerdas, impedindo um debate aberto e franco. A patrulha do “politicamente correto” produziu uma geração de hipócritas que falam “é o que acho, mas você sabe que não posso dizer isso publicamente”. O Facebook estava perdendo clientes pelo nível absurdo de censura, e pela checagem fraudulenta que fazia.

A resposta só pode ser pela liberdade irrestrita para pensar e dizer, e não pela perspectiva fascista de censurar, calar e amordaçar os inconvenientes. Por acaso acham mesmo que censurar comentários estúpidos sobre sujeitos trans produz(iu) algum tipo de efeito positivo? Acham que censurar e prender os comunistas produziu o extermínio do ideário comunista? Por acaso testemunhamos o fim do comunismo ou, pelo contrário, ele saiu o fortalecido? Acreditam que censurar os fascistas vai gerar algum benefício? Os nazistas são proibidos na Alemanha e são o grupo que mais cresce!! Nazismo é proibido no Brasil e existem mais de 500 células nazistas à luz do dia. Impedir que as fascistas digam tolices sobre pessoas trans não faz – e nunca fez – nenhuma diferença. E se as razões do Zuckerberg e do Elon Musk são oportunistas e fascistas, nisso não há nenhuma novidade, mas – repito – a solução só poderá ser através do combate sistemático à perspectiva de mundo que eles defendem, e não apoiando a censura. Além disso, a censura no Facebook ataca naturalmente a esquerda, e apenas pontualmente a direita, até porque as agências de checagem são totalmente controladas pela burguesia.

Esse tipo de ingenuidade não tem mais sentido, e lamento que a esquerda embarque nesse erro de forma tão fácil. Aqueles que apoiam soluções de censura, cancelamento e silenciamento sobre opiniões a respeito de temas delicados estão sentados ao lado dos acusadores de Galileu Galilei em seu famoso julgamento em 1633. Aqueles que pagam o preço de escutar o que não querem por um debate franco e aberto em nome do progresso das ideias estarão ao lado do nobre cientista polonês, mesmo sabendo que isso poderá lhes custar prestígio e quiçá a própria vida.

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Psicologismo

A ideia ultimamente difundida de que o fascismo surgiria pela proliferação dos “machos inseguros”, produzidos por uma sociedade onde as mulheres estão assumindo cada dia mais postos de comando, é outra tolice que vem sendo espalhada pela camada nas redes sociais, em especial nas franjas mais religiosas e beatas das esquerdas liberais. A redução dos problemas sociais a transtornos ou dificuldades dos indivíduos é uma bobagem que deve ser combatida por quem se situa na porção radical da esquerda, pois que nada mais é que um novo golpe identitário, cujo objetivo é atacar as bases do movimento operário. Isso é infantil demais até para ser debatido.

Por certo que o fascismo encontra um terreno fértil entre os “machos inseguros”, mas nem todos os machinhos em crise reunidos do planeta seriam capazes de criar um modelo de opressão burguesa sobre as massas operárias, usando o aparato repressivo do Estado e da polícia. Isso é puro suco de ideologia. Essa “psicologização” dos fenômenos sociais serve apenas para desviar o foco das questões estruturais que nos impedem de progredir e da inevitabilidade da luta de classes.

A tendência contemporânea de interpretar as tendências sociais em direção ao fascismo utilizando o ferramental produzido pela psicanálise é muito sedutora, e por esta razão largamente usada pelos identitários. Para estes, o rechaço à cultura “woke” não passaria de uma reação aos direitos recentemente conquistados pelas comunidades oprimidas, e os ataques partiriam do opressor-mor da nossa sociedade: o macho branco, cis e heterossexual. Se é verdade que existem homens que não suportam qualquer ideia de equidade, desprezando e se sentindo ameaçados pela maior visibilidade e reconhecimento do trabalho das mulheres, estes não seriam capazes de criar um movimento de supressão das liberdades em direção a um controle opressivo do Estado, como se pode ver nos fascismos clássicos. Tais “machos inseguros” normalmente se reúnem nos bolsões bolsonaristas e nos “chans” compostos por supremacistas e incels, mas não representam uma ameaça concreta, a não ser que se unam aos burgueses que, encampando suas ideias, os usam como massa de manobra para atacar a classe trabalhadora. 

