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Paixões

Certa vez uma astronauta relativamente famosa dirigiu quase 1500 quilômetros para confrontar a nova namorada do seu amante. Na época, esta funcionária da NASA era casada e tinha 3 filhos pequenos. Seu nome era Lisa Nowak, e ela percorreu o trajeto usando fraldas geriátricas para não precisar parar e chegar ao seu destino em tempo muito curto. Usando uma peruca preta, encontrou sua vítima num estacionamento em Orlando, mas conseguiu apenas confrontá-la e jogar gás lacrimogêneo em seu rosto. Depois disso foi presa, mas foi solta pouco tempo depois, até porque suas acusações eram leves e não passaram de mera agressão. Entretanto, divorciou-se e encerrou sua carreira de engenheira da agência espacial americana. Hoje vive sozinha no Texas e se nega a dar entrevistas, mas seu advogado afirmou recentemente que ela vive uma vida modesta e “está em paz”.

Sempre lembro dessa história quando penso no quanto somos governados por nossas paixões. Vejam: ao contrário de crimes passionais quando um dos cônjuges (ou conges) perde a cabeça durante uma briga e produz uma agressão – que muitas vezes é fatal – no caso dela toda a ação foi premeditada e demorada. A travessia empreendida demorou 14 horas, e foi feita dirigindo seu próprio carro de Houston até Orlando. Fez isso sem parar, e teve muito tempo para ponderar sobre as repercussões de suas atitudes para si mesma, sua família e a vítima – que também era astronauta. Todavia, as 14 horas de viagem não foram o tempo suficiente para lhe devolver a plena visão, já que se encontrava cega de ciúme, ressentimento, rancor e orgulho ferido.

Apesar de tudo que estava em jogo e o quanto ela podia perder – carreira, família, amigos – ela não conseguiu se libertar da prisão de suas paixões. Seguiu em frente sem conseguir que uma réstia de luz pudesse iluminar seu entendimento. Entretanto, apesar da tristeza dos resultados e as perdas enormes que Linda teve em sua vida pessoal e profissional, eu ainda penso que essa explosão de afetos será a última barreira a ser rompida pelas máquinas. Quando os robôs forem capazes de copiar as mais brutais manifestações humanas, nada haverá que os impeça da supremacia completa sobre a condição humana. Enquanto formos caracterizados por esse tipo de comportamento caótico, movidos pela torrente de emoções explosivas, ainda estaremos em segurança, distantes da suprema extinção e consequente substituição pelos replicantes.

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Queixa

“Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria”

A música “Queixa” de Caetano Veloso foi lançada em 1982 no álbum “Cores e Nomes”. Ela me cativou desde sempre, porque fala de uma questão universal, afeita a cada um de nós: o desamor, a subversão da paixão, que “quando torna-se mágoa é o avesso de um sentimento; oceano sem água”. Muitas vezes ouvi diferentes histórias sobre as razões pelas quais Caetano compôs essa música, tão dolorida e ressentida. Todavia, pouco importa: ele a fez para todos nós, para cada dor de amor pela qual já passamos, pois, de uma maneira ou de outra, esses sentimentos a todos nós pertencem e a eles tivemos acesso.

Entretanto, não é sobre o sentido último da música e sua poesia que eu me detive estes anos todos, mas sobre esta específica estrofe, que retirei da Internet. A razão para a minha curiosidade é que eu acredito que a letra de “Queixa” poderia, neste ponto preciso, oferecer uma interpretação dúbia, e eu sempre me diverti mentalmente explorando essa dualidade.

Sim, a música pode ser cantada como “Um amor assim delicado, nenhum homem daria”. Tenho certeza que assim Caetano pensou ao escrevê-la, até porque faz sentido na estrutura lírica da canção. Ele estava magoado, sentindo-se traído, ressentido e com raiva. Estava dizendo à sua amada que o amor que lhe ofertou nenhum outro homem seria capaz de lhe oferecer. Claro, faz sentido. Por outro lado, existe uma forma homofônica de cantá-la, mas diversa na escrita, que pode transformar completamente a ideia que a estrofe nos apresenta. Na minha cabeça eu cantava assim:

“Um amor assim delicado, nem um homem daria”

Eu adorava pensar que Caetano desejava dizer que “a delicadeza deste amor era tão grande que sequer um homem seria capaz de oferecê-lo”. Ou seja: (só) os homens seriam capazes de garantir a necessária delicadeza ao amor, mais do que as próprias mulheres. Um amor “delicado” seria um atributo de homens, e “um amor tão delicado” somente um homem seria capaz de entregar a uma mulher. Por certo que esta é uma interpretação bem pessoal, baseada em algo que – quase certamente – Caetano jamais pensou ou desejou colocar na música. Porém, eu pensei muito sobre este tema, e acho que de uma forma pode fazer sentido.

