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Censura e proibicionismo

Não gostou da piada? Corte a amizade. Não fale mais com o sujeito, não vá no seu show, cancele, reclame. Escreva um textão nas redes sociais denunciando a visão preconceituosa que ele dissemina. Temos nas mãos o poder de mostrar que esse humor não é engraçado, que não é construtivo e que se baseia em estereótipos inadequados. Porém, o desejo de calar e censurar os “humoristas do mal” deixa claro que as pessoas que apoiam tal censura não acham que podemos fazer boas escolhas. Na verdade, acreditam que a proibição pode ter efeitos positivos, e pensam ser mais efetivo combater a mentira com a censura, ao invés de oferecer a verdade como contraponto. Não ensinamos a chapeuzinho vermelho a fazer boas escolhas, pois achamos mais certo perseguir todos os lobos. Lembrem que, da mesma forma, o samba já foi proibido, pois havia a ideia de que sua prática incentivava a vagabundagem. Alguém acha ainda que o samba produz preguiçosos?

Vejo que as pessoas têm dificuldade de entender é que o humor de um comediante não produz nada, ele apenas reflete os valores e crenças de uma determinada sociedade. As pessoas que vão no show do comediante Leo Lins não se tornam racistas ou preconceituosas devido às palavras e piadas que escutam no show; o Leo Lins não tem esse talento, não tem esse poder de conversão e muito menos essa capacidade. Todavia, não há dúvida que ele atrai os racistas e reacionários para o seu show, provavelmente os mesmos que se exaltam nas motociatas de líderes fascistas, pois as pessoas sabem com precisão o conteúdo que será oferecido. Da mesma forma, uma missa não converte ninguém a Jesus, mas oferece um local de encontro para os aqueles crentes que há muito desejam exercitar a fé num Salvador.

A prisão ou a penalização desses comediantes, políticos, partidos, programas, religiosos não acabará com a audiência, não vai sequer diminuir o número de pessoas interessadas em suas ideias, apenas vai impedir que estas ideias sejam reconhecidas na sociedade. O mais triste é ver que a lógica usada aqui é a seguinte: se prendemos todos os gays e proibirmos que eles falem desse pecado mortal, os homossexuais vão desaparecer; se ninguém falar desses assuntos acaba tudo, eliminamos o problema. Acrescente a essa ideia punitivista as tentativas de perseguição ao comunismo, ao islamismo, ao álcool, e a ideia de acabar com o crime exterminando os criminosos.

Tudo isso já foi tentado, até mesmo hoje. Spoiler: não funcionou.

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Leo Lins

O comediante Leo Lins foi condenado a 8 anos de prisão e 300 mil reais em multas por fazer piadas consideradas desrespeitosas com minorias, debochando de velhos, gays, crianças com deformidades físicas, etc. An questão não é se as piadas que ele conta são adequadas, boas, edificantes ou até respeitosas, mas se o Estado tem o direito de determinar que tipo de piadas podem ser contadas. A meu ver, e para muitas pessoas que não se deixaram seduzir pelo discurso identitário, ser preso por contar piadas é o fundo do poço da justiça autoritária brasileira. Parece certo que Juca Chaves tinha mais liberdade criativa durante a ditadura militar dos anos 60 do que um comediante atualmente.

Eu já assisti vídeos curtos das apresentações desse comediante e nunca gostei, e apenas por isso não assistirei a um show seu. Não gosto das piadas, acho apelativas e, acima de tudo, sem graça. Ou seja: não faço sobre elas uma análise moral, acho que lhes falta graça, humor. Entretanto, é óbvio que ninguém é obrigado assistir, muito menos gostar deste tipo de espetáculo, porém prender e multar alguém por contar piadas é absurdo, inaceitável, imoral e inconstitucional!! Conte a piada que quiser, só vai rir quem achar graça. Se acham inadequado, façam como eu: ignorem. Mais ainda: a ideia de tratar as minorias atingidas pelos chistes como “coitadinhos” que precisam ser protegidos de piadas não os ajuda. Esse é um modelo “maternal” que protege às custas da infantilização, e isso impede a conquista da maturidade. Quem deseja ser maduro deve renunciar às proteções excepcionais e fortalecer seu ego, ao invés de tentar impedir os gracejos alheios. Repito: essas proibições e criminalizações fazem mal aos grupos minoritários. Aqueles sujeitos ou grupos que desejam ascender à posição de protagonista necessitam abandonar a posição de vítimas (mesmo quando o são).