Para os apologistas desta perspectiva o fim do fascismo ocorreria com a abordagem psicanalítica dos seus constituintes individuais ou, quem sabe, por um “outing coletivo”, quando milhões de machos reprimidos e multidões de machistas com comportamentos odiosos e vingativos sairiam do armário, dando vazão aos seus impulsos homoeróticos. Ora, nada poderia ser mais ingênuo e errado do que isso.

O fascismo se combate com política, força, consciência de classe, união popular e revolução. O resto é papo furado.

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Proibições

Proibir os comentários perversos e ofensivos da internet acreditando que isso possa “limpar” o ambiente das redes sociais é o mesmo que passar massa e tinta nova nas rachaduras da casa imaginando que assim ela ficará mais firme e segura. Prefiro combater os monstros no claro do que escondidos na escuridão do silêncio. A censura nunca é boa para a verdade, mas pode ser útil para quem usa a falsidade e a mentira como ferramentas. Como diria Douglas Hawthorne, “Se há uma virtude nas redes sociais esta é a capacidade de mostrar a feiura que a hipocrisia esconde“.

Admoeser Rufus, personal communication

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Nós e eles

No Facebook ninguém jamais foi egoísta, sacana, maldoso ou ruim. Todo mundo sofreu bullying, ninguém jamais o cometeu. Todos foram injustiçados, mas ninguém foi autor de grosseiras injustiças. Todos guiaram sua conduta pela bondade e pela solidariedade, mas foram vítimas contumazes da maldade alheia. A ninguém jamais ocorreu agir em causa própria para obter vantagens; as ações sempre foram direcionadas para o bem comum. Todos são merecedores de erguer a mão e responder à pergunta de Jesus, afirmando impávidos “Eu, mestre. Sim, eu sou isento de pecado e posso atirar a primeira pedra. Façavor de me alcançar o paralelepípedo”. As redes sociais são pródigas em mostrar estes vestais, seres isentos de pecado, candidatos a atirar as primeiras pedras.

Ao lado da consciência de classe precisamos também aprender a calçar as “sandálias da humildade”. Ou ao menos aprender com o dramaturgo romano Publius Terentius Afer (Terêncio) que dizia “Sou humano, e nada do que é humano me é estanho”. Sem muito esforço consigo perceber toda a gama infinita de maldades humanas dentro de mim mesmo, das mais perversas às mais banais e imperceptíveis. A diferença entre mim e os criminosos que ocupam as prisões é pequena demais para que eu possa reconhecer uma essência distinta entre nós. Muitas vezes circunstância e contextos produzem estas distâncias enganosas, muito mais do que o caráter.

O apontar de dedos e o punitivismo inexorável das redes sociais não cansam de me surpreender pelo seu vigor e resistência. É a sanha punitivista que me espanta, em especial quando surge no seio da esquerda. Por que desacreditamos tão facilmente no perdão e na compreensão das falhas? Por que tanto sentimento de vingança que tanto nos aproxima dos verdugos e algozes da classe média? Qual o sentido de nos colocarmos tão acima daqueles que erram? Por acaso somos feitos de uma matéria distinta? Acreditamos mesmo em diferenças tão marcantes de caráter entre nós e o mar de pecadores que nos cerca? Que retrocesso espiritual é esse que nos faz gozar com a punição e a vingança?