Vejam… o amor é um tema feminino. Para a humanidade as mulheres são as guardiãs do amor, algo que a elas pertence. Os homens, por certo, bebem dessa fonte, mas o amor é uma criação feminina, surgida da relação primitiva entre um bebê e sua mãe. Tamanha é a altricialidade (dependência do outro) dos bebês em relação a quem lhes cuida, pela saída prematura do claustro materno, que se produziu de forma espelhar um sentimento único de amor dessa mãe em direção ao seu rebento. Nesse momento na história do universo formou-se a fissura aberrante da ordem cósmica, falha colossal na tessitura da biologia. O amor surgiu da profundidade desses sentimentos inesperados e bizarros, e por esta razão Freud nos ensinou que “se o amor existe, este é o sentimento de uma mulher por seu filho, sendo todos os outros amores dele derivados”. Desta maneira, partiu das mulheres a criação do amor, mas graciosamente o ensinaram à humanidade, inclusive aos homens.

Por esta perspectiva, para o homem o amor não é natural; ele é um aprendizado bem mais complexo. É preciso que uma mãe (função) lhe conte essa história, com todos os detalhes do seu enredo amoroso. Esse ensinamento vai ocorrer desde os primeiros instantes em que a criança escuta os sons do mundo e reconhece seus brilhos e nuances. Portanto, para que um homem ame, é necessário que se torne delicado e pelo seu esforço torne do avesso o que dele se espera. Para isso, fragiliza-se, coloca-se de joelhos e à mercê daquela que o subjuga. Baseado nessa interpretação, eu escutei a música de Caetano como um elogio ao esforço do masculino de tornar-se delicado, frágil e inseguro para, só assim, ter acesso à energia hipnotizante do amor.

Ok, eu sei o quanto disso é puro devaneio, mas acredito que para mim, de forma absolutamente subjetiva, esta música abriu um portal através da vida própria que as músicas desenvolvem, a despeito das intenções e gostos de seu criador. Penso nela como um elogio ao homem que, apesar da brutalidade da qual sempre se sentiu devedor, é capaz de amar de forma aberta, frágil e …. delicada.

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Monark

Vejo muita gente debochando das condições físicas e emocionais do Monark, que durante anos foi o garoto propaganda do liberalismo ingênuo que tomou conta de parte da juventude brasileira. Dizem que sua cabeça fritou devido ao ideário de direita que adotou para si, porém não acredito ser essa a razão de sua decadência espiritual e psíquica. Na minha percepção, sua debacle está relacionada aos ataques recebidos em razão da postura de enfrentamento ao poder abusivo de algumas instituições.

Uma das razões da minha desconfiança sobre as origens do seu mal é que, para atacar o Monark, inventaram muitas mentiras sobre seus pronunciamentos. Sim, o Monark jamais foi a favor da criação de um partido nazista, e basta assistir o famoso podcast para constatar isso. Ele se disse favorável “ao direito de alguém criar isso”, não ele. Sua radicalidade era pela liberdade irrestrita de expressão e de organização em torno de ideias. Entretanto, de forma oportunista, criaram o factoide de que seria, ele próprio, um defensor de ideias nazi. Isso é mentira. O Monark entrou em uma espiral depressiva e autodestrutiva pela perseguição infame realizada por elementos do STF, em especial o ministro Alexandre. Este, em nome de uma postura populista e baseada em mentiras, resolveu subverter a liberdade de expressão criando uma versão personalizada da Constituição. Para os ataques ao jovem comunicador, o ministro do Temer usou o freestyle característico do STF, que faz da Constituição um “boneco de massinha” aquele que as crianças brincam, onde qualquer coisa pode ser criada da massa amorfa na dependência da vontade e dos interesses oportunistas da suprema corte.

O sofrimento do Monark eu já vi no rosto de pessoas atacadas injustamente. Carregam no semblante o sofrimento por não conseguirem enxergar uma saída, em função do gigantismo das estruturas que os perseguem. Ele sofre por saber que seu direito de expor sua perspectiva de mundo – mesmo equivocada e claramente paranoica –  é censurada, proibida e perseguida. Ela sabe que, mesmo que a expressão de sua visão de mundo seja garantida pela constituição, os guardiões da nossa carta magna são os mais interessados em violentá-la em nome de seus interesses obscuros. Monark é um jovem, um filho de papai, um “gamer” e um garoto de classe média, sem estrutura para suportar a perseguição e o exílio. A solidão, a raiva, a cólera contida, o ressentimento e a tristeza do desterro são ácidos que corroem o próprio frasco de carne e ossos que o contém. Ele não tem a estrutura de um Brizola, um Lula, forjados na luta política e proletária e capazes de suportar os ataques, o exílio, a prisão e as acusações injustas.