Creio ter deixado claro que a minha defesa é em tese. Eu já assisti vídeos desse humorista e percebi que no seu show ele força a barra. Tipo: vou contar uma piada de negro, gay, velho, mulher, deformidades físicas ou sobre lésbicas só para causar, para dizer que faço o que eu quiser, que brinco com qualquer coisa. Para mim soa falso e forçado; portanto, sem graça. Apesar disso, jamais aceitaria que esse tipo de piada fosse proibida, exatamente porque essa perspectiva proibicionista é comprovadamente inútil. As piadas do Juca Chaves (“comi muito a senhora sua mãe”) eram “proibidas” na minha juventude, mas na escola todos sabíamos de cor e salteado todas as “proibidonas”.

Tenho como uma regra de vida que nada pode criminalizar o humor. Nada mesmo. Pode fazer piada com qualquer coisa. Aliás, sobre assuntos delicados, o Ricky Gervais faz várias piadas em seu show; tudo depende do contexto. Estabelecer sacralidade sobre determinados assuntos é péssimo para ideias, propostas, a necessária transformação do mundo, as religiões, as personalidades, os grupos oprimidos e para as minorias. Proponho um exercício: imagine que seu filho Betinho chega no primeiro dia de escola, lugar onde as crianças exercitam tudo, inclusive a maldade. Todavia, seu filho nasceu com um problema: ele tem alopecia, é carequinha e não tem cabelo algum. Agora imagine a professora apresentando Betinho para a turma e dizendo “crianças, escutem: é proibido fazer piadas com o Betinho por ser careca”. Isso seria um desastre para o Betinho, pois seria excluído dos grupos e estaria sempre sendo visto como o protegido do sistema, infantilizado, sem desenvolver sistemas e estratégias de adaptação e proteção. O que a professora deveria fazer é não dar importância alguma para isso, reforçar sua autoestima, exaltar suas virtudes e ensiná-lo a se defender. Protegê-lo, como fazemos com as minorias por meio da lei, não ajuda esses grupos, muito menos o Betinho. Para muitos é difícil entender a perspectiva de quem diz que os grupos e os sujeitos – por si só – precisam desenvolver sistemas de proteção e defesa. Quem traduz o mundo pela visão materna terá sempre dificuldade para entender o mundo pela perspectiva da paternidade.

A proibição de gracejos sobre temas escolhidos (quem escolhe sobre o que se pode fazer piada?) seria a “lei seca” das piadas, que apenas as faz acontecer entre sussurros ou em locais fechados e seguros – e por esta razão mesmo elas se espalham. A sociedade não se move por decretos ou por proibições; só o que nos faz avançar é a lenta sedimentação de novos valores, que insidiosamente se espalham pela cultura. Proibir é mais do que inútil; isso amplifica a ação que se tenta combater. Por trás desse tipo de estratégia está a crença der que o judiciário pode modificar a cultura, quando a verdade é que ele apenas reflete os valores de determinadas culturas. A luta contra discriminações ou preconceitos não pode ser feita pelas leis, mas pela lenta sedimentação de valores na cultura. Compare este tipo de censura aplicada aos humoristas brasileiros com a liberdade dos comediantes de “stand up” como Ricky Gervais ou Dave Chappelle que fazem piada com tudo, literalmente qualquer coisa. Fazem até piada com abuso sexual(!!), mas sempre alertam para o cuidado especial com o contexto, o campo simbólico que envolve de significados qualquer anedota. Não gostar do tipo de piada é legítimo; proibir é abuso.