A ideia de colocar-se acima dos outros – inclusive dos reais criminosos – é um erro que eu não tenho coragem de cometer. De novo trago as palavras dos antigos: “Nunca diga que dessa água não bebereis”. Sabe-se lá qual a sede que te consome. Tivesse eu bebido a mesma água que tantos beberam, passado pelas agruras de suas vidas e sofrido na carne o que sofreram e só assim seria possível dizer que jamais cometeria seus erros. Qualquer julgamento feito sem ter calçado os seus sapatos é injusto. E, mais uma vez, a impossibilidade de julgar as pessoas não significa a impossibilidade de julgar suas ações e seus crimes, assim como impor as punições que sejam necessárias.

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Piadas

Quando as minhas piadas mais geniais são publicadas nas redes sociais quase ninguém dá bola. As vezes dá vontade de desistir, jogar tudo pra cima e ser um cara normal. Ser um gênio do humor é um fardo pesado, saca? Incompreensão, inveja, desprezo, é só isso que se recebe. Sabem quantas horas levamos em média para elaborar as piadas que tantas pessoas rolam de gargalhar? Muitas delas mais de uma semana!!! E o que recebemos? Meia dúzia de tímidos “likes”. Enquanto isso acontece, pessoas – que não vou nomear porque indireta é estratégia de babaca – postam fotos de bebês e tem 3, 4 ou 5 mil aprovações!!! Seus leitores mandam beijos e fazem elogios!!! Quando publicam fotos de gatinhos então, nem se fala.

Será que ninguém percebe o trabalho que dá para fazer uma piada? Pois é, na maioria delas é preciso que pesquisar!!! Dá trabalho, a gente se estressa, se incomoda. As vezes aparece gente que reclama, diz que a piada é “ofensiva”. Outro dia mesmo tive que deletar uma reclamação de um grupo de jovens católicos que se indignaram porque eu poderia estar “debochando dos seus valores cristãos”. Ora, “vão reclamar para o Bispo”, gritei para eles (em caixa alta) mas depois deletei tudo.

As pessoas valorizam neurocirurgiões, astronautas, engenheiros espaciais e mesmo aqueles superdotados que terminam o “cubo mágico” em 30 segundos, mas qual o valor que dão para uma piada? Lembrem apenas que se não fossem as piadas e os chistes a psicanálise sequer existiria. Freud aprendeu a analisar o inconsciente através da leitura dos gracejos, mas vocês acham que as piadas nasceram de um pé de couve? Foram trazidas ao mundo por cegonhas? Não!!!!

Sempre haverá um piadista anônimo, sofrendo para pagar o aluguel por trás dessa piadinha inocente que você escutou. Há um sujeito que passa fome e sofre, mas que faz você sorrir.

Pense nisso…

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Parto humanizado e mídias sociais

Eu as vezes sou convidado a assistir palestras sobre obstetrícia que tratam de temas que há muitos anos debatemos no movimento de Humanização do Parto e Nascimento. Nesta semana assisti mais uma vez o mestre Michel Odent – pensador e escritor francês de 91 anos – falar de suas teses centrais, como o “imprint” e a importância de oferecer à mulher um entorno de proteção, intimidade e privacidade para que a “entrega” seja a mais tranquila possível. Ter sido contemporâneo de Michel é um grande privilégio para qualquer pessoa que um dia trilhou pelos caminhos da humanização. Posso estar cometendo um sacrilégio mas, na minha perspectiva, os trabalhos de Odent e Robbie Davis-Floyd no campo da compreensão dos significados últimos e inconscientes do processo de nascer adquirem uma importância ainda maior do que aqueles conceitos sobre o “nascimento sem violência” oferecidos a nós um pouco antes por Frederick Leboyer, outro baluarte da grande revolução do parto.