Sou um comuna raiz e não concordo nem com 1% das ideias liberais do Monark, mas posso entender sua dor e sei o quanto ele está fragilizado e perturbado. Todavia, ver gente da esquerda debochando de seu sofrimento apenas mostra como nossa esquerda liberal é incompetente e ultrapassada, incapaz de se enxergar – num futuro próximo – na própria pele do garoto do Flow.

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Leah

O indicador no canto inferior direito do computador apontava 31 de dezembro, anunciando os estertores do ano que se preparava para findar. Solitária em sua casa, Leah terminara as tarefas de limpeza e se preparava para uma noite solitária na frente da TV. Resolveu como última ação, olhar sua caixa de e-mails. No meio de uma lista infindável de “promoções imperdíveis”, encontrou a mensagem de Karen, uma amiga de muitos anos. Abriu o e-mail e leu a curta mensagem.

Terminou de ler o e-mail e manteve os olhos parados na fissura entre o marco da porta e a parede descascada de seu velho apartamento. Sentada à frente da tela do computador e tendo a janela mais ao lado, podia ver os carros desviando uns dos outros na sua frenética busca por espaço, tentando chegar em casa para a ceia de ano novo. Nada naquela tarde prenunciava o que ocorreria a seguir. A notícia a pegou de surpresa, como uma tempestade de turbulências e tremores que aparece no meio de um dia normal de verão.

“Patrick está morrendo”, dizia o texto curto que ainda jazia parado na tela do computador. Karen obteve informações de seu estado por intermédio de amigos comuns. “Leucemia, estágio final”, continuava o texto, que terminava com um “achei que você gostaria de saber”. Os sentimentos dentro de Leah estavam em ebulição, num profundo contraste com sua face inexpressiva e o olhar que teimava em se manter fixado na pequena rachadura ao lado do marco da janela, como se a procurar algo, escondido ali, que pudesse lhe dizer como deveria reagir.

“Patrick sempre foi um covarde, um traidor”. Era só o que podia pensar. “Não havia em seu ser nenhuma fibra de virtude, nenhuma célula capaz de metabolizar honra e respeito. Todos os humanos recebem, pelo menos uma vez na vida, um teste para provar seu caráter. Patrick teve em suas mãos o grande desafio, e falhou miseravelmente. Diante do júri, sabendo que seu depoimento seria fundamental para estabelecer a verdade, escondeu-se, mentiu com seu silêncio, deixou-se covardemente silenciar, por medo de que a verdade o pudesse comprometer”. Leah ainda tentou fixar em seus olhos, enquanto lhe faziam a pergunta que mudaria o destino dela, mas ele baixou a cabeça diante do seu olhar. “Um covarde, cuja mentira flui por todos os poros”.

Depois de alguns instantes tentando descobrir o que pensar e fazer, abriu sua bolsa e dela retirou o celular. Com rápidos golpes na tela descobriu o nome de seu ex-amigo, que depois desses anos todos ainda dormia na sua lista de números. Ficou olhando para os dígitos à sua frente por alguns momentos até que seu dedo pressionou a combinação numérica. Não era justo que ele morresse sem que fosse possível dizer do desprezo profundo que sentia por ele. Era preciso dizer que seu silêncio, sua mentira muda, sua covardia a haviam marcado por todos esses anos. Queria lhe dizer o quanto de mal havia lhe causado, não apenas com sua separação e os danos financeiros, mas também por sua autoestima destruída, sua descrença na justiça e sua falta de fé na humanidade. Patrick simbolizava o que de pior houvera em sua vida. Uma amizade destroçada pela fraqueza de caráter e a falta de escrúpulos. Uma vida cheia de projetos jogada no lixo, desperdiçada como um papel sujo.

Depois de alguns segundos, ouviu o sinal de chamada. Alguém atendeu do outro lado, uma mulher. Uma namorada, enfermeira, familiar; já não tinha nenhuma importância. Leah disse que era uma “velha amiga” e desejava falar com Patrick. A mulher disse que ele estava muito fraco, mas colocaria o telefone em seu ouvido. Ouviu o som do telefone tocar o ouvido de Patrick e sua voz, mais grave do que se acostumara a ouvir.

– Olá, quem é?