Minha discordância é que criar estas proibições, legislações e aumentar penas não defende as minorias, pois este tipo de ação jamais protegeu ninguém na história da humanidade. Repito: o que as proibições e as leis fizeram contra o nazismo, o álcool ou o comunismo? O que fará com o racismo? O que fará com o debate sobre o machismo? A resposta é clara: nada, pois o proibicionismo nunca produziu efeitos positivos na cultura. O que muitos pretendem é cercear a possibilidade de pensar, de expressar, de dizer piadas, mas é claro, só de alguns grupos. Não pode chamar de símio um grupo, mas pode chamar outro de gado.

E sobre as leis, acho que devem ser cumpridas. Quem desrespeitar as leis deve pagar sua dívida à sociedade. De toda maneira, sou contrário a qualquer lei que ataque a livre expressão de ideias e opiniões, por mais ofensivas que estas sejam, pela mesma razão que sou a favor de que qualquer partido tenha o direito de mostrar a cara e não se esconder em partidos de fachada.

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Censura e silenciamento

Como a história cansa de nos dar lições, censurar para esconder as contradições da realidade jamais será solução para nada. Na questão dos algoritmos e do bloqueio de fake news todo mundo acerta no diagnóstico, mas quando é para apontar a solução, continuam apostando na velha alternativa do silenciamento, na supressão e na proposta de não permitir que os “fascistas” (no nosso caso) e os “comunistas” (no caso deles) tenham vez e voz. No fundo, essa proposta é o que classifico como o velho “modelo materno”, que se aplica quando a mantemos os protegidos (as crianças) num estrato onde não têm autonomia por não possuírem ainda condições para se defender. É o que as professoras fazem na escola primária: protegem os alunos do bullying e das brincadeiras maldosas, como uma mãe o faria, porque sabem que são crianças indefesas. O problema dessa proteção é que os protegidos se tornam o objeto do nosso controle. Em nome da sua segurança, impedimos que se tornem sujeitos independentes, evitando que o mal chegue a deles Fazemos isso porque acreditamos na sua incapacidade de lidar com as agressões e ofensas. De novo, como qualquer mãe amorosa faria.

Todavia, chega um momento em que as crianças pedem que as mães não cheguem à porta da escola. O cuidado e o controle que elas recebem das mães (e aqui “mãe” é a função, não a “pessoa”) torna-se um fardo. Não querem mais proteção; querem liberdade. Nesse momento é que entra o “modelo paterno” que, ao invés de impedir a chegada do mal, reforça as qualidades intrínsecas do sujeito para que ele possa, por si, se defender. Assim, ao invés de proibir as piadas com gays, pretos, gordos ou narigudos, o esforço será em reforçar o orgulho de pertencer a qualquer uma dessas identidades. Da mesma forma, ao invés de proibir conteúdo de extrema-direita, a solução seria estimular a perspectiva de mundo do sujeito socialista, internacionalista e fraterno, na construção de uma nova sociedade, assim como mostrar o ridículo das posições fascistas, racistas, sexistas e todas as expressões do fascismo. Entretanto, sem calar, sem cercear, sem proibir, pois nossa experiência com os preconceitos – todos – e mesmo o próprio nazismo deixam claro que as proibições são inúteis.

Isso não significa que não se pode proibir nada. É proibido violar a lei, e para isso as leis são criadas. Entretanto, opinião não é crime, mesmo aquelas perspectivas mais abjetas, como as racistas ou anti-LGBT. Se as proibições motivadas pela sensibilidade do ofendido forem tomadas como lei, chegaremos rapidamente a 1984 de Orwell, onde um Xandão qualquer pode dizer que ser a favor de parto normal (ou ser comunista) pode levar à morte de pessoas (ou ao “genocídio stalinista”). Para se configurar o crime não se exige mais um ato; basta pensar em voz alta e emitir opiniões. Se estas manifestações – repito, mesmo as bizarras – forem passíveis de silenciamento a delicada tessitura da democracia e do livre pensar desaba, pois que a expressão das ideias vai acabar dependendo do humor e dos valores de um títere qualquer que detenha o poder de discriminar o bom do mau, o certo do errado.