Escutei também o comediante Rafinha Bastos falando sobre partos e doulas, na entrevista que fez com sua irmã – que é doula e professora de Yoga – e achei que sua visão superficial, preconceituosa, jocosa e até debochada do processo de nascimento é uma amostra razoavelmente adequada do pensamento médio dos homens brasileiros. Sua ignorância a respeito de elementos mínimos da proposta de humanização, sua repulsa com tudo o que existe de selvagem e essencialmente humano no parto – além da sua exaltação da “praticidade e limpeza” das cesarianas – são muito demonstrativas da visão majoritária que ainda é prevalente entre os homens. Acho lamentável sua percepção sobre um tema tão delicado, mas saber que ele se dispôs a escutar é algo que devemos saudar como positivo. Quando trocamos ideias com os companheiros das mulheres que nos procuram pela expectativa de um parto humanizado é importante ter em conta que estes sujeitos representam uma fatia francamente minoritária nesta sociedade.

Um pouco depois escutei a aula de uma enfermeira obstetra que falou sobre o tema da violência obstétrica para alunos universitários, um tema que a cada dia assume uma importância maior nos debates de gênero na Internet. Na minha perspectiva ela falou de uma forma bastante superficial, talvez um pouco mais do que o necessário, mas entendo que ela imaginava se dirigir a uma plateia ainda muito desinformada sobre o tema e, portanto, preferiu uma abordagem mais geral e simplificada.

Em verdade eu prefiro as perspectivas sobre o parto que são mais complexas, mais obscuras e menos debatidas e sobre as quais pouco se fala, em especial no que diz respeito à atenção ao parto como evento da sexualidade. Entretanto, tocar nesse ponto é arriscado e perigoso. Vivemos em uma sociedade de cancelamentos onde as ideias sucumbem à interpretação que se pode fazer delas, e onde a verdade é menos importante do que a aceitação e o reconhecimento das nossas “personas sociais”. Fugir de certos maniqueísmos é tarefa complexa, e seria um risco muito grande tratar desse tema para um grupo tão heterogêneo.

Nas perguntas que se seguiram à sua exposição chamou minha atenção algo que vi repetidas vezes quando tratei publicamente deste tema. Percebi que, o que muitas mulheres chamam de “violência obstétrica” é, na verdade, tão somente a ponta de um imenso iceberg, uma fração menor do que seja a violência que ocorre no parto. A maioria das mulheres (e também seus parceiros) aponta como violência apenas aquilo se que tornou visível e palpável, a parte que ultrapassa a linha das ondas e emerge do oceano como barbárie. Da mesma forma, a violência do encarceramento obsceno das sociedades capitalistas aparece sob a forma de desumanidade, tortura e morte, para só então ser condenada. Parece que a nós somente quando a brutalidade estrutural e ideológica submersa se torna evidente pelo exagero de um processo – que já é violento por natureza – temos a possibilidade de denunciar sua existência.

Ainda espero das jovens ativistas uma definição mais clara, concisa e firme do que seja “parto humanizado”. Parece faltar uma percepção mais elaborada, que fuja da ideia de “parto gentil”, “parto delicado”, “parto adequado”, “obediência às evidências científicas”, que são elementos importantes deste processo, mas que não contemplam o cerne da definição, o qual está visceralmente ligado à ideia de “garantia de protagonismo” às mulheres. Precisamos falar mais sobre a história desse movimento social, debater seus pilares de sustentação e entender que esta proposta surgiu muito recentemente como uma contraposição ao modelo tecnocrático hegemônico, que despersonaliza e objetualiza as gestantes, uma condição que se fortaleceu pela dominação do paradigma biomédico estabelecido de forma marcante a partir do século XX.

Na palestra da jovem professora ela elogiou as Casas de Parto e deixou claro para todos a importância das enfermeiras como cuidadoras primordiais do parto, o que é muito bom. Para além disso, eu me surpreendi com as perguntas feitas pelos estudantes a ela, o que sugeriu que ela poderia ter ido mais fundo nas definições, contradições e dificuldades no combate à violência obstétrica. Talvez ela tenha subestimado mais do que devia a capacidade de crítica dos alunos presentes à sua palestra.

Saber que esse tema toma a Internet hoje em dia me oferece a esperança de que estivemos fazendo certo em denunciar um modelo anacrônico de atenção ao parto e de mostrar que há perspectivas mais humanas e dignas de trazer as pessoas ao mundo.