Leah manteve-se em silêncio por instantes, tentando entender seus sentimentos. Do outro lado da linha estava o homem que mais odiou em toda sua vida, um amigo cuja amizade foi degenerada por acontecimentos desastrosos, mas que traiu sua confiança e sua amizade, deixando caírem sobre ela as culpas que, na verdade, lhe pertenciam. Por isso Leah teve a vida destroçada e os seus sonhos sepultados. Era o momento de dizer a ele o quanto de dor ainda carregava, e o quanto a morte prematura que ele enfrentava iluminaria seu espírito. Com voz quase sussurrava, ela respondeu:

– Sou eu, Leah.

Ele ficou em silêncio, talvez chocado pela surpresa. Um tempo depois, respondeu.

– O que deseja Leah?

Agora as lágrimas tomavam conta do seu rosto, correndo livremente pelas suas bochechas rosadas e caindo como uma fina cachoeira de ressentimento sobre o teclado do computador. Suas mãos tremiam e seus dentes crispavam, mas não conseguia dizer palavra alguma. Finalmente, após respirar profundamente, respondeu…

– Apenas desejar um feliz ano novo. Boa sorte.

Não esperou sua resposta e desligou. Colocou as mãos na cabeça e chorou profusamente. Talvez, seu desejo de um ano novo feliz tenha sido a mais sofisticada forma de crueldade que foi capaz de formular. Uma vingança dura e quase tão silenciosa quanto aquela da qual foi vítima.

Edgar Kensington Moore, “Happy New Year” da coletânea “Tales from the Fireplace” (Contos da Lareira), Ed. Rutherford, pag. 135

Edgar Kensington Moore foi um escritor britânico nascido em Sheffield em 1937. Estudou artes cênicas na Escola de Teatro William Shakespeare, na sua cidade natal, ainda quando cursava o ensino médio. Aos 21 anos casou-se com Melinda Fergusson e foram morar em Manchester, onde criaram seus três filhos. Foi em Manchester que Edgar produziu seus livros, em especial seus contos sobre a classe operária inglesa. Em “Tales from the Fireplace”, seu último livro publicado, ele mostra uma coletânea de contos relacionados à solidão das grandes cidades, sendo cada capítulo dedicado aos pequenos dramas cotidianos que surpreendem os solitários, desde o anúncio da morte de um desafeto, um bolo de aniversário para tia Betsy e até um acidente doméstico com o gato “Sparky”. Em todos os contos a temática é a dor e a angústia que se encontram acompanhadas da solitude, a dolorosa falta de um ombro para apoiar nossa cabeça ou para secar as inevitáveis lágrimas. Todas as suas personagens são mulheres, desde adolescentes até as idosas que apenas esperam a morte. É possível que este livro tenha como inspiração sua própria mãe, cujo marido faleceu na Batalha da Inglaterra em 1940, fazendo da viuvez precoce que testemunhou em sua mãe uma cicatriz em sua própria vida. Sua mãe criou seus dois filhos (Edgar e seu irmão mais velho George) solitariamente e jamais se envolveu novamente com homem algum. Pouco antes de morrer em 2020, Edgar contou que ver sua mãe sozinha escutando o rádio, costurando e ajeitando os filhos para a escola o marcou profundamente, em todos os sentidos, e talvez tenha sido por isso que escolheu o ofício da escrita, onde a solidão é a companheira mais constante. Edgar faleceu em 2020 de pneumonia, aos 83 anos, em sua casa em Manchester. Deixou a mulher Melinda e os filhos Harvey, Jeffrey e Andrew.

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Homens que odeiam as mulheres

Existe um texto profundamente misândrico que circula pela internet no qual se lê, com as tintas marcadas pelo mais profundo ressentimento, que os homens não amam (su)as mulheres, não tem por elas qualquer apreço e apenas as desejam para diversão; querem apenas fazer sexo com elas. Usam-nas como troféus, adereços, carne animada, brinquedos que exibem aos amigos como prova de sua capacidade fálica. O texto oferece uma perspectiva dos homens (não de alguns, mas do gênero inteiro) como sendo o ápice do egocentrismo na criação divina, sendo o desprezo pelas mulheres o esporte mais cultuado entre eles. O texto é adorado por uma parte das feministas, que amam publicá-lo sempre que algo de ruim lhes acontece em relação aos homens. Ato contínuo, dezenas de mensagens se seguem abaixo do texto ao estilo “Tamo junto miga, não passarão”.