Boa parte das pessoas (a maioria?) ainda acredita que “calar os maus” faz sentido. São os mesmos que acham que linchar um criminoso na rua em flagrante é justo, pois, afinal, por que esperar por toda a burocracia da justiça se podemos fazer um “atalho”? Acreditam ser possível combater o crime com mais crime – como fizeram Moro e a Lava Jato. Estes acreditam que, quando calarmos à força quem de nós discorda, estamos corretos, pois o silêncio que se segue nos dá a ilusão do sucesso. “Veja como acabou o racismo, ninguém mais fala mal de negros!!”, quando em verdade este e outros preconceitos continuam na alma dos sujeitos, e seu preconceito se expressa apenas em sussurros, nos cantos, nas surdida, mas vivo e atuante. Repito: de que adiantou calar os comunistas? Que ocorreu com a proibição do nazismo? Olhem a Alemanha de hoje e o sucesso da AFD (Alternativa para a Alemanha)!! Vejam o bolsonarismo, vivo e forte. Analisem a vitória do Milei e de Trump!!

As proibições e o punitivismo são tão sedutores quanto inúteis. Os Estados Unidos – à mais bem sucedida ditadura burguesa do planeta – têm 2 milhões de encarcerados. Se o silenciamento social desses indivíduos tivesse algum sucesso, era de se esperar a diminuição dos níveis de criminalidade e violência, não? Pois o que se vê é o oposto; a tendência no mundo inteiro é o incremento da violência pelo fracasso das promessas do capitalismo. Da mesma forma, o silenciamento da livre expressão de teses contrárias ao nosso entendimento jamais teve sucesso. O proibicionismo sempre fracassou como instrumento pedagógico. Mas cabe lembrar que “Vamos matar o presidente!!não é uma opinião, mas um claro incitamento ao crime. Confundir isso é uma constante naqueles que não gostam da liberdade de expressão. Estes são os mesmo que dizem que gritar “fogo!!!” em um cinema lotado deveria ser proibido, pois colocaria todos em risco, mas sem compreender que “fogo” não é opinião e não expressa uma perspectiva subjetiva e particular do mundo. Essa metáfora é usada até hoje por juristas que desejam limitar a liberdade de expressão, dizendo que ela não pode ser “absoluta”, mas falhando em determinar a quem cabe a decisão final.

Estes que aceitam a “censura do bem” acreditam que ela é justa porque partem da crença que possuem a perspectiva correta do mundo e por isso não haveria problema em silenciar os “errados”. Isso muda de figura quando alguém, um poderoso, um ditador ou um ministro direitista consegue impedi-lo de expressar suas ideias “corretas”.

Aí talvez aí resolva voltar às ruas para exigir liberdade.

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Quem decide por nós?

No Brasil você é proibido de defender a legalização de um partido nazista; isso está na legislação. Entretanto, a gente sabe que nossa constituição é maleável; ela pode ser suplantada pelo simples desejo de um ministro do STF, bastando para isso que ele sinta ameaçada sua perspectiva burguesa e liberal. E vejam: não se trata sequer de defender um partido nazista ou sua plataforma racista, opressora e excludente, mas simplesmente reconhecer o direito de fascistas aparecerem à luz do dia e saírem do esgoto. Pois isso, para Alexandre de Moraes, já é motivo para perseguições. Monark, o menino ancap, está sendo perseguido por querer bancar o Voltaire em terra de Xandão (*).