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Silenciamentos

Como – e porque – funcionam os silenciamentos na Internet?

Vou apresentar um roteiro que conheço há mais de 20 anos debatendo em redes sociais, desde os “List Servers” até o Facebook. Não precisa muita elaboração para entender o funcionamento e você pode fazer o teste na sua própria rede social.

Procure um tema complexo e dramático e faça uma análise simples, pois não precisa sequer expressar uma posição contra-hegemônica, como em breve vão perceber. Depois disso termine com uma espécie de “chamado à ação”. Por exemplo:

*A mortalidade materna é alta no Brasil, em especial de mulheres negras e periféricas, o que denuncia nosso apartheid social. Seria importante que todos se dedicassem a encontrar a solução dessa tragédia, liderados por aquelas que são as mais interessadas nessa questão: as próprias mulheres das comunidades pobres desse país; unidas, fortalecidas e com o suporte do Estado.*

Pronto. Essa postagem de um simples parágrafo apresenta um problema (a mortalidade materna e seu viés de raça), acusa a iniquidade social pela tragédia (e não um grupo em especial), aponta um caminho (a ação social), chama o Estado à responsabilidade (pois ele é o grande motor de transformação) e coloca um grupo na liderança dessa proposta, por serem as vítimas e as principais interessadas na solução (as próprias mulheres, garantindo a elas o protagonismo).

Entretanto, qual a resposta?

Primeiro, antes de analisarem o conteúdo as pessoas olham QUEM o disse, pois um enunciado como esse só terá valor se quem o apresentar tiver uma espécie de “passe”, uma “autorização” social. Se você for do grupo dos “degredados” (homem, branco, cis, classe média) será imediatamente rechaçado, inobstante o que tenha dito. Sim… mesmo que concordem com você a primeira luta será para negar-lhe o direito de dizer. A partir daí se inicia uma saraivada de desqualificações.

– Lá vem o senhor de novo dizer o que as mulheres têm que fazer. Seu machista!!
– Sim, agora o burguesinho no seu apartamento com vista pro mar está preocupado com a pobre de periferia? Me poupe!!
– Mais um homem branco cagando regra para que os negros obedeçam. Chega de escravidão!!
– E os homens trans que também podem parir? Não tem vergonha dessa homofobia?
– 400 mil mortos por Covid e você vem falar de parto? Não tem vergonha?
– Mito2022 – “Chola mais” mortadela…

– Cala boca esquerdomacho, privilegiado, filho de papai, branquinho, heterochato

O que acabou se tornando muito claro para mim nesses anos todos é que as pessoas, diante de um post simples – e até banal – como este, jogam na internet os SEUS dramas pessoais, suas mágoas e seus ressentimentos a partir de algo que a condição do interlocutor (branco, hétero, flamenguista, gay, comunista, liberal, lésbica, etc) representa para si, fazendo com que a mensagem se torne absolutamente irrelevante. Não importa que estejam plenamente de acordo com o enunciado e a proposta; o conteúdo desaparece e só o que se vê é o inimigo à sua frente. E tudo isso, é óbvio, potencializado pelo manto de invisibilidade que as redes sociais oferecem.

– Eu odeio o que você representa na minha vida e vou discordar de qualquer coisa que você escreva. Vou ler “literalmente” cada palavra quando me interessar e “simbolicamente” quando precisar, de forma que qualquer frase escrita será torturada nos limites até que ela pareça ser a fiel tradução de sua imagem aos meus olhos: um monstro – e, claro, sem o direito de falar.

Diante desse dilema, o que fazer?

Quando lemos ou escutamos este bombardeio devemos aceitar o silenciamento – que parte muitas vezes de gente que jamais colocou-se na luta e não se empenhou para fazer qualquer coisa? É justo que os silenciadores se comportem como se sua condição de oprimido seja suficiente para lhes garantir autoridade e poder de veto? Por outro lado, devemos continuar lutando e apresentando propostas apesar dos ataques? É válido insistir em debater com pessoas que não aceitam outros participantes no enfrentamento de ideias? Ou devemos mesmo aceitar a mordaça do “lugar de fala” e silenciar? É preferível abandonar as lutas?