O que mais me impressiona neste libelo anti-masculinista é seu inequívoco clamor supremacista. Sim, para que dissemina este texto os homens odeiam as mulheres; têm por elas desprezo e ódio, e apenas se relacionam para o seu prazer egoístico, seja pelo sexo ou pela procriação, para terem alguém que leve adiante seus genes. Não se importam com sua música, sua arte, sua inteligência, suas inegáveis virtudes, seus múltiplos talentos e passam a vida a explorá-las em serviços domésticos desgastantes e tediosos. Santas ou putas. Já as mulheres…. são todas puras. Seu amor pelos homens é inquestionável. Totalmente desinteressado, sem viés, sem segundas intenções, sem atitudes dissimuladas ou malévolas. Por certo que jamais usariam estas bestas peludas para o prazer; ora, quem ousaria se interessar por seres sem delicadeza, brutalizados e insensíveis? E sobre o ódio… não, apenas pena por sua existência estéril e medíocre.

Desta forma, não há como aceitar a ideia de que os homens odeiam o sexo oposto, enquanto as mulheres os acolhem e amam (algo difícil de entender em algumas escritoras contemporâneas), sem mergulhar em uma visão abertamente supremacista, que considera as mulheres moral e intelectualmente superiores aos homens. Como se Deus (ou a evolução das espécies) houvesse dotado as mulheres de valores morais e espirituais que sonegou aos homens, em troca de alguns músculos, barba, bolas e um punhado a mais de testosterona.

Cada vez que leio sobre o tema me pergunto se estas mulheres algum dia em suas vidas se preocuparam em entender o que significa ser homem. Quais os desafios que o masculino impõe a cada um que pretende transitar em sua perspectiva planetária? Qual o sofrimento inerente a cada um que, ao caminhar pela trilha da incompletude, precisa encontrar nas mulheres seu elemento faltante, a peça essencial da qual carece? Quais os dilemas e sofrimentos inerentes à condição de homem que não podem ser percebidos à vista desarmada, e só podem ser compreendidos depois de uma investigação meticulosa sobre sua essência?

Acreditar que apenas um dos gêneros é capaz de tantos defeitos e deméritos é diminuir a própria potencialidade feminina, colocando-a como subalterna até na capacidade de fazer o mal. Eu, de minha parte, considero as mulheres tão competentes quanto os homens nos empreendimentos humanos, tanto para a luz quanto para a mais obscura das bestialidades.

Na imagem, Elisabeth Bathory, um anjo exemplar…

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Bichos

Careca, a chefona da Comuna

Por que será que não me impressiona o fato de que a mulher que fez a acusação grosseira contra Lula no interior do RS – dizendo que a distribuição estaria suspensa até sua chegada – é defensora de bicho e trabalha em uma ONG de proteção aos animais? Por se tornaram tão comuns na sociedade atual esses personagens, como o “ecofascista” e o “fascista dos direitos animais”? Isso me faz lembrar a frase de um conhecido ditador brazuca que se gabava de “gostar mais do cheiro dos cavalos do que do cheiro de gente”. No ano passado uma apresentadora de programas infantis declarava que “preferia ficar com bichos do que com gente”.

Não parece coincidência. Essas são as pessoas que dizem que os animais são “superiores” aos humanos, que são fiéis, amorosos, inteligentes e bondosos. Essas pessoas adoram exaltar bichos e desmerecer as pessoas. Ouvi de uma paciente, há muitos anos, que ela gostava mais dos seus cães do que dos seus familiares. Existem nas grandes cidades supermercados dedicados exclusivamente ao mundo “pet”, com centenas de produtos, equipamentos, roupas, casas, brinquedos, comida, etc. O que isso significa para a cultura?

O Brasil ocupa a 3ª posição no ranking mundial de países com a maior população total de animais de estimação. Estes dados são da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação). Não apenas isso, mas o crescimento é vertiginoso, e a associação indica que deve ocorrer um aumento de até 14% no setor em relação ao ano passado, quando atingiu R$ 46 bilhões. Só para comparar, o orçamento da educação no Brasil é de 147 bilhões. Qual a explicação para o gigantismo crescente do “amor pelos animais”?

Ok, as pessoas tem menos filhos. O fenômeno começou na Europa quando, por lá, a classe média resolveu refrear a natalidade, enquanto o Brasil ainda crescia 3% ao ano. Entretanto, o modelo logo chegou aqui. Os sentimentos maternais e paternais seriam desviados para os pets, que assumiriam a condição de crianças da casa. Não é à toa que se usa tão abertamente a expressão “mãe” e “pai” de pet, e a relação com eles se estabelece com essa configuração familiar. Entretanto, para alguns o amor aos pets vem acompanhada de uma marcada e indisfarçável misantropia, um ódio pelas pessoas, associada a uma percepção fantasiosa e idealizada dos animais, que seriam como “adultos sem maldade”, ou seja “sem dolo”. Exato, crianças.