Por outro lado, você pode criar um partido de inspiração e financiamento sionista no Brasil de forma absolutamente livre. O sionismo é uma ideologia supremacista e colonial que já matou milhões de palestinos, direta ou indiretamente, nos últimos 75 anos. Durante o Nakba, em 1948, expulsou 750 mil palestinos de suas casas e criou um país artificial, roubando a terra dos seus moradores originais. Israel se tornou a última colônia opressora ocidental, onde só uma identidade tem plenos direitos, em detrimento de todas as outras. Estabeleceu um regime explícito de Apartheid, separando os judeus do “resto”, em especial os árabes – a população nativa do local. No último massacre, ainda em vigor, mais de 30 mil pessoas, a maioria de mulheres e crianças foram mortas. Os crimes de guerra – ataque a hospitais, aos campos de refugiados, aos médicos, enfermeiras e jornalistas, etc. – são difundidos abertamente pela Internet e pela TV, crimes escancarados, vistos por milhões de pessoas no mundo inteiro. Cinicamente matam, prendem, humilham e abusam. Apesar disso, as redes de TV e os jornais podem defender abertamente esse regime, sem sofrer qualquer admoestação por parte das instituições jurídicas.

Ou seja, o problema não é a defesa de sistemas de poder fascistas, racistas e opressivos; isso podemos ver como acontece abertamente pela defesa de um país terrorista como Israel. O drama está em quem tem o poder de discriminar o que pode ou não ser proibido. Por certo que não é o povo brasileiro, mas uma elite jurídica que determina o que pode ou não ser visto por nós. No caso brasileiro, os ministros do STF concentram esse poder, atuando por cima de todos os outros poderes; a palavra de um Xandão vale mais do que a do presidente ou mesmo do Congresso Nacional inteiro – que ao contrário daquele, foram escolhidos diretamente pelo povo.

Assim, dá para entender as razões pelas quais a extrema direita autoritária e a extrema esquerda focam no mesmo ponto: o autoritarismo do STF é perigoso. A extrema direita fascista, por certo, por questões oportunistas: eles são as vítimas de hoje, uma vez que seus líderes estão a ponto de serem encarcerados pela ação do STF. Porém, seria uma suprema ingenuidade acreditar que a extrema direita preza valores como a liberdade, se estão sempre à frente das ditaduras que destroçaram a democracia no mundo inteiro. Já para a esquerda radical a questão é mais estrutural; entende que o mesmo Alexandre que deseja “limpar” as redes sociais foi o sujeito que apoiou o golpe contra Dilma, a prisão ilegal de Lula e rasga elogios ao traidor da pátria Michel Temer sempre que pode. Portanto, Xandão está longe de ser um legalista e alguém que defende a democracia e a constituição; ele é de fato um golpista e mais um árduo defensor dos poderes burgueses. Repetindo: é possível denunciar Alexandre de Moraes como um autoritário – um sujeito colocado no poder por um traidor e que abusa do seu poder – sem ser simpático ao bilionário, drogadito, ancap, golpista que estimula e patrocina golpes na América Latina.

(*) sim, eu sei que Voltaire não disse aquela famosa frase, mas se eu colocasse o nome de sua verdadeira autora – Evelyn Beatrice Hall, biógrafa de Voltaire – ninguém iria sacar a analogia.

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Sobre censura, abusos e filmes ruins

Percebo que nesse assunto – a censura de um filme do Danilo Gentili – estamos tocando na ferida moralista desse país. Nunca vi o filme e nem pretendo ver, mas proibições lembram a minha infância na ditadura militar e acho que o debate sobre a veiculação desse filme serviu apenas para tirar do esquecimento um filme chato pra caramba. Como princípio não aceito censura de jeito nenhum, e se o problema são as crianças, proíbam-no para menores de idade, mas permitam que as pessoas adultas façam suas escolhas, por mais estúpidas que sejam.

Ainda lembro uma manchete do Pasquim do início dos anos 80: “Estaremos maduros o suficiente para pentelhos?” na época em que os filmes no Brasil censuravam o “nu frontal”. Essa foi uma manchete sensacional que debochava da nossa infantilidade cultural e nossa renitente exaltação à censura. Posso apostar que deve haver documentos da época que justificavam essa censura afirmando que a liberação dos “pentelhos” poderia “estimular a violência sexual”. Hoje sabemos o quanto é tola a ideia de que algum pervertido vai realizar um estupro apenas por ver um filme miseravelmente erótico.