Ou será mais justo continuar apertando o botão do F*DA-SE?

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Lacre

Nos anos 80 e 90 do século passado eu escutava muito um programa de esportes no rádio que era transmitido logo depois do almoço. Tinha uma característica clássica: um torcedor fanático de cada um dos times da cidade, alguns torcedores moderados e outros ditos isentos. Era cômico, divertido, machista muitas vezes, informativo e falava desse universo masculino do futebol. Ainda existe, porém claramente decadente, mas por mais de 40 anos foi o maior programa de rádio desse estado.

Havia, entretanto, uma característica desse programa que sempre me incomodou. Uma vez por mês o programa se mudava para o interior do Estado para fazer uma transmissão ao vivo, num ginásio de esportes ou em uma praça. Lá eles debatiam o mesmo tema – o futebol do estado – mas com plateia, ao vivo. Aí é que as coisas complicavam.

Os argumentos e as tiradas espirituosas davam lugar a falas cujo único objetivo era conquistar o povo reunido para escutá-los. Como em todo lugar, metade da audiência torcia por um time e metade para outro. Assim, a tarefa dos debatedores era dizer algo pretensamente espirituoso e provocativo – falar do número de títulos do seu time, lembrar quem ganhou a última disputa, quantos embates vencidos na história, quem estava melhor no campeonato, etc – e fazer a plateia vibrar quando se dizia algo aparentemente grandioso e que deixaria o adversário sem resposta. Uma espécie de “repente” nordestino, mas centrado no tema do futebol.

O problema desse modelo é que a profundidade dos argumentos, a qualidade da explanação e a própria verdade dos fatos sucumbiam à necessidade de agitar aqueles presentes ao encontro. Não se tratava mais de oferecer uma qualidade argumentativa, com lógica, coerência e precisão, mas conseguir mais aplausos, apupos e aceitação dos presentes. Isso, evidentemente, agradava quem lá se encontrava, os quais passavam uma procuração aos debatedores nessa batalha retórica. As discussões, entretanto, se tornavam pueris, infantis e maniqueístas, reduzindo o encontro de ideias a pó.

Muitos anos depois o mesmo fenômeno aconteceu nas redes sociais e hoje atende pelo nome de “lacração”. Da mesma forma como no programa de rádio, temos uma imensa plateia de pessoas que podem ler o que escrevemos. Para algumas – os chamados influenciadores digitais, ou “influencers” – esse número pode chegar aos milhões. Desta forma, nada que se diga passa impune. Como consequência dessa plateia cativa de observadores, os bons argumentos, a retórica de qualidade e a simplicidade enxuta de uma fala acabam dando lugar às manifestações “lacrativas”, que visam produzir não apenas ataques “ad hominem”, mas argumentos frágeis e até mesmo toscos e tolos, mas que são direcionados à gigantesca massa de pessoas que fazem parte da torcida organizada criada pela nossa bolha das redes sociais.

Mais ainda: os argumentos são frequentemente usados de forma desonesta, quando sabemos que, mesmo sendo errados e injustos, ainda assim os usamos, pois temos a certeza que serão aqueles que mais impacto poderão causar.

A cultura do “lacre” produz cotidianamente manchetes estúpidas como “Fulano humilha Ciclano em um debate“, “Beltrana destroi opositora em conferência“, geralmente no YouTube, e não são poucas as vezes em que o inimigo (de esquerda ou direita) é retirado do contexto e sua fala jogada nas redes para assim poder ser destruída. Vale tudo em nome da lacração.

A “Lacração Ilimitada” não é de hoje, por certo, mas as redes sociais a transformaram em uma praga que obstaculiza o pensamento, impede os debates e atrasa o progresso das ideias.

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