Nem é necessário lembrar de Freud e seus estudos sobre a sexualidade infantil que apontavam para o egoísmo visceral e natural das crianças, desmontando a imagem angelical dos pequenos. Também não é difícil perceber que o amor desmedido pelos animais esconde elementos menos nobres, os quais a superficialidade das análises por vezes impede nossa visão de perceber. Este amor, como se sabe, é sempre seletivo. É amor, mas por certo ele só acontece por alguns animais, aqueles com os quais é possível a identificação. Para amá-los é preciso torná-los gente, com sentimentos, emoções e desejos que podemos reconhecer. É por isso que amamos golfinhos, mas não atuns; os primeiros são capazes de demonstrar de forma clara sua semelhança conosco.

Nada tenho contra os animais – todos eles – muito menos condeno quem os ama, um sentimento que, reconheço, não fui dotado. Digo isso mesmo tendo quatro cachorros que convivem comigo e que me consideram como parte da sua família. Entretanto, não tenho por eles amor, tão somente respeito. Não os condiciono às minhas vontades e permito que sejam livres e soltos; sem compromissos. Entretanto, percebo que alguns apaixonados pela “causa animal” usam do ativismo pelos pets para esconder sua profunda aversão aos seus semelhantes, o grave ressentimento com seres humanos e uma rejeição ao contato com gente. Por isso é tão comum ver esses ativistas envolvidos em atos condenáveis.

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Acusações

Na internet tropeço em um “exposed” de “macho escroto” todo santo dia. “Senta lá que vem textão”, dizem, e logo aparece um enorme e dramático texto acompanhado de um ou mais prints de Whatsapp. Lágrimas, cobranças, ataques, raiva, indignação são os ingredientes infalíveis da famosa lavagem pública de roupa suja. Bem, não me cabe julgar a dor de alguém que apela para estes ataques cujo alvo é um amor deteriorado. Quem poderia atirar a primeira pedra?

Ok, são as trevas do ressentimento. Muitas vezes os ataques nada mais são que gritos desesperados de um coração que sofre, vociferados na ilusão de manter vivo um vínculo de amor, nem que seja pelo artifício do ódio. Não há como saber da dor, que é única e intransferível, mas é possível imaginar a extensão da ferida pela força das palavras duras, inexoráveis e carregadas de tristeza.

Há algumas semanas vi um sujeito expor as conversas privadas com as namoradas como forma se defender de acusações gravíssimas. Jogou tudo no ventilador, reduzindo à poeira qualquer segredo de alcova, expondo os corpos contraídos, os sussurros, as juras, as safadezas e tudo aquilo que deveria estar no cofre da cumplicidade. Fez tudo isso para salvar o que lhe resta de dignidade, o tênue fio de honradez que ainda o liga à vida. Para algumas, não passou de uma estratégia que visava “silenciar” quem o acusa.

Não há como negar a este sujeito o direito à salvar-se, provando, através desta exposição, a sua inocência. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Àquelas que pretendem negar-lhe esse direito digo apenas que se acostumem com a equidade, ou desistam de lutar por ela. Além disso, nunca esqueçam que o equilíbrio nas relações de gênero demanda imparcialidade, e ela apresenta ônus e bônus. Quem acusa precisa provar, e quem é acusado tem o direito sagrado de se defender com as armas possíveis e legais.

E quem acusa de forma leviana, por vingança, perversidade ou desprezo, merece a mão firme da lei.

Ok, são as trevas do ressentimento. Muitas vezes os ataques nada mais são que gritos desesperados de um coração que sofre, vociferados na ilusão de manter vivo um vínculo de amor, nem que seja pelo artifício do ódio. Não há como saber da dor, que é única e intransferível, mas é possível imaginar a extensão da ferida pela força das palavras duras, inexoráveis e carregadas de tristeza.

Há algumas semanas vi um sujeito expor as conversas privadas com as namoradas como forma se defender de acusações gravíssimas. Jogou tudo no ventilador, reduzindo à poeira qualquer segredo de alcova, expondo os corpos contraídos, os sussurros, as juras, as safadezas e tudo aquilo que deveria estar no cofre da cumplicidade. Fez tudo isso para salvar o resto que lhe resta de dignidade, o tênue fio de honradez que ainda o liga à vida. Para algumas, não passou de uma estratégia que visava “silenciar” quem o acusa.