O mesmo eu posso dizer de alguém que vai praticar um crime – como abuso sexual da infância – apenas por ver uma porcaria de filme do Danilo Gentili. O ser humano não é tão facilmente condicionado assim. Fosse verdade, bastaria condicionar a todos contra cigarro, bebida, fumo e homossexualidade e todas essas manifestações desapareceriam, para a alegria dos moralistas e o desespero dos pastores evangélicos, que veriam seu mercado de curas milagrosas murchar da noite para o dia. Sabemos o quanto isso é ridículo.

Portanto, proibir este filme é um erro duplo: por abrir as porteiras – de novo!! – da censura por razões morais, e porque esta ação é absolutamente inútil. Nenhum efeito positivo pode surgir do proibicionismo – não esqueçam da Lei Seca e seu retumbante fracasso!! – a não ser fazer crescer o interesse por aquilo entendido como interdito. Os psicanalistas bem sabem o quanto uma porta trancada é importante para fomentar o desejo e as fantasias sexuais na infância. Querem apostar como um filme esquecido voltou a ser visto agora?

O problema é que o moralismo canhestro, uma das manifestações características do identitarismo, deixa claro que se você defende que obras ruins e sem graça tenham o direito de ser apresentadas (guardadas as limitações etárias) você estará fatalmente concordando com o conteúdo delas. Ou seja: se você se posiciona contra a censura de um filme que contém cenas que insinuam abusos você é a favor desses abusos, o que é simplesmente absurdo. Esses moralistas não conseguem entender uma defesa “em tese”, e confundem a “defesa do princípio” com a “defesa da causa”. Bastaria conhecer a frase de Evelyn Beatrice Hall que nos diz “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las” para entender que expressar-se livremente é um direito sagrado. Mutatis mutandis, posso discordar profundamente do filme chato do Gentili, mas acredito no seu direito de apresentá-lo para quem se interessa por assistir.

Para finalizar, eu me associo à indignação com a esquerda que pede cancelamentos, censura e apoia nazistas, mas sei o quanto este tipo de discurso autoritário é difícil de retirar das mentes contemporâneas.

PS: Eu avisei, mas os moralistas dessa nação formada por hordas infinitas de “irmãs Cajazeiras” não quiseram escutar. O filme, de tanto criticarem, agora está bombando, enchendo os bolsos de quem eles tanto criticavam. Lembro ainda do cancelamento massivo que recebi quando pedi para não ficarem fazendo propaganda enviesada do Rodrigo Constantino. Tem gente que custa a aprender.

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Censura gringa

Dar a uma empresa americana o direito de censurar o que se fala no Brasil é uma tolice inaceitável e uma ação suicida. Uma burrice e um tiro no pé. Hoje é o idiota propagador de Fake News, mas amanhã será alguém da esquerda por liderar uma marcha contra o governo. Aplaudir esse cancelamento é como elogiar o Bonner por bater no Bolsonaro.

“Cria cuervos y ellos te comerán los ojos”

Nossa esquerda está recheada de liberais que não conseguem perceber a estupidez de armar os inimigos. Festejar ações do judiciário (como muitos fizeram com as ações de Moro na Lava Jato) ou das empresas americanas de mídia só porque circunstancialmente nos beneficiam é uma declaração inacreditável de imaturidade política.

Se você acha que o Alan dos Santos passou dos limites que seja julgado pela justiça brasileira e não por burocratas do Vale do Silício (ou gente contratada por eles). Se ele cometeu crimes que a lei brasileira o puna, mas que não seja apagado pelos critérios morais do Mark Zuckerberg!!!

Pessoas que lutam contra o apartheid de Israel e contra o genocídio palestino são continuamente censuradas no YouTube e no Facebook, sendo tratadas como “terroristas”, apenas porque o dono do Facebook é conhecido apoiador do estado de Israel. Mesmo os pacifistas são cancelados!!! A liberdade de expressão não pode estar sujeita ao humor e às paixões de um ou outro milionário.

Entendem agora como é grave dar a estes caras o poder de escolher quem eles “cancelam” e quem promovem?

Acordem liberais.

Os liberais infiltrados na esquerda são uma praga. Defensores da censura deveriam voltar para a escola para entender que nossa soberania não pode ser entregue a um fascistinha americano para ELE decidir o que pode ou não ser publicado aqui.

Se as TVs não podem falar o que quiserem – por serem concessões públicas – porque não usar a mesma regra para o Facebook? Por que permitir que uma narrativa americana e imperialista controle as mentes dos brasileiros?

Muitos agora se aprisionam à figura nefasta do Alan dos Santos e não conseguem perceber o monstro da censura gringa que está por trás. No esqueçam que Alan dos Santos é bolsonarista e trumpista, e todas as Big Techs do Vale do Silício apoiaram Biden. Não se pode admitir ingenuidade nessa guerra de narrativas.

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Pela vida

Acho um desserviço e um erro grave continuarem chamando os defensores da legalização e da descriminalização do aborto de “Pró-aborto”, assim como os que lutam para manter a proibição e a ilegalidade de “Pró- vida”. Ninguém é pró-aborto. Somos todos “pró-vida”, a questão não é moral, maniqueísta ou uma batalha do bem contra o mal num roteiro de novela popular. Os termos mais corretos seriam “Pró-proibicão” e “Pró-legalização”. O resto é discurso moralista vazio.

Ben Carter-Smith, “Apologies, Mrs Cathy”, Ed. Baroque,  pág 135

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Primeira Emenda

Liberdade e escravidao

Percebo com pesar que no meio onde vivo apenas duas pessoas consideram o “First Amendment” uma peça civilizatória altamente correta e sofisticada: eu e o meu pai. Creio que esta coincidência se dá pelo fato de termos sido queimados em fogueiras vizinhas em um passado não muito distante por dizermos coisas que desagradaram certos poderosos. Apesar do tempo ter confirmado a correção de nossas afirmações a Verdade ainda é uma prova insuficiente para arrefecer as chamas inclementes.

Aqui, na parte de baixo do planeta, defender o direito sagrado que um idiota tem de dizer o que pensa significa o mesmo que associar-se à sua idiotia. Para a maioria das pessoas Charlie Hebdo devia ser calado porque – para elas – esculachar uma religião é errado; para mim não se pode calar a crítica e muito menos cercear a liberdade de expressão, mesmo que o preço seja alto e custoso. Defender Charlie NÃO é o mesmo que defender a islamofobia, mas significa a defesa da livre manifestação crítica, e o respeito ao direito de se expressar, mesmo de forma jocosa, sobre qualquer questão.

Talvez as minhas queimaduras tenham me proporcionado uma visão radical e mais firme sobre a importância fundamental da liberdade como propulsora da cultura, mas a verdade é que ainda não encontrei argumentos suficientemente fortes para me demover da opinião de que nenhum governo ou instância social pode proibir a livre manifestação de pensamentos, por piores que eles possam parecer. Prefiro o pagamento de qualquer preço, mas não posso aceitar que uma sociedade tenha possibilidade de evoluir amarrada por dogmatismos de qualquer natureza.

Mas, por aqui, só me cabe a resignação e o reconhecimento de que minha visão é francamente minoritária. As condenações que vejo às idiotias não tem o tom democrático que eu admiro. Eu acho que não se evolui nas ideias impedindo os outros de se manifestarem. O que devemos fazer é produzir um posicionamento FORTE e INTENSO contra posturas misóginas, racistas ou sexistas, mas não impedir a manifestação do contraditório, seja ele qual for. Não esqueça que o debate sobre o heliocentrismo já levou pessoas que o defendiam à fogueira apenas por pensarem de forma diversa do modelo hegemônico.

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