Não há como negar a este sujeito o direito à salvar-se, provando, através desta exposição, a sua inocência. Pau que bate em Chico, bate em Francisco. Àquelas que pretendem negar-lhe esse direito digo apenas que se acostumem com a equidade, ou desistam de lutar por ela. Além disso, nunca esqueçam que o equilíbrio nas relações de gênero demanda imparcialidade, e ela apresenta ônus e bônus. Quem acusa precisa provar, e quem é acusado tem o direito sagrado de se defender com as armas possíveis e legais.

E quem acusa de forma leviana, por vingança, perversidade ou desprezo, merece a mão firme da lei.

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O Império dos Sentidos

Em 1976, quando eu ainda era adolescente, foi lançado com grande furor um filme chamado “O Império dos Sentidos” do diretor japonês Nagisa Oshima. No enredo uma ex-prostituta se envolve num caso tórrido, obsessivo e altamente erótico com seu patrão, numa história que envolve possessão, sexo e morte. O filme tinha como atrativo inédito uma cena de sexo explícito que ficou famosa, apesar do filme ter seus méritos para além desta cena, e ser um drama tenso, pesado e com final trágico. Claro, eu fui assistir com a mesma cara de pau de quem comprava revista Playboy e depois dizia que era “pelas entrevistas”. Sim, eu fui ver o filme porque sempre fui “um amante do cinema japonês”…

Outra curiosidade era que, quando as pessoas falavam que no filme havia essa cena de sexo explícito, logo emendavam a frase dizendo que os protagonistas eram “casados na vida real”, o que oferecia uma curiosa “liberação” para esta exposição pública do sexo entre eles. Tipo, “ahh, se eles são casados, tudo bem”. Parecia que o fato de estarem legalmente unidos através dos sagrados laços do matrimônio retirava da cena uma grande parcela de pecado, e aposto que essa desculpa foi uma das razões para permitir que este filme pudesse ser exibido em plena ditadura militar.

Na verdade, eu lembrei do filme por outras razões. Foi o nome da película que me fez imaginar uma interpretação alternativa. Digo isso porque hoje vivemos, de uma certa forma, no “Império dos Sentidos“, mas não nos “sentidos” com o significado das percepções que captamos do exterior e que nos impressionam, como o tato, o paladar, a visão, etc. Não, eu me refiro aos “Sentidos” com a conotação de “magoados” ou “ofendidos“.

Vivemos, assim, no “Império dos Magoados” onde os sentimentos alheios valem mais do que a própria verdade. Qualquer palavra, expressão, dependendo de sua origem (e não do seu conteúdo), pode ofender pessoas, grupos, etc. As piadas e os gracejos não podem mais se arriscar a tocar as feridas de todos os “(re)sentidos”, pois estes podem se machucar ao ouvi-las. Com isso a cultura fica paralisada, imóvel, temendo os cancelamentos inexoráveis que podem partir de qualquer pessoa e coletivo que se julgam ofendidos. Os comediantes, em especial, vivem sob vigilância extrema, e vivemos hoje em um tempo em que o humor perdeu boa parte da sua potência transformadora. Humor que não rompe barreiras e que não agride conceitos recalcitrantes é entretenimento anestesiante. Nesse Império os grupos historicamente oprimidos se tornaram os mais poderosos na cultura, ditando de forma autoritária o que pode e o que não pode ser dito. Como afirma Zizek, “ser branco, cis, hetero e homem nos tempos atuais tornou-se um crime para o qual não há mais perdão“.

Não nego que houve avanços em algumas áreas – em especial nas agressões que eram travestidas de piada – mas as perdas também são inegáveis. Por isso uma reação evidente já pode ser vista no horizonte. O “Império dos Sentidos” começa lentamente a ver sua força diminuir diante da reação de pessoas e grupos que não acreditam mais na capacidade da censura, dos silenciamentos e dos cancelamentos em oferecer solução para as desigualdades ou para acabar com o preconceito. Não se muda a cultura proibindo e punindo, mas educando e transformando as relações de poder.

A ideia de que os sentimentos feridos devem ser considerados superiores à justiça, à realidade e à verdade é um conceito que precisa acabar. O modelo de “maternagem” condena os oprimidos à uma posição inferior e reativa na sociedade, mas o que eles precisam é de protagonismo e poder de decisão, não de proteção infinita.

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Homens

Homens foram ensinados a proteger as mulheres acima das próprias vidas, e essa é a verdadeira essência do modelo patriarcal. A expressão “Mulheres e crianças primeiro” não surgiu do nada, nao veio do vento, mas expressa um dos mais profundos valores da civilização. Ela significa que, no patriarcado, a vida das mulheres e das crianças será protegida acima de tudo pois são mais valiosas do que a dos homens, e a mais profunda obrigação masculina é proteger a ambos. Esse é um tipo de privilégio oferecido às mulheres que é difícil de reconhecer em uma sociedade que penaliza os homens unicamente pela sua condição masculina.

Isso não significa que o patriarcado seja belo, justo ou não contenha contradições, e por essas falhas deverá ser substituído. Entretanto, é absurdo imaginar que o que move esse modelo é o ódio dos homens pelas mulheres, ou o prazer em oprimi-las. Muitas ativistas identitárias ainda acreditam que o amor dos homens por elas é falso, interesseiro e seu único objetivo é explorar e objetificar as mulheres. Por outro lado, o amor das mulheres seria puro, angelical, desinteressado e respeitoso, o amor de Maria por Jesus. Ou seja, para estas ativistas as mulheres seriam moralmente superiores aos homens.

Sabem qual o nome disso? Sexismo, o mais abjeto dos preconceitos.

Para dar a verdadeira perspectiva do significado do homem na civilização eu convido estas meninas a subir no edifício mais alto de sua cidade, aquele que puder oferecer a vista mais ampla possível. Olhem lá de cima até conseguirem ver a linha do horizonte. Depois disso olhem os carros, as ruas, as roupas, as torres, os fios de luz, o telefone na mão das pessoas, as casas, as praças, as fábricas… tudo. Quando tiverem feito esse passeio visual pensem: tudo isso aqui, literalmente, sem tirar nada, foi construído por esses homens que são desprezados e chamados de “interesseiros” e abusadores. Toda obra humana, até onde nossa vista alcança, foi feita pela mão dos homens, e para eles devemos ser agradecidos.

Toda a civilização foi construída pelo gênio masculino, e muitos foram os homens que lutaram e morreram para construir este mundo que conhecemos, da mais simples choupana até uma estação espacial. E o fizeram para que suas mulheres e filhos tivessem uma vida mais digna, mais segura e mais livre. Esse desprezo pelos homens é o fator que mais atrasa as conquistas das mulheres, porque além de injusto é ingrato e violento. A plena emancipação das mulheres não vai se dar pela exclusão dos homens, muito menos usando desprezo e humilhação como estratégia.

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Retórica identitária

A força retórica do identitarismo recai principalmente no fato de que qualquer discordância é respondida com ataques morais, não racionais. Assim, os dissidentes são tratados como machistas, racistas e transfóbicos, e não como pessoas que discordam de pontos específicos. Não é difícil constatar esse fenômeno; os episódios de mulheres trans nos banheiros femininos são acontecimentos exemplares e didáticos, e o simples questionamento da mudança dos pronomes coloca muitos na posição de inimigos ou traidores.

Nya Dnar, “Epílogo da História Circular”, ed. Fronteiras, pág 135

Nya Konigsberg Dnar nasceu em Praga, na República Checa, no dia 2 de fevereiro de 1965. Com pouca idade demonstrou ser uma criança muito vivaz e inteligente, e com quatro anos de idade aprendeu sozinha a ler e escrever. Com oito anos começou a escrever histórias curtas, pequenos contos e relatos em formato de crônicas. Em 1984 graduou-se em Pedagogia e História. Nesse mesmo ano ingressou no Instituto Nacional de Cinema para estudar roteiro, diagramação e direção de arte. Em 1986, com 21 anos recém completados, emigrou para os Estados Unidos para seguir carreira como roteirista e diretora de cinema. Nos estúdios de Hollywood conheceu inúmeros diretores que foram inspiradores para sua trajetória, e de sua amizade com o diretor Brian de Palma surgiu o interesse pelas películas e histórias de suspense que tanto o caracterizaram. Casou-se com Frank O’Maley em 1989 e começou sua carreira de roteirista na Miramax, empresa fundada por Harvey Weinstein, mas sua história na empresa foi abruptamente interrompida pelos escândalos sexuais que envolveram o famoso produtor e diversas mulheres que ele teria assediado. Depois da queda e do descrédito da Miramax passou a dedicar-se à escrita tendo lançado uma biografia chamada “Os anjos vêm de Praga”, onde conta a sua vida como imigrante e roteirista de sucesso. Logo depois lançou um romance ambientado na Primavera de Praga, chamado “Não há flores em Valdštejnská zahrada”, sobre o amor conturbado de uma florista da cidade com um soldado russo. Publicou em muitas revistas feministas e de esquerda americanas, em especial sobre os temas do identitarismo e do aborto. Em “Epílogo da História Circular” ela transita por temas tão diversos quanto a revolução dos costumes e crônicas sobre mulheres e crianças desassistidas nos assentamentos de imigrantes na fronteira com o México. Mora em Los Angeles.

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